Luciano Buarque de Holanda escreve no Valor sobre a minissérie
australiana criada e coproduzida por Cate Blanchett. Íntegra a seguir.
“Estado Zero” visita um tema urgente, raramente visto na
ficção da TV: os dramáticos trâmites da migração, neste caso na Austrália, onde
milhares de refugiados aguardam vistos de permanência no país, confinados em
campos de detenção.
Embora a maioria deles venha do Oriente Médio, quem assume
certo protagonismo é a personagem de Yvonne Strahovski (a Serena Joy de “The
Handmaid’s Tale”), livremente baseada no caso real de Cornelia Rau - rebatizada
em “Estado Zero” como Sofie Werner.
Alemã de cidadania australiana, Sofie passa 11 meses detida
num centro de refugiados no deserto, confundida como imigrante ilegal. O
equívoco resulta num escândalo nacional, escancarando de vez as falhas do
sistema migratório australiano, alvo de críticas.
Sofie é um caso complicado. Diagnosticada com transtorno
esquizoafetivo, misto de bipolaridade e esquizofrenia, ela abandonou um estável
emprego como comissária de bordo para se juntar ao Gopa, um culto que afirma
promover a cura espiritual por meio da dança.
Cate Blanchett e Dominic West interpretam os líderes da
seita, que exercem um efeito devastador sobre a saúde mental da protagonista.
Sexualmente abusada pelo guru vivido por West, submetida a humilhantes
punições, Sofie embarca num surto psicótico que a leva a internações e
subsequentes fugas.
Sentindo-se perseguida pelo Gopa, ela tenta deixar o país
usando um passaporte roubado. Quando é abordada pelas autoridades, nega-se a
revelar sua verdadeira identidade.
Mas “Estado Zero” é essencialmente um drama “multiplot”,
dividido em três outros arcos narrativos. No mesmo campo de detenção,
encontramos o fictício Ameer (Fayssal Bazzi), pai de família e professor afegão
fluente no inglês.
Fugindo de conflitos civis em seu país, Ameer amarga o
típico caminho de pedras visto em noticiários. Com uma filha doente a tiracolo,
recorre a clandestinidade para colocar a família numa precária e superlotada
embarcação, gastando todas as suas economias no processo. É um personagem
essencial ao tema, mas talvez o mais óbvio deles.
Numa outra perspectiva, acompanhamos a angustiante rotina do
guarda Cam Sandford (Jai Courtney), novato no campo de detenção, considerado
“mole” pelos colegas. Homem de bem, sensível ao drama que lhe cerca, ele
ingressa no cargo com a ingênua crença de que irá prestar um serviço humanitário
- ou quase isso.
No entanto, há ordens a serem cumpridas, e os refugiados
encontram-se num limite emocional. Gradualmente, Sandford vê-se embrutecido
pela natureza do trabalho.
Por último, temos o arco de Claire Kowitz (Asher Keddie),
nova diretora do centro de detenção, contratada para endurecer as regras e
manter a imprensa afastada. Trata-se de uma vilã das mais complexas. Workaholic
e carreirista, sempre disposta a agradar os chefes em detrimento do bem-estar
dos internos, Claire mantém uma ética pessoal. Sob contínua pressão, ela vive
num abismo próprio, sufocada entre o expediente e solitárias noites insones.
Se “Estado Zero” ainda não é o melhor retrato dos refugiados
na TV, no mínimo deve ser vista pelas interpretações. O elenco inclui a estreante
Soraya Heidari, ótima no papel de Mina, filha de Ameer.
“Estado Zero”
Austrália - 2020. Criadores: Cate Blanchett, Tony Ayres,
Elise McCredie. Onde: Netflix / AA+
AAA Excepcional / AA+ Alta qualidade / BBB Acima da média /
BB+ Moderado / CCC Baixa qualidade / C Alto risco
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