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Para Nelson Arns, os pobres aderem mais facilmente à ideia de lockdown do que os ricos

Entre os acertos do ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, ainda sob o negacionismo científico do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), destaca-se a encomenda de uma pesquisa à Universidade Federal de Pelotas (Ufpel) no início da pandemia. Assim nasceu a Epicovid19-Br, coordenada pelo Centro de Estudos Epidemiológicos da universidade gaúcha, há 40 anos realizando estudos nesse campo no Brasil e no exterior. Liderada por cientistas de renome internacional, como Cesar Victora, e comandada pelo reitor da universidade, o epidemiologista Pedro Curi Hallal, a pesquisa ganhou, com Mandetta, três fases e abrangência nacional, tornando-se o maior estudo de base populacional sobre a covid-19 que se tem notícia, escreve Laura Greenhalgh em matéria publicada no Valor dia 3/7, com entrevista de Arns.

Foram revelados dados cruciais como este: da primeira fase (entre 19 e 21 de maio) até a segunda (4 e 5 de junho), a presença do vírus entre brasileiros cresceu 53%. A velocidade do contágio permite projetar com segurança que para cada caso confirmado existem seis não confirmados.
A pesquisa atravessa a terceira fase na véspera da publicação desta entrevista com Nelson Arns Neumann, de 55 anos, coordenador internacional da Pastoral da Criança. Junto a outros apoiadores, Doutor Nelson, como é chamado, entrou na Epicovid19-BR levando consigo o peso da Pastoral, entidade criada nos anos 1980 pela Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e liderada por sua mãe, a sempre lembrada Zilda Arns (há dez anos, em 12 de janeiro, ela morreu devido a um terremoto no Haiti).
Com a entrada da Pastoral, o estudo ganhou um olhar agudo sobre a desigualdade brasileira, além de maior aderência com a população pobre. Dá para sentir o Brasil nas palavras desse médico sanitarista, cujo batismo em saúde pública se deu quando ainda era estudante de medicina, atuando como missionário leigo e agente comunitário em Bacabal, no Maranhão.
Em parceria com o Ibope, a Epicovid percorre o país de Norte a Sul, visitando a cada etapa 33 municípios selecionados por critérios do IBGE. Paramentados segundo as normas sanitárias, pesquisadores do instituto (cerca de 2,6 mil) visitam lares escolhidos por sorteio. Em cada lar, identificam um morador, aplicam o teste rápido e, nos 15 minutos de espera pelo resultado, entrevistam a pessoa sobre sintomas, rotinas de prevenção, grau de isolamento, serviços de saúde etc.
Paralelamente, a Pastoral da Criança tem oferecido capacitação em saúde para toda a população, com foco no vírus, atraindo milhares de pessoas. Um trabalho de formiga, com potencial e urgência gigantescos - segundo o Institute for Health Metrics and Evaluation, dos EUA, o Brasil poderá ter mais de 166 mil mortes por covid-19 no início de outubro. “Não queremos que o dado se confirme, mas vamos nesta direção. Prefiro crer, como provam os estudos, que a comunidade informada vale mais do que uma UTI”, diz Arns.
Valor: Como nasceu a Epicovid-19?
Nelson Arns Neumann: Nasceu na Federal de Pelotas, só para o Rio Grande do Sul. Só que o ex-ministro Mandetta chamou a universidade para fazer uma pesquisa nacional em três fases - o primeiro estudo de base populacional sobre a covid-19 no Brasil. E por quê? Para ter o quadro real da contaminação. Já se sabia que a pandemia atingiria desigualmente o país, porém uma coisa é agir por intuição, outra coisa é saber o que deve acontecer.
Valor: Havia muitas dúvidas no ar?
Arns: O início da pandemia levou muitos a acreditar que o Brasil atingido seria São Paulo e Rio, portanto, medidas tomadas em março refletiam as classes média e alta de centros urbanos. Havia o alerta de que, quando o vírus chegasse a comunidades pobres, as dificuldades seriam muito maiores. Do nosso lado, na Pastoral da Criança, olhávamos o impacto sobre os mil primeiros dias de vida. Se uma criança atravessa de forma crítica esse período, nascendo, por exemplo, com baixo peso, ela terá mais chance de desenvolver doença cardíaca, diabetes, hipertensão, osteoporose e problemas renais na vida adulta. Daí vem a pandemia e mata preferencialmente quem? Portadores de doenças crônicas. Quem são eles? Majoritariamente, os pobres.
Valor: A desigualdade revelou um Brasil que se conhecia, mas nem tanto?
Arns:A desigualdade trouxe desafios, entre eles entender como a contaminação se faz entre os pobres de regiões ricas e os pobres de regiões pobres. Porque há diferenças. Famílias pobres de região metropolitana estruturada podem contar com a capacidade instalada a partir da capital - o que não acontece em tantos lugares. Cito um caso: em Abaetetuba, no Pará, região de ilhas, não existe serviço de saúde. Os doentes precisam buscar atendimento na cidade grande, navegando pelo Baixo Tocantins. Não viajam sozinhos, mas com familiares, fazendo travessias longas em barcos apinhados. Na cidade, vão se hospedar em casa de parentes ou amigos, o que gera mais aglomeração, mais contágio, mais óbitos. Como diz a diretora-executiva da Unaids, Winnie Byanyima, o vírus está matando muita gente, porém a escala e as consequências da pandemia são obras do homem.
Valor: Perdeu-se tempo acreditando que tudo acontecia a partir da área de desembarque dos aeroportos internacionais?
Arns: A doença chegou com os viajantes internacionais. Mas a grande surpresa foi como ela se espalhou, em especial no Norte. Hoje, revendo um passado até recente, identifico sinais das dificuldades que iríamos ter. O doutor Ademar Augusto, conhecido obstetra de Manaus, numa reunião no Conselho Federal de Medicina há seis meses, comentou que fizera cinco partos numa só noite, de três venezuelanas, uma haitiana e uma brasileira. Ou seja, em Manaus ele fazia mais partos de estrangeiras do que de brasileiras. Esse era um alerta. Por Manaus circulam pessoas de várias partes. Chegam também para buscar atendimento de saúde, depois de horas de barco, dormindo em redes penduradas umas sobre as outras. Fragilizadas, têm dificuldade de adotar normas de higiene e fazer isolamento. Achávamos que a região Norte estaria protegida por uma barreira natural, mas a soropositividade explodiu por lá.
Valor: Qual o efeito da Zona Franca de Manaus na contaminação?
Arns: Com aeroporto internacional, Manaus tem empresas instaladas, inclusive chinesas, como tem turistas estrangeiros, especialmente europeus interessados em visitar a floresta. Mas o que vemos com frequência são venezuelanos, guianos e até haitianos. Considerando o grau de transmissibilidade do vírus, uma pessoa é suficiente para espalhar a doença numa região tão despreparada do ponto de vista sanitário. Manaus é uma das cidades brasileiras mais desabastecidas de água tratada, e não é por falta de matéria-prima. O contato humano é intenso, nas casas, nos mercados, nas feiras, nos barcos. E no início houve falta de tudo: água, sabão, álcool em gel, EPIs [equipamentos de proteção individual]...
Valor: Quais são as cidades que mais sofrem impacto no Norte?
Arns: Como mostrou a segunda fase da pesquisa, das 15 cidades com maior prevalência de contaminação no Brasil, 12 estavam na região Norte e 3, no Nordeste. Lidera o ranking geral Boa Vista, capital de Roraima, onde 25% da população têm ou já tiveram coronavírus. Tefé e Parintins, no Amazonas, Belém, Breves e Castanhal, no Pará, estão no grupo. Manaus foi uma capital duramente afetada, com a presença do vírus em 14% da população. Agora a tendência é melhorar na região.
Valor: E nas capitais do Nordeste, como explicar o alto contágio?
Arns: De novo, a desigualdade, de forma evidente. Em Fortaleza, as primeiras duas quadras de prédios e casas a partir da praia concentram a sociedade rica. Já nas quadras seguintes, tudo muda, é só pobreza. Tive alguma experiência com Salvador, por ter um irmão que foi morar lá. Saímos para comprar um berço, pois minha cunhada estava grávida, daí descobrimos que só vendiam berço com uma cama de solteiro. Era um pacote. Os vendedores diziam que a cama era para a empregada. Ou seja, para os padrões locais, todo bebê de família rica tem uma empregada que o acompanha dia e noite. Eu não chamaria isso de trabalho doméstico, mas escravo. Do ponto de vista epidemiológico, nesse tipo de sociedade tão desigual e excludente, paradoxalmente todos vivem juntos. Quando chega um vírus impondo o isolamento, há problemas.
Valor: Que cara tem a epidemia no Centro-Oeste?
Arns: Há um tipo de colonização no Centro-Oeste que é parecido com a do Sul do Brasil - pelos imigrantes que vieram de lá. No Nordeste, uma família até pode ter o seu roçado, mas mora em vilarejos onde as casas estão separadas por parede, numa convivência de proximidade. No Sul, em zona rural, a família mora sozinha, a 2km ou 3km dos vizinhos mais próximos. Há um isolamento natural. Esse padrão se repete no Centro-Oeste. Só que a pandemia chegou por lá, também. Talvez com menor impacto, afinal hoje o abastecimento de EPIs está normalizado, já se sabe que não deve dar cloroquina nem hidroxicloroquina, que dexametazona funciona e o Remdesivir está chegando. São direcionamentos que ajudam uma região a se organizar, a preparar melhor seu pessoal da saúde e reduzir a mortalidade.
Valor: E o Sul-Sudeste?
Arns: Há situações distintas. Minas, que demorou para subir, hoje experimenta uma elevação rápida no número de casos. Olhando dados das 12 cidades com menos de 1% de contaminação até a segunda fase da pesquisa, reconhecemos o efeito de boas orientações. Em São Paulo, cidades como Araçatuba, Campinas e Sorocaba ficaram abaixo de 1% de contaminação porque reagiram logo ao vírus. Pelotas adotou medidas quando não havia caso confirmado. Curitiba também se antecipou. Mas a verdade é que o vírus se espalha numa velocidade incrível e pagaremos um preço alto pela flexibilização antecipada.
Valor: Inclusive o de voltar atrás na flexibilização?
Arns: Boa parte dos municípios brasileiros poderá passar por isso. Ainda estamos no recrudescimento da primeira onda e já se especula sobre a segunda, a terceira... há impaciência dos governantes, mas há impaciência das pessoas, também. O Brasil terá um comportamento semelhante ao dos EUA. Lá não houve a contaminação em “V”, como alardeou o presidente Trump, mas em “W”, com sobe e desce nas estatísticas. Segundo o Institute for Health Metrics and Evaluation, de Washington, a previsão para o número acumulado de mortes no dia 1º de outubro próximo, para o Brasil e os EUA, é alarmante: 166 mil para o nosso país e 178 mil para os americanos. Claro, ninguém quer que isso se confirme, mas são projeções construídas a partir de dados da realidade.
Valor: Como foi a relação da Epicovid com Mandetta? E no pós-Mandetta?
Arns: Notamos ritmos diferentes na Saúde depois da saída dele. É arriscado, no meio da batalha, trocar o comando das tropas. Nada contra o general [Eduardo] Pazuello, que está à frente do Ministério [da Saúde], mas é impossível conseguir as respostas esperadas, na velocidade que o Brasil precisa, sem conhecer a máquina da saúde. A covid-19 nos obriga a uma curva de aprendizado muito alta!
Valor: Qual é o papel da Pastoral da Criança na Epicovid-19?
Arns: Somos o agente facilitador. Zilda Arns, minha mãe, sempre deixou claro que a Pastoral iria trabalhar com o Estado, porque precisa dele para atender os vulneráveis. Isso independentemente do governo de plantão. O grupo da Federal de Pelotas, sob a liderança do professor Cesar Victora, já havia atuado com a Pastoral em outras oportunidades, realizando estudos sobre soro caseiro, desnutrição infantil. Ao ser convocada por Mandetta, a universidade nos perguntou se a Pastoral poderia ajudar na articulação com as secretarias de saúde, os políticos, os tomadores de decisão, as polícias.
Valor: Por que com as polícias?
Arns: Na primeira fase, os municípios não foram corretamente avisados de que haveria pessoal do Ibope saindo a campo para ouvir a população. Isso fez com que prefeitos reagissem e que entrevistadoras fossem até presas. Aconteceu em Petrolina: fomos informados de que as moças do Ibope estavam detidas e tinham boa chance de passar a noite na cadeia. Rapidamente acionamos mecanismos legais e as liberamos. Enfim, a Pastoral entrou em cheio no trabalho, porque já está claro que uma das formas mais efetivas de combate ao vírus é o envolvimento da comunidade. O comportamento informado tem índice de êxito superior ao de uma UTI. E trabalhamos junto à população: hoje estamos com 14.063 pessoas, de 1.687 municípios, finalizando a capacitação no “e-coronavirus”, com conteúdo que elaboramos em março e constantemente atualizamos.
Valor: Como isso funciona?
Arns: Já existia uma capacitação da Pastoral, via aplicativo, para quem quisesse testar seus conhecimentos em saúde. Temos o nosso método: propomos que haja sempre um (a) líder, e que ele (a) chame os filhos, os parentes, os vizinhos, para discutir o conteúdo, e que depois façam uma prova, coletivamente. A partir dessa experiência, preparamos algo específico sobre o coronavírus. Nos anos 1990, uma pesquisa da PUC-SP detectou que um grave problema dos pobres é que eles têm apenas amigos pobres. Então a gente brinca que, em lugares remotos, a Pastoral da Criança é o amigo rico do pobre. Rico em conhecimento e em contatos que possam ajudar a comunidade.
Valor: A Pastoral trabalha com indígenas?
Arns: Hoje acompanhamos cerca de mil crianças indígenas. Atuamos onde há contato mais próximo com as aldeias. Embora, em 2019, tenhamos sido procurados pelos yanomami, povo isolado, porque havia uma epidemia de bicho de pé entre as suas crianças. Eram feridas horríveis, levando à perda de dedos. A Pastoral acionou o Ministério da Saúde, mobilizou a OMS e a Opas [Organização Pan-Americana da Saúde], organismos internacionais que o presidente Bolsonaro acha que não servem para nada, e conseguimos trazer o tratamento da Alemanha. Em questão de dias, as crianças começaram a ficar livres das feridas. Não quero cravar a taxa de contaminação entre os indígenas porque o último censo tem já dez anos e não reflete todas as áreas. Mas foi de 4,3% na primeira fase da pesquisa e 6,4%, na segunda. A transmissão é alta e se acelera.
Valor: Zilda Arns morreu há dez anos. No momento da sua morte, o modelo da Pastoral da Criança era replicado em vários países, tanto que a organização foi indicada para o Nobel. Como tem sido a vida da Pastoral sem a sua fundadora?
Arns: A Pastoral não é uma criação da doutora Zilda, nem da família Arns, mesmo que [o cardeal e arcebispo emérito de São Paulo, morto em 2016] dom Paulo [Evaristo Arns], meu tio, tenha nos ajudado muito no início. A Pastoral faz parte da Igreja Católica. Foi criada pela CNBB, tendo minha mãe como cofundadora. Por ter ficado viúva cedo, com cinco filhos, Zilda sempre se preocupou com o dia em que ela faltaria. Por isso, antes de vir a falecer, já havia reestruturado toda a coordenação da Pastoral. Hoje temos mais dificuldades para conseguir voluntários, em parte porque existe a percepção de que a criança e a gestante já não demandam tanta atenção. Mas há novos desafios. Antes a Pastoral trabalhava para levar informação. Hoje trabalha para levar informação correta, porque nos deparamos o tempo todo com as “fake news” - na pandemia, sobre medicamentos, falsos ou não, naturais ou não, patrocinados ou não. Isso nos dá um bocado de trabalho.
Valor: Templos de portas fechadas atrapalham a Pastoral?
Arns: Em alguns lugares. Hoje existe o entendimento de que manter os templos fechados e suspender ações pastorais, como a catequese, significa colocar em “lockdown” a ação social da igreja. Com o apoio do presidente da CNBB, dom Walmor Oliveira de Azevedo, chegamos à conclusão de que, numa pandemia, assim como não se pode fechar hospitais, também não se pode interromper serviços de caridade e assistência social. Ao contrário, precisam ser reforçados. Impossível cuidar de uma família, com crianças passando fome, a distância. Seguimos as orientações da OMS. Sou da opinião de que as diversas religiões não podem parar tudo.
Valor: Em matéria de atenção básica à saúde, andamos para trás ou para frente?
Arns: Se comparar o momento atual com o que vi em Bacabal, nos anos 1980, antes do SUS, posso dizer: houve tremendo avanço. O SUS mudou a vida dos mais pobres. E mesmo visitando países como Angola, Guiné-Bissau, Guatemala, El Salvador, Venezuela, pela Pastoral, vejo como o SUS é um avanço não percebido pelos brasileiros. Há muito a fazer para reduzir a desigualdade dentro do sistema. Num pré-natal em Curitiba, a gestante pode escolher a maternidade e até conhecer o local virtualmente. Uma gestante em São Luís não tem essa condição. Outro exemplo: o mesmo repasse per capita do SUS, valor-referência praticamente igual em todo o país, rende mais em cidades de melhor nível socioeconômico do que em lugares carentes. Na saúde, devemos lidar com o conceito de equidade, mais do que igualdade: lugares menos estruturados precisam de um volume maior de investimentos. Hoje a remuneração da alta complexidade pelo SUS é satisfatória, no entanto faltam recursos na atenção básica. E, quando se tem governantes que não assumem o social como prioridade ou teimam em achar que a economia de mercado dá conta de tudo, é complicado. Sempre é possível melhorar o sistema pela média, mas reconheçamos que as classes mais abastadas tendem a se apoderar antes dos discursos disponíveis. É o chamado viés do asfalto. Nossa luta é por universalizar o sistema, de fato.
Valor: Qual será o legado desta pandemia?
Arns: Está demonstrado que os pobres aderem mais facilmente à ideia de “lockdown” do que os ricos. Pela falta de seguridade social. Se o pobre ficar doente e vier a morrer, não tem ganha-pão. Já o rico, além da chance maior de sobreviver, pode apoiar a família em momento tão terrível. Boa parte da população pobre do Nordeste vive da pensão de pais e avós. Visitei uma família em Caracol, divisa do Piauí com a Bahia. Na casinha moram 27 pessoas, boa parte crianças. Todos dependem da aposentadoria de um avô. Brinquei com eles dizendo que nunca vi um velhinho tão bem cuidado. Mas me preocupo com as famílias mais humildes que hoje venham a perder o idoso, cuja pensão não passará aos dependentes. Isso impedirá uma vida minimamente razoável não só para os que sobreviverem, como para os que virão.”



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