Pular para o conteúdo principal

Dica da Semana: Coisa Mais Linda, série, Netflix

Uma série para ver e ouvir

Foi por (muita, realmente muita) insistência de Mariana Spezia, Diretora Executiva da LAM Comunicação, que o autor desta resenha assistiu a série Coisa Mais Linda, da Netflix. Deveria ter seguido a dica logo, porque é daquelas que vale maratonar. E, depois, ouvir a trilha sonora seguidamente (no Spotfy em https://spoti.fi/30GYKas), porque ambas, série e trilha, são maravilhosas.
É preciso ouvir a trilha, que começa com The Girl From Ipanema cantada por Amy Winehouse, versão espetacular, porque é de Bossa Nova que estamos falando. A série aborda a ascensão do mais inovador estilo musical brasileiro e trata também do sofrido processo de empoderamento feminino nos anos 1960. Lançada em março do ano passado, foi criada por Giuliano Cedroni e Heather Roth, com colaboração de texto de Léo Moreira, Luna Grimberg e Patricia Corso, sob a produção de Beto Gauss e Francesco Civita, direção de Caíto Ortiz, Hugo Prata e Julia Rezende.
Sim, a história é inspirada, mas aqui não vai nenhum spoiler porque há muito de ficção e romantização em Coisa Mais Linda, no célebre assassinato de Leila Diniz, musa e ativista do nascente movimento feminista no Rio de Janeiro. O Brasil era muito diferente, mas o machismo segue firme até hoje, como o assassinato de Marielle nos relembra, ainda que a questão de gênero não tenha sido o motivo central de sua morte, e sim as questões políticas envolvidas. Mas, sim, foi mais um feminicídio, como o de Leila. Hoje, no entanto, advogado nenhum, nem o mais porta-de-cadeia, sonharia alegar “legítima defesa da honra” para um assassinato de mulher.
A trama, no entanto, começa antes e com outro foco, apenas na segunda temporada Lígia, a personagem inspirada em Leila é assinada pelo marido. Na primeira, o foco é Malu (Maria Casadevall em atuação deslumbrante) se muda para o Rio e descobre que foi roubada e abandonada pelo então marido. Para não contar coisas demais, tudo gira em torno do encontro de Malu com o Rio, por intermédio de Chico (Leandro Lima), um boêmio cantor de Bossa Nova, claro, e Adélia (Pathy Dejesus, também sensacional), negra e moradora da favela que luta contra o racismo e batalha para sustentar a irmã Ivone (Larissa Nunes) e a filha Conceição (Sarah Vitória). Depois de vários percalços, Malu, filha de um influente fazendeiro e quatrocentão paulista, e Adélia abrem um clube de Bossa Nova.
Lígia (Fernanda Vasconcellos) e Thereza (Mel Lisboa), casadas com os irmãos Augusto (Gustavo Vaz) e Nelson (Alexandre Cioletti) vão devagarzinho ganhando espaço na trama, Lígia quer ser cantora, mas seu marido, político tradicional, veta. Thereza, jornalista, trabalha em uma redação típica dos anos 1960, formada só com homens (ironia linda, trata-se de uma revista feminina em que os homens assinam como pseudônimos, todos mulheres, naturalmente).
É na segunda temporada que emerge a trama inspirada em Leila Diniz, com a morte de Lígia, o julgamento de seu inominável marido e as reviravoltas na vida de Malu, Chico, o produtor Roberto (Gustavo Machado),  Adélia e as amigas da protagonista. O Rio, lindo Rio de Janeiro, sempre, é o pano de fundo, a música, razão de ser da série.
Coisa Mais Linda encanta pela soma de todos esses fatores, mas mais ainda pela reflexão que nos deixa sobre um país que poderia ter dado certo. Os anos 1950-60, até o golpe militar de 1964 talvez tenham sido os melhores, sorte de quem viveu. O Brasil crescia, a capital mudava, eram muitos os sonhos, todos eles bons. Logo depois nos deparamos com uma dura realidade, 21 anos de pesadelo. O país da Malu, do Chico, da Lígia, da Adélia era sem dúvida muito atrasado, mas carregava a chama da esperança, da genialidade da Bossa Nova, de um João Gilberto, de um Tom, apesar de toda a brutalidade do racismo e machismo, tinha uma leveza que se perdeu no tempo.  No fundo, dá vontade de voltar no tempo, de estar lá no Rio, em Copacabana ou Ipanema, assistindo todos aqueles gênios criarem, fazerem as coisas incríveis que fizeram. Mais ainda, de estar no clube da Malu ouvindo o Chico, este nome não pode ser à toa. Obrigado, Mari, #valeuadica (por Luiz Antonio Magalhães, em 25/7/2020)



Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

No pior clube

O livro O Crepúsculo da Democracia, da escritora e jornalista norte-americana Anne Applebaum, começa numa festa de Réveillon. O local: Chobielin, na zona rural da Polônia. A data: a virada de 1999 para o ano 2000. O prato principal: ensopado de carne com beterrabas assadas, preparado por Applebaum e sua sogra. A escritora, que já recebeu o maior prêmio do jornalismo nos Estados Unidos, o Pulitzer, é casada com um político polonês, Radosław Sikorski – na época, ele ocupava o cargo de ministro do Interior em seu país. Os convidados: escritores, jornalistas, diplomatas e políticos. Segundo Applebaum, eles se definiam, em sua maioria, como “liberais” – “pró-Europa, pró-estado de direito, pró-mercado” – oscilando entre a centro-direita e a centro-esquerda. Como costuma ocorrer nas festas de Réveillon, todos estavam meio altos e muito otimistas em relação ao futuro. Todos, é claro, eram defensores da democracia – o regime que, no limiar do século XXI, parecia ser o destino inevitável de toda

Abaixo o cancelamento

A internet virou o novo tribunal da inquisição — e isso é péssimo Só se fala na rapper Karol Conká, que saiu do BBB, da Rede Globo, com a maior votação da história do programa. Rejeição de 99,17% não é pouca coisa. A questão de seu comportamento ter sido odioso aos olhos do público não é o principal para mim. Sou o primeiro a reconhecer que errei muitas vezes. Tive atitudes pavorosas com amigos e relacionamentos, das quais me arrependo até hoje. Se alguma das vezes em que derrapei como ser humano tivesse ido parar na internet, o que aconteceria? Talvez tivesse de aprender russo ou mandarim para recomeçar a carreira em paragens distantes. Todos nós já fizemos algo de que não nos orgulhamos, falamos bobagem, brincadeiras de mau gosto etc… Recentemente, o ator Armie Hammer, de Me Chame pelo Seu Nome, sofreu acusações de abuso contra mulheres. Finalmente, através do print de uma conversa, acabou sendo responsabilizado também por canibalismo. Pavoroso. Tudo isso foi parar na internet. Ergue

OCDE e o erro do governo na gestão das expectativas

O assunto do dia nas redes é a tal negativa dos Estados Unidos para a entrada do Brasil na OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Enquanto os oposicionistas aproveitam para tripudiar, os governistas tentam colocar panos quentes na questão, alegando que não houve propriamente um veto à presença do Brasil no clube dos grandes, a Série A das nações. Quem trabalha com comunicação corporativa frequentemente escuta a frase "é preciso gerenciar a expectativa dos clientes". O problema todo é que o governo do presidente Bolsonaro vendeu como grande vitória a entrada com apoio de Trump - que não era líquida e certa - do país na OCDE. Ou seja, gerenciou mal a expectativa do cliente, no caso, a opinião pública brasileira. Não deixa de ser irônico que a Argentina esteja entrando na frente, logo o país vizinho cujo próximo governo provavelmente não será dos mais alinhados a Trump. A questão toda é que o Brasil não "perdeu", como o pobre Fla-Flu que impe