Faz algum tempo, a pandemia, tristemente, tomou contornos de equação matemática. Todos os dias, pessoas se tornam números. Os mercados analisam as cifras, os políticos somam votos e o povo risca mais um dia no calendário da quarentena. Longe do cenário ideal, um número em particular ganhou grande evidência nesta semana. Essa unidade, pelo cargo que ocupa, se diferencia dos milhares de brasileiros porque ganha tempo exclusivo nos principais jornais do Brasil e do mundo, escreve a nova colunista da Folha de S. Paulo em texto publicado no jornal dia 8/7.
Aquele que disse que a Covid-19 era só uma gripezinha. Quem, indagado sobre as mortes de milhares de brasileiros, disse "é o destino de todo mundo". Quem, provocado a mostrar os exames que, segundo ele, deram negativo, negou.
Vivíamos o momento em que a imposição do silêncio deixava órfã a torcida mais engajada. Limitado pelas circunstâncias, faltava um discurso que, sem atrair a atenção do STF, pudesse suprir a carência da arquibancada.
Inadvertidamente, terminei a coluna da semana passada com a seguinte frase: "num jogo de cartas, ganha quem joga com a mão que recebeu, não quem aguarda a mão perfeita". Poderia, hoje, ter começado com ela.
O resultado positivo foi acompanhado de um "estou muito bem". Na narrativa, ele tinha razão, o vírus é um resfriadinho. Depois, a propaganda da cloroquina. Claro, a ciência ainda não sabe, mas ele, sim. É, afinal, o nosso messias. O positivo é positivo para a narrativa: "eu tinha um plano, que o STF, os governadores, os prefeitos, a imprensa, enfim, ninguém me deixou colocar em prática. Se hoje experimentamos os efeitos da crise econômica, culpem os outros e não a mim". Abrir mão do protagonismo, no jogo bolsonarista, significa se eximir da responsabilidade.
Na hipótese em que se vá o jogador, ficam as cartas. Com a derrocada do messias, os que ficarem o erguerão ao posto de santo, trazendo mais força aos seus delírios.
Gabriela Prioli é mestre em direito penal pela USP e professora na pós-graduação da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Aquele que disse que a Covid-19 era só uma gripezinha. Quem, indagado sobre as mortes de milhares de brasileiros, disse "é o destino de todo mundo". Quem, provocado a mostrar os exames que, segundo ele, deram negativo, negou.
Vivíamos o momento em que a imposição do silêncio deixava órfã a torcida mais engajada. Limitado pelas circunstâncias, faltava um discurso que, sem atrair a atenção do STF, pudesse suprir a carência da arquibancada.
Inadvertidamente, terminei a coluna da semana passada com a seguinte frase: "num jogo de cartas, ganha quem joga com a mão que recebeu, não quem aguarda a mão perfeita". Poderia, hoje, ter começado com ela.
O resultado positivo foi acompanhado de um "estou muito bem". Na narrativa, ele tinha razão, o vírus é um resfriadinho. Depois, a propaganda da cloroquina. Claro, a ciência ainda não sabe, mas ele, sim. É, afinal, o nosso messias. O positivo é positivo para a narrativa: "eu tinha um plano, que o STF, os governadores, os prefeitos, a imprensa, enfim, ninguém me deixou colocar em prática. Se hoje experimentamos os efeitos da crise econômica, culpem os outros e não a mim". Abrir mão do protagonismo, no jogo bolsonarista, significa se eximir da responsabilidade.
Na hipótese em que se vá o jogador, ficam as cartas. Com a derrocada do messias, os que ficarem o erguerão ao posto de santo, trazendo mais força aos seus delírios.
Gabriela Prioli é mestre em direito penal pela USP e professora na pós-graduação da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
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