Pular para o conteúdo principal

Azevedo: os porões da Lava Jato se agitam; esqueletos buscam a luz

Ou o lavajatismo dá um golpe de vez nas instituições, com o consequente fim do devido processo legal e do Estado de Direito, ou, então, os valentes terão de responder por sua obra. Ainda dispõem de poder de retaliação e têm guardadas bombas de fragmentação.Vamos ver, escreve Reinaldo Azevedo em sua coluna semanal na Folha, publicada sexta, 24/7. Vale a leitura, continua abaixo.

Estão de parabéns os respectivos presidentes do Senado e do Supremo, Davi Alcolumbre (DEM-AP) e Dias Toffoli, por terem impedido não a busca e apreensão no gabinete do tucano José Serra, mas a invasão do Senado pela polícia. Até a ditadura foi mais contida.
Minha opinião a respeito não é nova: até onde sei, fui o único na imprensa a criticar duramente, em setembro do ano passado, a decisão do ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo, que autorizou a PF a invadir —sim, escolho esse verbo!— os respectivos gabinetes do senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE) e do deputado Fernando Bezerra Coelho Filho (DEM-PE) sob o pretexto de colher provas de desvios de recursos públicos supostamente ocorridos entre 2012 e 2014.
Bezerra Coelho pai é líder de um governo pelo qual chego a sentir repulsa física. E daí? A questão é institucional. Será que o Legislativo pode ficar à mercê das opiniões singulares de 13 mil promotores e procuradores e de 17 mil juízes, ainda que a maioria seja composta de varões e varoas de Plutarco? Basta que 10% não sejam —ou 1%, fatia modesta de mau-caratismo em qualquer grupo, incluindo o das pessoas que amamos— para que o Congresso vire a Geni de justiceiros de meia-tigela e PowerPoint.
O erro primitivo, filho do espírito do tempo do “pega pra capar” que chegou também ao STF, está na alteração cartorial do foro por prerrogativa de função. A maioria do tribunal mudou a regra ao votar mera questão de ordem e decidiu contra a letra explícita da Carta. Cedeu ao alarido de grupos organizados, que, sob o pretexto de combater a impunidade, já chocavam os ovos do neofascismo caipira.
Nos marcos atuais, o que impede um juiz de primeira instância de determinar busca e apreensão no gabinete de um ministro do STF ou do presidente da República? Este, por exemplo, não pode ser responsabilizado por crimes anteriores ao mandato, mas investigado pode. É jurisprudência do tribunal. Já aconteceu com Michel Temer.
“Ó, combate à corrupção! Quantos crimes se cometem em teu nome!” Parodio Manon Roland, personagem da Revolução Francesa a caminho da guilhotina —referia-se, no caso, à liberdade. Deve ser mentira. Prestes a perder a cabeça, acho que o decoro pede menos pompa.
Que dias singulares! Leio que ações recentes contra políticos, com acusação de caixa dois —convertida, claro!, em “lavagem de dinheiro e corrupção passiva”— têm origem na “Lava Jato Eleitoral”. Hein? Que bicho é esse, coleguinhas? Quando foi criado? Iniciativa de quem? Trata-se de uma força-tarefa, de uma grife ou de uma senha para o vale-tudo?
A mais recente peça de propaganda da Lava Jato a circular nas redes sustenta que o compartilhamento com a PGR de dados da operação, corretamente determinado por Toffoli, franquearia a Augusto Aras, procurador-geral, o acesso à investigação de 20.137 pessoas jurídicas e 17.897 pessoas físicas. É mesmo?
Isso quer dizer que a Lava Jato investigou quase 18 mil pessoas e mais de 20 mil empresas? Seria deselegante perguntar se o fez com a devida autorização judicial? Ou tamanho furor investigativo se exerceu informalmente, a exemplo da parceria ilegal da força-tarefa com o FBI?
É preciso pôr fim à farsa publicitária da Lava Jato para que o combate à corrupção seja eficaz e se dê nos marcos da legalidade.
A Segunda Turma do STF tem de decidir em breve se anula ou não a condenação de Lula. Têm pululado na imprensa nestes dias notinhas sobre a candidatura de Sérgio Moro a presidente ou a vice. A simples leitura provoca sentimento de vergonha —em quem tem vergonha.
A luz chegará aos porões da Lava Jato. Resta a cada ministro do STF escolher se associa seu nome ao Estado de Direito ou ao terror policial-judicial que erigiu falsos profetas que nos legaram como herança o abismo da cloroquina moral.
Reinaldo Azevedo é jornalista, autor de “O País dos Petralhas”.



Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Rogério Andrade, o rei do bicho

No dia 23 de novembro do ano passado, o pai de Rodrigo Silva das Neves, cabo da Polícia Militar do Rio de Janeiro, foi ao batalhão da PM de Bangu, na Zona Oeste carioca, fazer um pedido. O homem, um subtenente bombeiro reformado, queria que os policiais do quartel parassem de bater na porta de sua casa à procura do filho — cuja prisão fora decretada na semana anterior, sob a acusação de ser um dos responsáveis pelo assassinato cinematográfico do bicheiro Fernando Iggnácio, executado com tiros de fuzil à luz do dia num heliporto da Barra da Tijuca. Quando soube que estava sendo procurado, o PM fugiu, virou desertor. Como morava numa das maiores favelas da região, a Vila Aliança, o pai de Neves estava preocupado com “ameaças e cobranças” de traficantes que dominam o local por causa da presença frequente de policiais. Antes de sair, no entanto, o bombeiro confidenciou aos agentes do Serviço Reservado do quartel que, “de fato, seu filho trabalhava como segurança do contraventor Rogério And...

Dica da semana: Nine Perfect Strangers, série

Joia no Prime traz drama perturbador que consagra Nicole Kidman  Dizer que o tempo não passou para Nicole Kidman seria tão leviano quanto irresponsável. E isso é bom. No charme (ainda fatal) de seus 54 anos, a australiana mostra que tem muita lenha para queimar e escancara o quanto as décadas de experiência lhe fizeram bem, principalmente para composição de personagens mais complexas e maduras. Nada de gatinhas vulneráveis. Ancorando a nova série Nine Perfect Strangers, disponível na Amazon Prime Video, a eterna suicide blonde de Hollywood – ok, vamos dividir o posto com Sharon Stone – empresta toda sua aura de diva para dar vida à mística Masha, uma espécie de guru dos novos tempos que desenvolveu uma técnica terapêutica polêmica, pouco acessível e para lá de exclusiva. Em um lúdico e misterioso retiro, a “Tranquillum House”, a exotérica propõe uma nova abordagem de tratamento para condições mentais e psicossociais manifestadas de diferentes formas em cada um dos nove estranhos, “...

No pior clube

O livro O Crepúsculo da Democracia, da escritora e jornalista norte-americana Anne Applebaum, começa numa festa de Réveillon. O local: Chobielin, na zona rural da Polônia. A data: a virada de 1999 para o ano 2000. O prato principal: ensopado de carne com beterrabas assadas, preparado por Applebaum e sua sogra. A escritora, que já recebeu o maior prêmio do jornalismo nos Estados Unidos, o Pulitzer, é casada com um político polonês, Radosław Sikorski – na época, ele ocupava o cargo de ministro do Interior em seu país. Os convidados: escritores, jornalistas, diplomatas e políticos. Segundo Applebaum, eles se definiam, em sua maioria, como “liberais” – “pró-Europa, pró-estado de direito, pró-mercado” – oscilando entre a centro-direita e a centro-esquerda. Como costuma ocorrer nas festas de Réveillon, todos estavam meio altos e muito otimistas em relação ao futuro. Todos, é claro, eram defensores da democracia – o regime que, no limiar do século XXI, parecia ser o destino inevitável de toda...