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Roberto Bielawski: ‘Os restaurantes vivem massacre’

Setor de restaurantes vive um “massacre”, mas flexibilização do isolamento é um risco, diz fundador do Viena, Ráscal e Cortés em entrevista a Maria da Paz Trefaut, do Valor. Texto publicado em 17/7, vale a leitura. Continua a seguir.

“Tem certeza de que quer me entrevistar? Eu me aposentei”, diz o empresário Roberto Bielawski ao telefone. Fundador dos restaurantes Viena, Ráscal e Cortés, ele é uma referência nacional como gestor de um dos setores mais afetados pela pandemia. Às vésperas de completar 70 anos e afastado do comando operacional, ainda participa do conselho do grupo e fica ansioso nas reuniões por Zoom, que detesta. “Quando tem muita gente em um encontro remoto, todo mundo fala ao mesmo tempo. Eu quero ser ouvido!”
Bielawski diz que sua rotina de aposentado é bem peculiar. “Estou bastante ocupado. Meu dia é corridíssimo, e não é sempre que consigo tempo para fazer exercícios.” A família Bielawski detém 80% do Grupo Ráscal, que inclui dez lojas do restaurante de mesmo nome e três do Cortés. São operações sediadas principalmente em São Paulo - cada marca tem apenas uma unidade no Shopping Leblon, no Rio. O Viena foi vendido em 2007 para a Advent International, fundo de private equity, quando somava 70 lojas e era líder no mercado brasileiro de restaurantes e cafés.
Este “À Mesa com o Valor” é feito pelo Zoom, e Bielawski faz uma sugestão para a repórter: “Envie seu endereço. Vou fazer um pedido no ‘delivery’ e conversamos almoçando Ráscal. O que você gosta de comer?”. A comida chega na hora marcada. Bielawski veste camiseta azul marinho de mangas curtas e mostra a refeição: ravióli Ráscal com polpettone e molho de tomate fresco. Para sobremesa, cheesecake com calda de morango. “Na minha idade posso tudo. Cheguei à conclusão de que posso comer o que quiser: não tem mais essa história de regime, de alimentação saudável. Claro, sem muitos exageros.”
Bielawski diz acreditar que o setor dos restaurantes vive “um massacre” e sofrerá muito nos próximos 12 meses. O governo pouco ajuda, e a flexibilização é um risco, observa. Para ele, o jeito será abrir em fases, uma unidade por vez. O Ráscal e o Cortés do Shopping Leblon abriram na semana passada com pouco movimento. Em São Paulo, a primeira loja foi a do Shopping Pátio Higienópolis na segunda-feira passada. “Prefiro não reabrir para ter que fechar. Você chama os mil funcionários, tem que treinar todo mundo e depois de duas semanas precisa fechar? Não. O que vamos fazer é abrir uma loja a cada semana, ver o que vai acontecer e se os números de contágio estão diminuindo. Sou meio pessimista, temo uma segunda onda.”
Com lojas fechadas, o “delivery” lançado há um ano passou a representar entre 15% e 20%. “Teria que crescer para uns 30%, 35%, e se somar à reabertura das lojas para reequilibrar a empresa e chegar a 70% das vendas anteriores.” Outro problema são os aluguéis que foram negociados nos primeiros meses da pandemia e agora voltam a ser cobrados com lojas cheias ou vazias.
Para evitar a rejeição de clientes, como ocorreu com outras empresas do ramo, o Ráscal veta integrantes do grupo a falar sobre política. Mas Bielawski define seu espectro ideológico. Considera-se progressista e humanista e acha que o liberalismo econômico está desvirtuado. “Não consigo entender liberalismo sem democracia. É preciso mais respeito ao cidadão e às demandas da sociedade - e os governos não têm.”
No Brasil, a maioria dos restaurantes são pequenas empresas, com oito, dez funcionários. Após seus anos de experiência, Bielawski discorda de uma cultura que bombardeou o meio empresarial nos últimos anos segundo a qual é preciso ser grande. “Há uma valorização exagerada disso. Não sou contra. Mas restaurante não dá para ser grande no Brasil. Eu sabia que não podia ser muito grande nesse negócio, e quando comecei a crescer mais do que achava satisfatório para controlar o ‘business’, quis vender.”
O lucro é importante, mas não é tudo, diz. Para ele, a filosofia de que tudo gira em torno do lucro vai mudar. “Neste momento tão difícil, vejo o quanto as pessoas na nossa empresa são dedicadas. Nossos diretores estão abrindo mão de grande parte da remuneração porque estamos em dificuldades. É um ato de gratidão, de que estamos juntos nessa”, afirma.
O momento atual, para ele, é angustiante. “Vivemos uma crise atrás da outra desde que comecei a trabalhar. Poderia ficar falando aqui de todas as que vivi, e do quanto difícil foi. Mas agora temos incerteza na economia e na saúde.”
O isolamento é outro problema. Acha ótimo o Zoom e outras ferramentas para conversas a distância, mas diz que não aguenta ficar isolado. “Sou muito latino, gosto de contato físico.” Para garantir alguma proximidade durante a quarentena, ele e a mulher decidiram manter contato com os filhos, os cinco netos, alguns amigos e parentes selecionados.
Um de seus prazeres é começar o dia com café e baguete quente com uma boa manteiga. “Tem coisa melhor? Para mim, a da Deli Garage é a melhor de São Paulo. Eu compro, corto e congelo.” Adquiriu o hábito nos Estados Unidos, em Jackson Hole, no Estado de Wyoming, para onde viaja todos os anos com a mulher, Liane, sua parceira nos negócios, com quem está há 46 anos e tem três filhos: Luisa, diretora de marketing do grupo; Lucas, que trabalha no mercado financeiro; e Ivan, chef e dono do restaurante paulistano Tuju, com duas estrelas Michelin.
Antigamente, seu café da manhã se resumia a uma fruta e um suco. Ele ri. “Esse negócio de ficar velho é difícil. Tenho um monte de problemas de saúde. Entre eles o colesterol alto.” Some-se a isso dois cânceres que tratou recentemente - um linfoma não Hodgkin e um melanoma modular. Mas ele não considera que a doença mudou sua vida. Faz parte de uma geração que “tostava ao sol, passava óleo e descascava”. “Sempre adorei praia, mas hoje entro no mar, fico cinco minutos e vou embora. Adoro esquiar também - e não abro mão.”
Atualmente, sua lista de ocupações inclui a participação em uma entidade social em Paraisópolis que cuida de crianças carentes e visa melhorar a qualidade da educação. Faz parte do conselho de administração da Pinacoteca de São Paulo, trabalho que faz com prazer, “já que no Brasil a cultura sempre é desprezada e é algo que temos que cuidar muito”.
Em sua agenda há um tempo dedicado ao Centro de Debate de Políticas Públicas (CDPP), onde não tem qualquer função. “É muito interessante, você encontra todos os economistas importantes do Brasil, empresários da área financeira, e ali acontece uma reflexão sobre como melhorar o Brasil. Nesta época de pandemia estamos muito ativos, com mil seminários.”
Depois da venda do Viena, passou a se dedicar aos seus investimentos. Mergulhou para aprender e se considera bom. “Gosto de olhar no olho das pessoas com quem faço negócios. Às vezes tem gente super-recomendada que vem falar comigo, e eu não faço negócio porque não gostei do jeito. É muito especial.” Para ele, é necessário ter empatia. “No mercado financeiro há gente boa, mas como tem capital sobrando sempre tem alguém com projetos mirabolantes. Eu trabalhei muito, suei para ganhar o que tenho. Então, olho para meu capital com muito respeito.”
Seguindo a receita de diversificar investimentos, diz ter descoberto que é mais fácil ganhar dinheiro apostando nos negócios de outros do que no próprio. “Ganhar dinheiro com restaurante é muito duro. Conheço pouquíssimos casos de sucesso no Brasil, de pessoas que a partir de um negocinho conseguiram criar empresas.”
A palavra “empresário” não frequentava a cabeça do economista formado pela USP que, em 1975, abriu o primeiro quiosque do Viena, no Conjunto Nacional, em São Paulo. O sonho era ter um emprego universitário ou público - isso, sim, era futuro. “Nunca cogitei ser empresário ou trabalhar no mercado financeiro. Para mim, era caixa de banco, eu não sabia o que era. Não tive uma formação empresarial. Eu queria ganhar dinheiro para fazer um doutoramento no exterior. A vida me levou a ser empresário.”
Seu avô por convivência, e não de sangue, José Tjurs, de origem russa naturalizado argentino, chegou a ser o maior hoteleiro do Brasil nos anos 1960 e 1970. Foi quem construiu o Hotel Nacional de Brasília, inaugurado em 1961 com a capital federal. Bielawski tinha dez anos e guarda uma imagem insólita do presidente Juscelino Kubitschek (1902-1976) no quarto, com o “avô”, se preparando para a grande festa. “Lembro de Juscelino no quarto, de cuecas.”
Tjurs teve hotéis em São Paulo, Rio e Belo Horizonte. Bielawski passava férias no Excelsior Copacabana e se divertia brincando de ascensorista e como cumim, levando o café da manhã ao quarto dos hóspedes. O “avô” fez também o primeiro shopping do Brasil, em Brasília, e o Conjunto Nacional, em São Paulo, marco da transferência do velho centro para a avenida Paulista. No início dos anos 1960 a família se mudou para o Conjunto Nacional, onde a mãe de Bielawski, Rosa Sara, morou até os anos 2000. Antes de abrir o primeiro Viena ali, conhecia bem o lugar, onde havia jogado futebol nos corredores e tinha o hábito de comer coxinha no Fasano.
Após a morte de Tjurs, a empresa entrou em colapso e seu império hoteleiro desapareceu. Para Bielawski foi um aprendizado. “Não adianta você construir uma grande empresa familiar. Ela não sobrevive se não tiver sucessão. O desafio de qualquer família é buscar um sucessor competente que seja um líder e possa administrar os conflitos familiares.”
Por isso, aos 60 anos, começou a pensar no processo de sucessão. Deixou o comando em dezembro de 2018 ao mesmo tempo que seu sócio Angel Testa. Quem assumiu como CEO foi Rodrigo Testa, escolhido por Bielawski, que o levou da Latam. Recém-formado em engenharia, aos 26 anos, juntou-se ao grupo em 2014 e assumiu a coordenação do Cortés, restaurante especializado em carnes, que tinha acabado de ser inaugurado.
“Fiquei de olho nesse menino, recém-formado, muito organizado, que tinha características muito parecidas com as do pai. Quando sugeri ao Angel trazer o Rodrigo e fazer uma tentativa com ele, ficou surpreso”, diz. “Houve uma discussão na família no sentido de que ele era muito jovem, e eu banquei. Como se saiu muito bem, achei que estava na hora da gente parar e deixar os jovens assumirem a empresa.”
Bielawski sempre acreditou que, nas empresas médias, que precisam o tempo todo da pessoa presente, alguém com mais de 60 anos no comando pode ser um problema. “Existe uma idade em que você começa a decair nas suas funções.” Ele conta não ter mais o mesmo pique. “Eu era uma pessoa energética, podia fazer dez coisas ao mesmo tempo. Hoje quero mergulhar com mais profundidade em tudo, dar mais tempo para mim mesmo, entender que tenho o privilégio de viver uma fase nova na vida, na qual não sou mais quem está no comando.”
Para ele, a obrigatoriedade de seguir carreira passo a passo é um paradigma que foi quebrado. Quando jovem, Bielawski era de esquerda. Em 1968, quando se espalhava pelo mundo a agitação de maio, estudava no Rio Branco e participava de grupos de estudo no cursinho, enquanto fazia o terceiro colegial.
“Criamos o Muve - Movimento de União dos Vestibulandos. Éramos combativos, contra a ditadura.” No ano seguinte, já estava na Faculdade de Economia da USP quando esse grupo foi procurado pela organização VAR-Palmares - Vanguarda Armada Revolucionária - para formar um núcleo de estudos de teoria marxista. A ex-presidente Dilma Rousseff, com quem teve um contato muito distante, participava da organização. “Nunca fui militante de uma organização de esquerda, discutia teoria.”
Ele trabalhava de dia no departamento de economia das Páginas Amarelas, empresa pública, e estudava à noite. No início dos anos 1970, a organização clandestina foi atingida pela repressão, e seu grupo foi chamado para ajudar na estrutura. “Achei aquilo esquisito e percebi que ia dar uma encrenca danada. Em julho de 1970, depois da festa da Copa do Mundo, ao ver o Brasil entusiasmado, pensei que entrar a fundo na organização não fazia o menor sentido.”
Quando seu chefe imediato foi preso, concluiu que todos seriam presos. Dois dias depois foi para o aeroporto, pegou um avião para a Argentina e embarcou para a França, onde tinha primos exilados. O ambiente sonhador e revolucionário de Paris não o empolgou, e seguiu para Londres decidido a estudar inglês, sem conhecer “viva alma”. Acabou amigo do acadêmico e poeta Antonio Cicero, frequentador da casa de Caetano Veloso, e conheceu pessoas ligadas à cultura brasileira, de músicos a cineastas. Chegou a trabalhar como assistente do fotógrafo Sebastião Salgado, que o demitiu por nunca chegar no horário.
Morava em Notting Hill, bairro boêmio da época, numa época em que Londres recebia gente do mundo todo. Era fim da Guerra do Vietnã, havia um movimento hippie muito forte que se juntava com a esquerda, com os foragidos da ditadura do Brasil, da Argentina, do Chile. “Acabei circulando muito nesse meio artístico, mas sempre fui um outsider.”
Na volta, como monitor da Faculdade de Economia, conviveu com Aloizio Mercadante, Lídia Goldenstein e Pérsio Arida - os dois últimos, amigos até hoje. “O Pérsio era, de longe, o mais brilhante. É uma das pessoas mais inteligentes que conheci na vida. E olha que conheci muitas pessoas inteligentes. Sempre fiquei em volta de gente muito inteligente, e isso é bom porque você aprende muito.”
Bielawski compara-se com o colega: “Quando leio uma coisa, na hora entendo metade, retenho 20% e depois de dois dias já não lembro mais nada ou, no máximo, 5%. Ele, quando lê, entende 100%, retém 90% e, depois de dois anos, lembra de 80%”.
Sua vida como empresário foi sofrida no início. Pegou no tranco, mas acabou por gostar muito do que fazia. “Saí da faculdade pensando em fazer uma carreira acadêmica e me vi envolvido com um negócio do qual não entendia absolutamente nada.” Diz que foram cerca de sete anos muito difíceis, numa curva de aprendizado lenta. “Controlar funcionários não é uma coisa simples. Não havia sistemas, nem computador, tudo era feito na mão.” Conta que trabalhou de lavador de pratos, no caixa, no fogão, fazia sanduíches. “Chegava em casa exausto. Já tinha dois filhos e demorei para engrenar.”
Para abrir o Viena, montou sociedade, depois desfeita, com o pais, que lhe deram aporte financeiro. Inspirou-se em dois lugares: o Massadoro, balcão de comida italiana que vendia antepastos e sanduíches, e o Ponto Chic, famoso por seu bauru. Já no Ráscal, casa de sotaque italiano com bufê e serviço à la carte aberta em 1994, fez o que gostava. Um lugar com comida fresca, ingredientes de qualidade e atendimento rápido. “Sempre detestei esperar 50 minutos no restaurante e ficar me enchendo de pão.”
Se os primeiros anos foram difíceis, depois seus negócios decolaram. Atribui o sucesso à persistência. Alguns fatores ajudaram, como a percepção de que lojas de café eram um grande negócio. Ao ver uma loja promocional do Café do Ponto no Shopping Ibirapuera, anteviu ali um futuro. Começou com os cafés em 1978 e foi precursor no Brasil. Eram lojas pequenas, de um único produto. Algumas nem vendiam pão de queijo ou salgadinhos. “Era um só produto, a máquina fazia tudo. Uma maravilha.”
Outro de seus acertos foi se dar conta de que os shoppings eram o lugar para investir. Abriu a primeira filial do Viena no Shopping Ibirapuera, o segundo de São Paulo. “Naquela época não existia área de alimentação. Eram restaurantes - áreas grandes, com aluguel alto. Muito pouca gente queria ir para lá e tive pouquíssima concorrência no começo.”
O percentual de alimentação nos shoppings chegava, no máximo, a 5% até os anos 1990. Hoje é cerca de 24%. “Fui ajustando um conceito, e como a competição era pequena, as margens eram muito boas e começamos a ir muito bem. Isso durou até os anos 90. Durante dez anos a gente reinou no mercado de restaurante em shoppings.”
Com a pandemia, a situação é diferente. “Ser um pequeno ou médio empresário tem muito valor, a maior parte das empresas do mundo não são grandes conglomerados”, diz Bielawski. “É preciso olhar os objetivos, mas também as pessoas e os danos que causamos ao meio ambiente. Espero que as pessoas que queiram empreender no Brasil tenham, no futuro, um ambiente melhor do que eu tive”.



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