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Covid-19: onde foi que nos perdemos?

O Brasil está no caminho de se tornar um dos piores casos de contágio e mortalidade pelo coronavírus. Não precisava ser assim, escreve Alberto Carlos Almeida na edição desta semana da revista Veja. Vale a leitura, íntegra abaixo.

Todo governo tem que enfrentar crises. Durante os governos de Fernando Henrique ocorreram vários escândalos de corrupção tais como o da compra de votos para aprovar a emenda da reeleição e o da CPI das empreiteiras, e inúmeras crises políticas e econômicas, como foram os casos do racionamento de energia elétrica, as disputas entre os senadores Jáder Barbalho e Antônio Carlos Magalhães e as crises financeiras da Ásia e da Rússia.
Nos oito anos de Lula ocorreram, dentre inúmeras crises, o escândalo do Mensalão, a queda de dois de seus mais importantes ministros, José Dirceu e Antônio Palocci, o caso que ficou conhecido como o do Dossiê dos Aloprados e a mega crise financeira de 2008. Dilma enfrentou os protestos de 2013 e a crise econômica que resultou em um rápido crescimento do desemprego no início de seu segundo mandato. Todos conhecemos como seu governo foi encerrado, justamente resultado da combinação de crise política com crise econômica.
Presidentes da república precisam ser capazes de ter sua própria leitura e avaliação das crises. Em geral, mas nem sempre, não são pessoas isoladas. Podem contar com o apoio de figuras políticas de sua confiança, gente de seu partido ou pessoas que conviveram com ele ou ela por um longo período. Ouvi-los é fundamental para formar sua opinião acerca das crises e decidir sobre o que fazer. Fernando Henrique tinha em José Serra, Pedro Malan, Sérgio Mota e Paulo Renato essas figuras. Lula tinha com ele José Dirceu, Palocci, Luiz Gushiken e Jacques Wagner que lhe traziam visões e avaliações variadas do que fazer diante de problemas políticos e econômicos. Para ambos os presidentes é possível multiplicar por 10 o número de colaboradores deste nível. Bolsonaro tem os filhos.
Sim, foi esse o presidente que o Brasil elegeu. Foi essa a pessoa que o nosso sistema político permitiu que fosse candidato, concedeu a ele recursos financeiros para fazer campanha e tempo de rádio e TV. Agora ele está diante de uma crise, e toda crise é sempre diferente das anteriores, e não tem grupo político algum, tem sim um grupo familiar do qual ele é o líder. Bolsonaro não está disposto a ouvir ninguém, tampouco tem ao seu lado pessoas experientes na política dispostas a questioná-lo e indicar os caminhos mais razoáveis em uma situação de crise.
O Brasil se perdeu quando permitiu que uma pessoa desqualificada politicamente fosse candidata. Que sirva de lição.


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