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Época: os novos bolsonaristas forjados pelos 600 reais

Reportagem sensacional, vale a leitura, longa, mas fundamental.

A agricultora piauiense Maria da Paz Silva Maia, de 31 anos, acorda todos os dias às 4 da manhã. Na aurora, ela acende um fogão à lenha e põe sobre ele uma panela com água potável para fazer café coado. Ainda em jejum, abre uma saca de milho e despeja três punhados do grão para meia dúzia de galinhas que ela cria soltas no quintal sem cerca. Na sequência, prepara cuscuz para a primeira refeição do dia. Tanto o café moído quanto a farinha usada no cuscuz e até mesmo os grãos distribuídos para as aves foram comprados por Maria da Paz com o auxílio emergencial, benefício de R$ 600 destinado aos trabalhadores informais, autônomos e desempregados em função da pandemia de coronavírus. Ivanildo Correa, de 35 anos, tem uma roça de 5 hectares nos cafundós do Piauí. Planta arroz, feijão, mandioca e milho. Na semana passada, percorreu mais de 100 quilômetros desde sua casa e foi ao centro do município de São Raimundo Nonato, a 525 quilômetros de Teresina, comprar farelo para alimentar porcos, uma peneira agrícola de classificar grãos e uma bicicleta para a filha de 12 anos. Ele também usou o dinheiro enviado pelo governo federal para bancar essas despesas. Assim como Maria da Paz e Ivanildo, a trabalhadora rural Izamaura Matias, de 26 anos, foi às compras graças ao programa. Botou na sacola do mercado farinha de mandioca, leite em pó, trigo, sal e fermento para fazer pão francês. Aproveitou e levou um par de sandálias Havaianas, pois as que usava estavam com as tiras amarradas com arame.
Além da súbita bonança trazida pelo auxílio, os três têm em comum o fato de morarem em Guaribas, a 660 quilômetros da capital piauiense, considerado no passado o município mais pobre do país. Em 2000, mais da metade da população local era analfabeta (58,2%), o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) era de 0,214, menos da metade da média nacional e um dos mais baixos do Brasil. Por causa desses indicadores sociais indigentes, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) escolheu a pequena localidade como projeto-piloto do Fome Zero, programa fracassado que seria remodelado no Bolsa Família, em 2003. Das 4.400 pessoas que moram no município, apenas 265 não recebem hoje o benefício.
O dinheiro ininterrupto ao longo dessas quase duas décadas ajudou a criar uma forte base de apoio ao PT na acanhada Guaribas, o que se refletiu em votações consagradoras por ali na reeleição de Lula em 2006 e nas duas vitórias de Dilma Rousseff, em 2010 e 2014. Na última eleição presidencial, Fernando Haddad herdou esse espólio e colheu 97,99% dos votos na cidade, enquanto Jair Bolsonaro teve míseros 2,01%. Outros municípios dessa região do sudoeste do Piauí também entregaram bons resultados para Haddad em 2018. Entre as dez cidades de todo o país onde o petista teve seu melhor desempenho no segundo turno, outras seis estão por ali: Capitão Gervásio Oliveira (95,9%), Bonfim do Piauí (94,7%), Fartura do Piauí (94,7%), São Braz do Piauí (94,4%), Bela Vista do Piauí (94,3%) e Coronel José Dias (94%).
Esse cinturão próximo às divisas com Bahia e Pernambuco, que por mais de uma década foi irrigado pelo dinheiro do Bolsa Família, agora está sendo inundado pelo auxílio emergencial distribuído pelo governo de Jair Bolsonaro. Em todos esses municípios onde o petismo reinou nas últimas eleições, ao menos 40% da população recebe a verba extra. Dados oficiais mostram que o valor médio pago nesse trecho isolado das bordas do sertão gira em torno de R$ 700, mais de três vezes o benefício médio do Bolsa Família, de R$ 200.

O efeito dessa gastança numa terra seca onde sempre faltou quase tudo já aflora por ali. ÉPOCA esteve por quatro dias na região para captar os impactos do auxílio emergencial na vida dos trabalhadores rurais e também em sua visão sobre o governo e os políticos. “Quando morava com minha mãe, a casa era cheia de cartazes do Lula. Meus pais idolatravam ele. Repetia na hora da refeição que só tinha comida na mesa por causa do Lula. Cresci ouvindo isso. Votei na Dilma porque o PT tirou minha família da miséria. No Haddad, por obediência a meus pais. Mas agora mudei meu voto porque o Bolsonaro foi mais generoso, provou ser mais mão aberta na crise do vírus”, explicou Maria da Paz, a agricultora do início desta reportagem. Ela faz questão de destacar que discorda de muito do que o presidente fala. “Às vezes acho ele meio louco, quando diz que a Covid é uma gripezinha. Isso eu não concordo”, criticou a agricultora analfabeta. Maria da Paz mora num barraco com o filho de 7 anos e o marido, Gerson Alves da Silva, de 30. O casebre de barro não tem janelas nem banheiro e foi construído em três meses com a ajuda dos vizinhos num terreno doado pela mãe dela. Apesar de haver dois quartos na casa, o filho ainda dorme com os pais, numa cama ao lado. A água nas redondezas é tão escassa que ela só toma um banho a cada dois dias, apesar de ir para roça de segunda a sexta-feira. “Se o Bolsonaro me der mais auxílio, vou construir um banheiro, comprar um guarda-roupa e uma televisão nova”, planeja. Na casa há um aparelho de 14 polegadas com defeito, ligado a uma antena parabólica quebrada. Não há cômodas, gaveteiros ou armário. As roupas da família ficam guardadas em sacos de milho. Ela só tem duas panelas e nenhum prato na cozinha externa. Faz as refeições em latas de goiabada. “Vocês podem entrar na minha casa e olhar tudo, mas não gostaria que fotografassem porque tenho vergonha de morar num lugar tão miserável”, pediu.
Ivanildo, o que viajou para comprar o farelo dos animais, trabalha plantando capim numa área de 12 hectares. O mato é vendido para alimentar cabritos. Por mês, chega a ganhar R$ 300. Para complementar a renda, planta mandioca e milho e recebe mais R$ 100 vendendo para uma pequena feira. Com esse dinheiro, sustenta a família com mulher e três filhos. Sua casa no vilarejo de Brejão, dentro do município de Guaribas, é toda de alvenaria e tem três quartos. No ano passado conseguiu comprar uma moto, veículo essencial que substituiu os jegues em deslocamentos no interior. Votou em Haddad na eleição passada porque “seria uma traição” um morador de Guaribas negar voto ao PT. Segundo conta, “era como virar as costas” para tudo que foi feito por lá graças ao Bolsa Família. “Meus avôs passavam fome e sede. Meus irmãos choravam porque não tinha comida em casa. Quando meu avô morreu, fui mexer nas coisas dele e vi uma foto feita por uma revista em que ele está todo magrelo, sem camisa e cheio de moscas. Aquela foto doeu muito. Minha mãe disse que foi o Lula que deu comida para ele”, relatou. E completou: “Mas o Lula perdeu rumo, se meteu em coisa errada e foi parar na cadeia. Minha família ficou decepcionada. Demos uma chance para o Haddad, mas agora simpatizei com o capitão. Bolsonaro é honesto até que se prove o contrário. Estou fechado com ele em 2022”, disparou Ivanildo, que apontou o pulso firme e a veia militar como as maiores vantagens do presidente.
As ponderações de Ivanildo e Maria da Paz são a tradução em carne e osso de pesquisas nacionais de opinião que registram uma melhora na popularidade de Bolsonaro tanto entre os brasileiros mais pobres como entre os moradores do Nordeste, na esteira do auxílio emergencial. Segundo dados do Datafolha, o índice de aprovação do governo (aqueles que o consideram ótimo ou bom) subiu de 22% para 29% desde dezembro na população com renda mensal de até dois salários mínimos. Quando o foco são os nordestinos, a alta foi de 20% para 27% nos últimos seis meses.
O avanço do bolsonarismo num eleitorado antes cativo do PT ocorre no mesmo movimento em que o presidente perde apoio entre quem o levou ao poder. A aprovação na camada que ganha mais de R$ 10 mil por mês despencou de 44% para 34%, ultrapassada pela rejeição, que disparou de 28% para 52%. “O governo perdeu as camadas médias urbanas, elas começaram a desembarcar. O que faz um político quando perde sua base eleitoral? Procura outra. Na política de transferência de renda, ele vai em busca da base mais sujeita a ser manipulada por ações e promessas pequenas. As pesquisas trazem essa tendência, os setores humildes começam a mudar de posição”, disse o cientista político Henrique Carlos de Castro, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
O Bolsa Família acabou com a miséria extrema, mas a pobreza e a escassez ainda são a moldura permanente da paisagem. No vilarejo de Guaribas, a maior parte dos moradores ainda faz apenas uma refeição por dia, sofre com a falta de água e vive sem saneamento básico. O esgoto do sanitário escorre pela lateral e segue pela frente das casas, a céu aberto, até a rua. O odor misturado ao calor embrulha o estômago. Nenhuma das casas visitadas pela reportagem tinha água na torneira. “Aqui só tem quando chove. Como nunca chove...”, explicou Ivanildo. A população acaba se abastecendo em poços artesianos a 5 quilômetros de casa. É comum ver pessoas com latas na cabeça.
O prefeito da cidade, Claudinei Maia, do PP, partido que durante mais de uma década abrigou o então deputado do baixo clero Jair Bolsonaro, diz que a posição geográfica, isolada de tudo, agravou os problemas de Guaribas, que ficou congelada no tempo. “Estamos esquecidos. Desde que o PT saiu da Presidência, a situação piorou. Depois da distribuição em massa das parcelas do auxílio emergencial, a população passou a simpatizar com o Bolsonaro, parece que vão votar nele em 2022”, previu.
Perto da BR-235, que cruza o sertão do Sergipe até o Pará, mora Domingas Alves Correa, de 22 anos. Beneficiária do Bolsa Família — recebe R$ 120 mensais —, votou em Haddad em 2018, quando pisou numa seção eleitoral pela primeira vez. “Minha mãe votou no Lula, na Dilma e acabei votando no Haddad porque era costume. Nem pensei em outra pessoa”, justificou. Agora que ganhou numa única parcela do auxílio emergencial o equivalente a dez pagamentos mensais do Bolsa Família, a lealdade ficou abalada. “O dinheiro é bem maior. O presidente disse na TV que vai ter mais duas parcelas. Como sou mãe solteira, recebi pagamentos de R$ 1.200 e vou receber de novo”, comemorou. Com o dinheiro, ela comprou comida para o filho de 4 anos e uma cama nova para a mãe, Antônia Alves Rocha, de 60 anos. A aposentada, por seu lado, não se emociona com o recente benefício. “Eu não me vendo por dinheiro. Amo o Lula até morrer. Foi ele quem trouxe vida a este lugar”, disse, erguendo os braços em direção à Serra das Confusões, vista da porta de sua casa.
A fidelidade de Antônia reflete bem o fenômeno do crescimento da popularidade de Lula no Nordeste entre 2002, sua primeira vitória presidencial, e 2006, a reeleição. Parece difícil de acreditar aos olhos de hoje, mas a região onde o petista teve seu melhor desempenho naquela primeira vitória não foi o Nordeste, mas sim o Sudeste, impulsionado pelas classes médias urbanas. Naquela eleição, a lista dos cinco estados onde Lula teve maior diferença sobre José Serra (PSDB) no segundo turno incluía apenas um no Nordeste, o Ceará (71,7%). Em quatro anos, o petista ampliou seu percentual de 61,5% no Nordeste para 77,1%. Em 2006, contra Geraldo Alckmin (PSDB), o top 5 já estampava quatro estados nordestinos: Maranhão (84,6%), Ceará (82,3%), Pernambuco (78,4%) e Bahia (78%). Em Guaribas, o percentual de Lula no segundo turno saltou de 26,9% em 2002 para 93,7% em 2006. Foi assim por toda a região.
O dinheiro do auxílio emergencial, em média três vezes maior que o valor do Bolsa Família, provocou um boom comercial na região. Foto: Edilson Dantas / Agência O Globo
O dinheiro do auxílio emergencial, em média três vezes maior que o valor do Bolsa Família, provocou um boom comercial na região. Foto: Edilson Dantas / Agência O Globo
Quinze anos depois, em um espelho de espectro ideológico invertido, a “Bolsa do capitão”, como o auxílio emergencial tem sido chamado na região, movimenta o comércio. Os trabalhadores dos municípios de São Braz do Piauí, Capitão Gervásio Oliveira e Bonfim do Piauí costumam subir na caçamba de caminhonetes e partir para a cidade de São Raimundo Nonato em busca de melhores ofertas de produtos. Na segunda-feira 6, primeiro dia de reabertura das lojas após o fim da quarentena imposta pela pandemia, as ruas do centro ficaram apinhadas. Havia filas nas lojas de materiais agrícolas e de alimentos para animais do campo.
Cícero Pantoja, de 37 anos, saiu às 6 horas da manhã de São Braz do Piauí, a 360 quilômetros de Teresina, dirigindo uma caminhonete Chevrolet D-20 amarela, ano 1986, com seis agricultores de famílias diferentes na caçamba. Cada um pagou R$ 20 pela viagem. Com o dinheiro do auxílio, eles seguiram até São Raimundo Nonato para comprar de tudo. Na volta, a carroceria levava sacas de milho, uma bicicleta, instrumentos agrícolas e produtos veterinários. O trabalhador rural Josivaldo Souza, de 28 anos, adquiriu 100 quilos de milho para alimentar cerca de 50 galinhas. Ele se classifica no rol de ex-eleitores do PT que mudaram de lado. “Cansei do Lula”, resumiu.
A correlação entre políticas sociais e interesses eleitorais tem uma longa tradição no Brasil, como revela uma interessante pesquisa que se aprofundou sobre esse tema. Em nada menos do que oito eleições das últimas quatro décadas, a pobreza caiu uma média de 13% antes do pleito, para subir 15% no ano seguinte. “Esse ciclo eleitoral existe pelo menos desde 1976, quando tivemos a distensão política. Antigamente funcionava com distribuição de cesta básica, hoje são os programas de transferência de renda. É que nem relógio: entregam-se as boas notícias antes da eleição e as más depois. Trata-se de uma política populista, ludibria a população”, afirmou o economista Marcelo Neri, professor da Escola Brasileira de Economia e Finanças e diretor do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas (FGV), um dos responsáveis pelo estudo. “Acontece em todos os países, mas no Brasil é mais explícito. Chega a ser visível a olho nu nas tabelas, nem precisa de tratamento estatístico nos dados. Como diz aquela piada, eleição é ótimo, deveria ter todo ano.”
Ainda que Bolsonaro tente cruzar as mesmas veredas que Lula já percorreu duas décadas atrás, seu caminho deve ser mais árido que o do petista. Um estudo recente tenta comparar a importância do Bolsa Família na reeleição de Lula em 2006 com a possibilidade de o auxílio emergencial repetir o feito com Bolsonaro em 2022. Para tentar isolar esse componente dos demais que influenciam a preferência do eleitor, a pesquisa utilizou um mecanismo chamado de pareamento. Em suma, compara-se o comportamento de um grupo de indivíduos que recebe o dinheiro do governo a outro formado por quem não é beneficiário, mas possui características socioeconômicas semelhantes, como sexo, idade, educação, renda, região e religião. Com base em uma pesquisa do Vox Populi feita poucas semanas antes da eleição de 2006, o estudo de amplitude nacional identificou que a aprovação ao governo de Lula era de 55,6% entre os não inscritos no Bolsa Família, mas com atributos similares aos dos beneficiários. Já no nicho de quem efetivamente recebia o dinheiro, esse índice de satisfação saltava para 76,5%, um aumento de 21 pontos percentuais. A variação também aparecia entre aqueles que rejeitavam a gestão do PT, mas em escala bem menor: de 5% para beneficiários a 11,4% para os não inscritos no programa.
O estudo repetiu a experiência com dados de uma pesquisa de popularidade de Bolsonaro realizada em junho pela consultoria Quaest. No caso da aprovação, há pouca diferença entre os dois grupos. Cerca de 19,3% dos não inscritos no auxílio emergencial avaliam o atual como governo como ótimo/bom, enquanto esse número cresce ligeiramente, para 21,8%, entre os beneficiários da iniciativa. A situação muda de figura quando analisada a reprovação de Bolsonaro. Enquanto a rejeição é de 46,5% entre os listados no auxílio, a taxa sobe para 54,6% entre aqueles que não recebem dinheiro do governo, um crescimento de 8,1 pontos percentuais. “A conclusão é que Lula se favoreceu do Bolsa Família em sua aprovação. Já era alta e passou a ser maior ainda. No caso do Bolsonaro, é o oposto, o auxílio ajudou em sua rejeição. É grande, mas não ficou tão ruim. Sair do péssimo para o ruim representa uma melhora, mas é difícil acreditar que uma avaliação ruim possa lhe render muitos votos em 2022”, explicou o cientista político Cesar Zucco, professor da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da FGV, um dos autores do trabalho. “Certamente um programa de transferência de renda é um motor para uma avaliação positiva de um candidato. Mas, pelos cálculos, é capaz de decidir apenas eleições apertadas, em que os candidatos estejam com percentuais muito próximos”, completou.
Há outros desafios no caminho de Bolsonaro na tentativa de se cacifar politicamente em cima do dinheiro da pandemia. Apesar de ambos serem programas de transferência direta de renda, existem diferenças cruciais entre o Bolsa Família e o auxílio emergencial. As duas primeiras contam a favor do presidente. A mais óbvia é o valor médio do benefício. Enquanto no primeiro caso é de R$ 190, no segundo gira em torno de R$ 840. A outra é a cobertura: o Bolsa Família atende em média 14 milhões de famílias, cerca de 50 milhões de pessoas. Já os 64 milhões de auxílios de hoje representam cerca de 35 milhões de famílias, em um impacto que pode superar os 100 milhões de pessoas, segundo especialistas.
Por outro lado, o Bolsa Família é uma renda constante e segura, enquanto o dinheiro da pandemia, mesmo tendo sido prorrogado por dois meses, não deverá chegar nem mesmo até o final deste ano, ao menos não nos valores atuais. O salto de popularidade entre esses neobolsonaristas poderá ter fôlego curto. “A eleição de 2022 ainda está muito longe, e o risco de crise econômica e social é grande. O auxílio emergencial tem hora para acabar, e virá um momento complicado na sequência. O que vai ficar na memória é o dinheiro de agora ou a crise de depois?”, disse o economista Fábio Waltenberg, professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) e pesquisador do Centro de Estudos sobre Desigualdade e Desenvolvimento.
Essa incerteza em relação ao futuro surge nas conversas do sertão piauiense. A aprovação à “Bolsa do capitão” do presente pode se transformar na frustração com o fim da ajuda no futuro, assim como o encantamento com o Bolsa Família do petismo cedeu, ao menos momentaneamente, às benesses do auxílio emergencial. E, mesmo assim, nem sempre o raciocínio é tão linear quanto se supõe. Maria Nádia de Souza, de 42 anos, trabalha numa roça na localidade de Barra do Bonito, a 36 quilômetros do que seria o “centro” de Capitão Gervásio Oliveira. Na sexta-feira 3, ela sentiu febre e dor de cabeça. Toda a comunidade ficou em alerta, com a suspeita de coronavírus. Ela subiu em uma caminhonete com outras quatro pessoas e seguiu para um posto médico. Maria trabalha colhendo feijão e recebeu as parcelas mais gordas do auxílio emergencial por ser mãe solteira. Já votou em Dilma e Haddad (nunca em Lula), garante que não vota mais no PT, mas também não se inclina a Bolsonaro. “Não gosto dele. Mas não acho que seja ladrão. Só que 2022 está muito longe para decidir. Vamos ver o que vai acontecer daqui em diante”, ressaltou. Na terça-feira, Maria fez teste para Covid-19 em São Raimundo Nonato e o resultado deu negativo. No mesmo dia reassumiu suas funções na plantação de feijão.



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