O estudante João Victor Nogueira, de 20 anos, cursa o segundo ano de engenharia de produção no Mackenzie, em São Paulo. Almejando uma carreira no mercado financeiro, ele chegou a fazer estágio em uma empresa de gestão tributária, mas não gostava muito do que fazia e acabou abandonando a vaga. No início de março, festejou quando conseguiu uma oportunidade mais alinhada às suas expectativas, em uma consultoria. Apesar das restrições ao trabalho presencial devido à pandemia da covid-19, ele foi convocado pela empresa e assinou o contrato de estágio. Começará inicialmente em “home office”, até que os funcionários possam voltar ao escritório.
Joyce de Souza, de 23 anos, não teve a mesma sorte. Aluna do terceiro ano de engenharia química da Escola Superior de Administração, Marketing e Comunicação de Campinas (Esamc), estava com tudo certo para iniciar um novo estágio, quando recebeu a notícia de que a vaga havia sido suspensa por tempo indeterminado. À espera de uma oportunidade, ela mantém agora a sua rotina de aulas on-line. “Houve perda de qualidade do ensino em algumas matérias, mas a faculdade se comprometeu a permitir que possamos refazer as aulas afetadas”, diz. Enquanto não encontra uma ocupação, aproveita para estudar inglês, também em aulas pelo computador, escreve Giuliano Guandalini no Valor, em excelente reportagem publicada dia 3/7. Continua a seguir.
Uma recessão com a profundidade esperada para a crise atual não poupa ninguém. Todos são atingidos de alguma maneira. Para os mais jovens, no entanto, as consequências tendem a ser ainda maiores. Os efeitos são particularmente negativos para aquelas pessoas que estão iniciando a vida profissional.
Para a Organização Internacional do Trabalho (OIT), esses jovens poderão ser conhecidos como a “geração lockdown”, marcada pelo infortúnio de terem chegado à vida adulta durante a mais severa retração econômica desde a Grande Depressão da década de 1930.
“Infelizmente, em uma economia em recessão, como agora, há menos oportunidades. Há, na verdade, destruição de possíveis empregos. O processo de experimentar ocupações será adiado”, diz o economista Naercio Menezes Filho, professor do Insper e da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP).
Estudos demonstram que as gerações que chegam ao mercado de trabalho em períodos de retração econômica profunda carregarão uma mácula que poderá acompanhá-las durante toda a vida e da qual não é fácil se desvencilhar. Joyce, Nogueira e milhões de brasileiros no início vida adulta terão que se esforçar ainda mais para avançar na carreira profissional.
Por que isso ocorre? Esses “azarados”, como eles são chamados pelos pesquisadores desse fenômeno social, são jovens que encontrarão condições bastante adversas exatamente quando passam por um período muito especial de suas vidas. É uma fase de experimentar diferentes tipos de ocupações e atividades, em busca daquilo que mais lhes satisfaça e lhes permita serem mais produtivos.
Eles tendem a ter mais dificuldades para encontrar os empregos adequados ao seu perfil técnico e comportamental. Além disso, enfrentarão uma disputa ainda mais acirrada por vagas e, consequentemente, a tendência é terem, ao longo dos anos, salários relativamente mais baixos do que os daqueles “sortudos” que iniciam a vida profissional em períodos de crescimento econômico e prosperidade.
Não se trata de um efeito transitório - é muito difícil recuperar os anos perdidos no período inicial de formação profissional. Segundo Menezes Filho, quando os jovens estão concluindo o ensino médio ou a faculdade, precisam de oportunidades para experimentar. A alta rotatividade deve ser vista como algo natural e até desejável.
“Eles precisam experimentar, para assim descobrirem o que gostam mais, em quais atividades se adaptam melhor e possam ser mais produtivos”, afirma Menezes Filho. “É muito importante essa fase, até por questões emotivas.”
A OIT estima que um a cada seis dos trabalhadores entre 15 e 24 anos perderam o emprego desde o início da pandemia em todo o mundo. Aqueles que continuaram empregados tiveram uma redução média de 23% nas horas trabalhadas, o que significa queda em seus rendimentos. São números ainda iniciais, que deverão se agravar nos próximos meses.
A crise da covid-19 chega em um momento em que muitos países ainda não haviam se recuperado da recessão anterior, o que deixa o cenário ainda mais desafiador. É o caso do Brasil. Uma sucessão de crises derrubou o potencial de crescimento do país, restringindo a criação de empregos, particularmente para a nova geração.
Segundo dados da LCA Consultores, a taxa de desemprego dos jovens brasileiros estava em 14,5% no quarto trimestre de 2014. Teve uma forte alta na recessão de 2015 e se manteve em um nível elevado desde então. No primeiro trimestre deste ano, ficou ao redor de 28%. Agora a trajetória de lenta queda foi revertida. Pelas projeções do economista Cosmo Donato, da LCA, a taxa de desocupação das pessoas entre 15 e 24 anos poderá se aproximar de 39% no terceiro trimestre - o dobro da taxa média para todas as faixas etárias. Sãos os números mais negativos da série histórica. O total de jovens procurando uma oportunidade, atualmente em 5,5 milhões de pessoas, deverá se aproximar de 8 milhões nos últimos meses do ano.
Recentemente, a OIT emitiu um alerta sobre essa questão e recomendou empenho máximo dos governos para mitigar os efeitos da recessão atual sobre as gerações futuras. A pandemia, diz a organização, causa um choque triplo nos mais jovens: a destruição das vagas de trabalho, a perda de oportunidades para o treinamento e o desenvolvimento de habilidades e, por fim, a concorrência mais acirrada no futuro.
A história recente traz alguns exemplos de como as crises podem afetar a vida profissional dos mais jovens. Os japoneses recém-saídos da faculdade em meio à recessão dos anos 1990 tiveram dificuldade para encontrar uma vaga compatível às suas qualificações. Muitos viram-se obrigados a se ocupar com empregos precários. Quando a economia se recuperou, as empresas acabavam optando pela contratação de funcionários ainda mais jovens, em geral por estarem mais atualizados.
Estudos feitos nos Estados Unidos identificaram um efeito semelhante para as gerações de trabalhadores que iniciaram a vida profissional durante a recessão dos anos 1980. Eles tiveram, ao longo da vida, renda média permanentemente inferior daquela de pessoas mais sortudas, saídas da universidade antes ou depois desse período.
No artigo “The Long-Term Labor Market Consequences of Graduating from College in a Bad Economy” (As Consequências a Longo Prazo no Mercado de Trabalho de se Formar na Faculdade em uma Economia Ruim), a economista Lisa Kahn, professora da Universidade Yale que fez parte do Conselho Econômico no governo de Barack Obama, identificou que, para cada aumento de 1 ponto percentual na taxa de desemprego dos EUA, os jovens saídos da faculdade durante a recessão vão ganhar entre 6% e 8% menos em média, no primeiro ano de trabalho, em relação aos colegas que tiveram a sorte de chegar ao mercado em um período mais promissor.
O efeito se reduz ao longo do tempo, mas mesmo depois de 15 anos os desafortunados ganhavam 2,5% menos. Para isolar variáveis como sexo e cor da pele, ela se concentrou em analisar dados sobre homens brancos. A sua conclusão: “Os resultados sugerem que as consequências de sair da faculdade em um período de economia ruim são profundas, negativas e persistentes”.
Pesquisadores do Centro de Políticas Públicas do Insper investigaram se no Brasil ocorre esse efeito também. Concluíram que sim. No estudo “Os Efeitos de Entrar no Mercado de Trabalho em Períodos de Recessão” (2019), Paulo José Costa, Naercio Menezes Filho e Bruno Komatsu relatam evidências do impacto nos níveis de emprego e na renda futura dos jovens que têm a má sorte de iniciar a vida profissional em um ciclo de contração econômica.
Os menos afetados são aqueles com boa formação educacional, atuantes em setores menos atingidos pelas crises ou que vivem em cidades que tenham saído mais rapidamente da recessão. “Nossos resultados indicam que uma alta taxa de desemprego no ano de ingresso no mercado de trabalho tem impactos negativos no longo prazo nos rendimentos médios, além de aumentar a sua taxa de desemprego futura”, concluem os autores, embora façam a ressalva de que faltam dados disponíveis no país para análises mais detalhadas como as existentes em outros países.
O impacto não é apenas na renda, mas na qualidade de vida e na saúde, mostram pesquisas internacionais. No artigo “Socioeconomic Decline and Death: Midlife Impacts of Graduating in a Recession” (Declínio Socioeconômico e Morte: Impactos na Meia-Idade de se Formar em uma Recessão”), publicado no início deste ano, os economistas Hannes Schwandt (Northwestern University) e Till Marco von Wachter (Universidade da Califórnia, em Los Angeles) mostram os efeitos perversos ao longo da vida de pessoas formadas em períodos de declínio na economia.
Foram analisadas pessoas que chegaram ao mercado de trabalho americano durante a recessão do início dos anos 1980. Elas sofreram, na maturidade, uma incidência mais elevada de doenças cardíacas e hepáticas, além de terem apresentado uma maior tendência de consumo elevado de álcool e drogas. Foram também mais sujeitas a se divorciar e não ter filhos. “As desvantagens no mercado de trabalho durante a juventude podem ter impactos substanciais ao longo do tempo, com efeitos na mortalidade de meia-idade, e vão bem além do efeito inicial nas carreiras profissionais”, afirmam os pesquisadores.
No Brasil, tudo fica ainda mais difícil quando se sabe que o país passa pela sua pior década, em termos de crescimento econômico, de sua história republicana. Já seria uma década perdida, mas agora, com a crise da covid-19, o resultado será ainda pior. Uma estimativa do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV) indica que o PIB per capita terá uma queda média anual de 0,9% entre 2010 e 2020. Antes da pandemia, a expectativa era de crescimento nulo. Anteriormente, o único resultado negativo havia sido na “década perdida” dos anos 1980.
O fraco desempenho econômico vinha sendo refletido na lenta recuperação do nível de emprego depois da recessão de 2015. Agora, entretanto, a retomada foi postergada para um futuro incerto. “A pandemia atingiu o Brasil em um momento péssimo, com crescimento baixo e taxa de desemprego ainda elevada”, afirma a economista Silvia Matos, do Ibre/FGV. A recuperação do emprego, antes da crise do coronavírus, vinha ocorrendo sobretudo pela criação de vagas informais. Era já uma condição de trabalho bastante precária, sobretudo no setor de serviços, onde se encontram 70% das vagas. Esse mercado, normalmente a primeira oportunidade de emprego para os jovens, terá meses difíceis pela frente.
Os dados de desemprego do IBGE, com indicadores até abril, revelam o impacto parcial causado até aqui pela recessão. Ainda assim, são números bastante negativos. A população ocupada diminui em quase 5 milhões de pessoas (de 94 milhões para 89 milhões de brasileiros empregados), um recuo recorde. Os números dos próximos levantamentos deverão mostrar um tombo ainda mais acentuado. Uma projeção do Ibre/FGV aponta que a taxa de desemprego média de 2020 atingirá 18,7%. Trata-se do pior número da série, iniciada em 1981. No ano passado, a taxa média ficou em 11,9%, em um ligeira queda em relação a 2017 e 2018.
Causa preocupação o fato de, após uma década perdida, o país se ver diante de uma recuperação que provavelmente será bastante lenta, como observa o economista Daniel Duque, do Ibre/FGV. “Estamos falando do risco de termos, praticamente, uma geração perdida de brasileiros”, diz. “O efeito de deterioração na produtividade e na renda já vinha ocorrendo antes da pandemia e agora poderá se estender por mais cinco anos, caso o país demore a registrar taxas mais elevadas de crescimento econômico.”
Um outro aspecto perverso da recessão será o aumento da desigualdade. Embora seja cedo para estimar os impactos futuros, os economistas acreditam que a crise atual contribuirá para acentuar a vala que separa os jovens nascidos em famílias mais ricas e aqueles nascidos em classes de rendimentos mais baixos. Quem possui melhores condições poderá continuar estudando, fazer uma especialização ou um mestrado, enquanto os mais pobres engrossarão, muito provavelmente, o contingente dos chamados “nem-nem-nem” - quem não trabalha, não estuda e nem procura emprego.
Cosmo Donato, da LCA Consultores, destaca o fato de que, além do impacto individual na vida dos jovens, o país como um todo sentirá um grande golpe dessa crise no futuro. “Isso porque os efeitos negativos sobre a formação do capital humano vão afetar o PIB potencial de longo prazo”, afirma. Acaba ocorrendo um ciclo vicioso. O baixo crescimento afeta a formação do capital humano, que, por sua vez, vai afetar o crescimento.
Mitigar esses efeitos, afirmam os economistas, requer uma atenção especial do governo. É necessário encontrar espaço no orçamento para elevar o nível de investimento público, além de incentivar os investimentos privados. O treinamento dos mais jovens também será essencial para que a desvantagem futura deles não seja tão grande. “O Brasil, na verdade, não consegue crescer. Tem problemas sérios de produtividade”, afirma Naercio Menezes Filho. “Se isso não for revertido, as gerações perdidas vão continuar se sucedendo. Estamos parados há 30 anos, no que se refere à produtividade.”
Para Daniel Duque, as empresas sairão da crise em uma situação de aperto no caixa, o que também pesará contra a retomada dos investimentos e das contratações de novos funcionários. “O importante será investir em qualificação”, diz. Essa também é a recomendação de consultores especializados na contratação de estagiários e trainees.
“O fundamental, para o jovem, será cuidar de sua preparação”, diz o superintendente de operações do Centro de Integração Empresa-Escola (CIEE), Marcelo Gallo. “Existem diversos cursos gratuitos disponíveis na internet. Até mesmo de grandes universidades internacionais. Os candidatos devem se preparar porque haverá uma disputa mais acirrada pelas vagas”, diz.
Os jovens, porém, não devem desanimar. O mercado ficou mais seletivo, mas existem vagas. De acordo com consultores de seleção de estagiários e trainees, alguns programas foram adiados, mas são poucas as empresas que cancelaram as contratações de jovens. “Há vagas, sim. Elas estão sendo preenchidas, e as pessoas começam a trabalhar em ‘home office’”, afirma Tiago Mavichian, da Companhia de Estágios. “Dentro do possível, o fundamental é investir no treinamento pessoal”, diz. Isso fará diferença na hora da entrevista.
Áreas como o turismo e o comércio foram as mais atingidas pela crise. Outras, contudo, conseguiram manter as atividades e estão recrutando jovens. É o caso de serviços médicos, por exemplo. Em plena pandemia, a estudante do terceiro ano de farmácia Noely Sampaio, de 21 anos, atingiu o seu objetivo de estagiar em uma das maiores multinacionais do setor farmacêutico. Como ela precisa trabalhar presencialmente, segue todas as normas de segurança para evitar o contágio.
A empresa também assegura que estagiária não utilize o transporte público e vá para o laboratório com o carro de um serviço de aplicativo. “Era a oportunidade que estava procurando”, diz Noely, aluna da Universidade Brás Cubas, em Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. “Quero muito fazer carreira na empresa onde trabalho atualmente.”
Joyce de Souza, de 23 anos, não teve a mesma sorte. Aluna do terceiro ano de engenharia química da Escola Superior de Administração, Marketing e Comunicação de Campinas (Esamc), estava com tudo certo para iniciar um novo estágio, quando recebeu a notícia de que a vaga havia sido suspensa por tempo indeterminado. À espera de uma oportunidade, ela mantém agora a sua rotina de aulas on-line. “Houve perda de qualidade do ensino em algumas matérias, mas a faculdade se comprometeu a permitir que possamos refazer as aulas afetadas”, diz. Enquanto não encontra uma ocupação, aproveita para estudar inglês, também em aulas pelo computador, escreve Giuliano Guandalini no Valor, em excelente reportagem publicada dia 3/7. Continua a seguir.
Uma recessão com a profundidade esperada para a crise atual não poupa ninguém. Todos são atingidos de alguma maneira. Para os mais jovens, no entanto, as consequências tendem a ser ainda maiores. Os efeitos são particularmente negativos para aquelas pessoas que estão iniciando a vida profissional.
Para a Organização Internacional do Trabalho (OIT), esses jovens poderão ser conhecidos como a “geração lockdown”, marcada pelo infortúnio de terem chegado à vida adulta durante a mais severa retração econômica desde a Grande Depressão da década de 1930.
“Infelizmente, em uma economia em recessão, como agora, há menos oportunidades. Há, na verdade, destruição de possíveis empregos. O processo de experimentar ocupações será adiado”, diz o economista Naercio Menezes Filho, professor do Insper e da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP).
Estudos demonstram que as gerações que chegam ao mercado de trabalho em períodos de retração econômica profunda carregarão uma mácula que poderá acompanhá-las durante toda a vida e da qual não é fácil se desvencilhar. Joyce, Nogueira e milhões de brasileiros no início vida adulta terão que se esforçar ainda mais para avançar na carreira profissional.
Por que isso ocorre? Esses “azarados”, como eles são chamados pelos pesquisadores desse fenômeno social, são jovens que encontrarão condições bastante adversas exatamente quando passam por um período muito especial de suas vidas. É uma fase de experimentar diferentes tipos de ocupações e atividades, em busca daquilo que mais lhes satisfaça e lhes permita serem mais produtivos.
Eles tendem a ter mais dificuldades para encontrar os empregos adequados ao seu perfil técnico e comportamental. Além disso, enfrentarão uma disputa ainda mais acirrada por vagas e, consequentemente, a tendência é terem, ao longo dos anos, salários relativamente mais baixos do que os daqueles “sortudos” que iniciam a vida profissional em períodos de crescimento econômico e prosperidade.
Não se trata de um efeito transitório - é muito difícil recuperar os anos perdidos no período inicial de formação profissional. Segundo Menezes Filho, quando os jovens estão concluindo o ensino médio ou a faculdade, precisam de oportunidades para experimentar. A alta rotatividade deve ser vista como algo natural e até desejável.
“Eles precisam experimentar, para assim descobrirem o que gostam mais, em quais atividades se adaptam melhor e possam ser mais produtivos”, afirma Menezes Filho. “É muito importante essa fase, até por questões emotivas.”
A OIT estima que um a cada seis dos trabalhadores entre 15 e 24 anos perderam o emprego desde o início da pandemia em todo o mundo. Aqueles que continuaram empregados tiveram uma redução média de 23% nas horas trabalhadas, o que significa queda em seus rendimentos. São números ainda iniciais, que deverão se agravar nos próximos meses.
A crise da covid-19 chega em um momento em que muitos países ainda não haviam se recuperado da recessão anterior, o que deixa o cenário ainda mais desafiador. É o caso do Brasil. Uma sucessão de crises derrubou o potencial de crescimento do país, restringindo a criação de empregos, particularmente para a nova geração.
Segundo dados da LCA Consultores, a taxa de desemprego dos jovens brasileiros estava em 14,5% no quarto trimestre de 2014. Teve uma forte alta na recessão de 2015 e se manteve em um nível elevado desde então. No primeiro trimestre deste ano, ficou ao redor de 28%. Agora a trajetória de lenta queda foi revertida. Pelas projeções do economista Cosmo Donato, da LCA, a taxa de desocupação das pessoas entre 15 e 24 anos poderá se aproximar de 39% no terceiro trimestre - o dobro da taxa média para todas as faixas etárias. Sãos os números mais negativos da série histórica. O total de jovens procurando uma oportunidade, atualmente em 5,5 milhões de pessoas, deverá se aproximar de 8 milhões nos últimos meses do ano.
Recentemente, a OIT emitiu um alerta sobre essa questão e recomendou empenho máximo dos governos para mitigar os efeitos da recessão atual sobre as gerações futuras. A pandemia, diz a organização, causa um choque triplo nos mais jovens: a destruição das vagas de trabalho, a perda de oportunidades para o treinamento e o desenvolvimento de habilidades e, por fim, a concorrência mais acirrada no futuro.
A história recente traz alguns exemplos de como as crises podem afetar a vida profissional dos mais jovens. Os japoneses recém-saídos da faculdade em meio à recessão dos anos 1990 tiveram dificuldade para encontrar uma vaga compatível às suas qualificações. Muitos viram-se obrigados a se ocupar com empregos precários. Quando a economia se recuperou, as empresas acabavam optando pela contratação de funcionários ainda mais jovens, em geral por estarem mais atualizados.
Estudos feitos nos Estados Unidos identificaram um efeito semelhante para as gerações de trabalhadores que iniciaram a vida profissional durante a recessão dos anos 1980. Eles tiveram, ao longo da vida, renda média permanentemente inferior daquela de pessoas mais sortudas, saídas da universidade antes ou depois desse período.
No artigo “The Long-Term Labor Market Consequences of Graduating from College in a Bad Economy” (As Consequências a Longo Prazo no Mercado de Trabalho de se Formar na Faculdade em uma Economia Ruim), a economista Lisa Kahn, professora da Universidade Yale que fez parte do Conselho Econômico no governo de Barack Obama, identificou que, para cada aumento de 1 ponto percentual na taxa de desemprego dos EUA, os jovens saídos da faculdade durante a recessão vão ganhar entre 6% e 8% menos em média, no primeiro ano de trabalho, em relação aos colegas que tiveram a sorte de chegar ao mercado em um período mais promissor.
O efeito se reduz ao longo do tempo, mas mesmo depois de 15 anos os desafortunados ganhavam 2,5% menos. Para isolar variáveis como sexo e cor da pele, ela se concentrou em analisar dados sobre homens brancos. A sua conclusão: “Os resultados sugerem que as consequências de sair da faculdade em um período de economia ruim são profundas, negativas e persistentes”.
Pesquisadores do Centro de Políticas Públicas do Insper investigaram se no Brasil ocorre esse efeito também. Concluíram que sim. No estudo “Os Efeitos de Entrar no Mercado de Trabalho em Períodos de Recessão” (2019), Paulo José Costa, Naercio Menezes Filho e Bruno Komatsu relatam evidências do impacto nos níveis de emprego e na renda futura dos jovens que têm a má sorte de iniciar a vida profissional em um ciclo de contração econômica.
Os menos afetados são aqueles com boa formação educacional, atuantes em setores menos atingidos pelas crises ou que vivem em cidades que tenham saído mais rapidamente da recessão. “Nossos resultados indicam que uma alta taxa de desemprego no ano de ingresso no mercado de trabalho tem impactos negativos no longo prazo nos rendimentos médios, além de aumentar a sua taxa de desemprego futura”, concluem os autores, embora façam a ressalva de que faltam dados disponíveis no país para análises mais detalhadas como as existentes em outros países.
O impacto não é apenas na renda, mas na qualidade de vida e na saúde, mostram pesquisas internacionais. No artigo “Socioeconomic Decline and Death: Midlife Impacts of Graduating in a Recession” (Declínio Socioeconômico e Morte: Impactos na Meia-Idade de se Formar em uma Recessão”), publicado no início deste ano, os economistas Hannes Schwandt (Northwestern University) e Till Marco von Wachter (Universidade da Califórnia, em Los Angeles) mostram os efeitos perversos ao longo da vida de pessoas formadas em períodos de declínio na economia.
Foram analisadas pessoas que chegaram ao mercado de trabalho americano durante a recessão do início dos anos 1980. Elas sofreram, na maturidade, uma incidência mais elevada de doenças cardíacas e hepáticas, além de terem apresentado uma maior tendência de consumo elevado de álcool e drogas. Foram também mais sujeitas a se divorciar e não ter filhos. “As desvantagens no mercado de trabalho durante a juventude podem ter impactos substanciais ao longo do tempo, com efeitos na mortalidade de meia-idade, e vão bem além do efeito inicial nas carreiras profissionais”, afirmam os pesquisadores.
No Brasil, tudo fica ainda mais difícil quando se sabe que o país passa pela sua pior década, em termos de crescimento econômico, de sua história republicana. Já seria uma década perdida, mas agora, com a crise da covid-19, o resultado será ainda pior. Uma estimativa do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV) indica que o PIB per capita terá uma queda média anual de 0,9% entre 2010 e 2020. Antes da pandemia, a expectativa era de crescimento nulo. Anteriormente, o único resultado negativo havia sido na “década perdida” dos anos 1980.
O fraco desempenho econômico vinha sendo refletido na lenta recuperação do nível de emprego depois da recessão de 2015. Agora, entretanto, a retomada foi postergada para um futuro incerto. “A pandemia atingiu o Brasil em um momento péssimo, com crescimento baixo e taxa de desemprego ainda elevada”, afirma a economista Silvia Matos, do Ibre/FGV. A recuperação do emprego, antes da crise do coronavírus, vinha ocorrendo sobretudo pela criação de vagas informais. Era já uma condição de trabalho bastante precária, sobretudo no setor de serviços, onde se encontram 70% das vagas. Esse mercado, normalmente a primeira oportunidade de emprego para os jovens, terá meses difíceis pela frente.
Os dados de desemprego do IBGE, com indicadores até abril, revelam o impacto parcial causado até aqui pela recessão. Ainda assim, são números bastante negativos. A população ocupada diminui em quase 5 milhões de pessoas (de 94 milhões para 89 milhões de brasileiros empregados), um recuo recorde. Os números dos próximos levantamentos deverão mostrar um tombo ainda mais acentuado. Uma projeção do Ibre/FGV aponta que a taxa de desemprego média de 2020 atingirá 18,7%. Trata-se do pior número da série, iniciada em 1981. No ano passado, a taxa média ficou em 11,9%, em um ligeira queda em relação a 2017 e 2018.
Causa preocupação o fato de, após uma década perdida, o país se ver diante de uma recuperação que provavelmente será bastante lenta, como observa o economista Daniel Duque, do Ibre/FGV. “Estamos falando do risco de termos, praticamente, uma geração perdida de brasileiros”, diz. “O efeito de deterioração na produtividade e na renda já vinha ocorrendo antes da pandemia e agora poderá se estender por mais cinco anos, caso o país demore a registrar taxas mais elevadas de crescimento econômico.”
Um outro aspecto perverso da recessão será o aumento da desigualdade. Embora seja cedo para estimar os impactos futuros, os economistas acreditam que a crise atual contribuirá para acentuar a vala que separa os jovens nascidos em famílias mais ricas e aqueles nascidos em classes de rendimentos mais baixos. Quem possui melhores condições poderá continuar estudando, fazer uma especialização ou um mestrado, enquanto os mais pobres engrossarão, muito provavelmente, o contingente dos chamados “nem-nem-nem” - quem não trabalha, não estuda e nem procura emprego.
Cosmo Donato, da LCA Consultores, destaca o fato de que, além do impacto individual na vida dos jovens, o país como um todo sentirá um grande golpe dessa crise no futuro. “Isso porque os efeitos negativos sobre a formação do capital humano vão afetar o PIB potencial de longo prazo”, afirma. Acaba ocorrendo um ciclo vicioso. O baixo crescimento afeta a formação do capital humano, que, por sua vez, vai afetar o crescimento.
Mitigar esses efeitos, afirmam os economistas, requer uma atenção especial do governo. É necessário encontrar espaço no orçamento para elevar o nível de investimento público, além de incentivar os investimentos privados. O treinamento dos mais jovens também será essencial para que a desvantagem futura deles não seja tão grande. “O Brasil, na verdade, não consegue crescer. Tem problemas sérios de produtividade”, afirma Naercio Menezes Filho. “Se isso não for revertido, as gerações perdidas vão continuar se sucedendo. Estamos parados há 30 anos, no que se refere à produtividade.”
Para Daniel Duque, as empresas sairão da crise em uma situação de aperto no caixa, o que também pesará contra a retomada dos investimentos e das contratações de novos funcionários. “O importante será investir em qualificação”, diz. Essa também é a recomendação de consultores especializados na contratação de estagiários e trainees.
“O fundamental, para o jovem, será cuidar de sua preparação”, diz o superintendente de operações do Centro de Integração Empresa-Escola (CIEE), Marcelo Gallo. “Existem diversos cursos gratuitos disponíveis na internet. Até mesmo de grandes universidades internacionais. Os candidatos devem se preparar porque haverá uma disputa mais acirrada pelas vagas”, diz.
Os jovens, porém, não devem desanimar. O mercado ficou mais seletivo, mas existem vagas. De acordo com consultores de seleção de estagiários e trainees, alguns programas foram adiados, mas são poucas as empresas que cancelaram as contratações de jovens. “Há vagas, sim. Elas estão sendo preenchidas, e as pessoas começam a trabalhar em ‘home office’”, afirma Tiago Mavichian, da Companhia de Estágios. “Dentro do possível, o fundamental é investir no treinamento pessoal”, diz. Isso fará diferença na hora da entrevista.
Áreas como o turismo e o comércio foram as mais atingidas pela crise. Outras, contudo, conseguiram manter as atividades e estão recrutando jovens. É o caso de serviços médicos, por exemplo. Em plena pandemia, a estudante do terceiro ano de farmácia Noely Sampaio, de 21 anos, atingiu o seu objetivo de estagiar em uma das maiores multinacionais do setor farmacêutico. Como ela precisa trabalhar presencialmente, segue todas as normas de segurança para evitar o contágio.
A empresa também assegura que estagiária não utilize o transporte público e vá para o laboratório com o carro de um serviço de aplicativo. “Era a oportunidade que estava procurando”, diz Noely, aluna da Universidade Brás Cubas, em Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. “Quero muito fazer carreira na empresa onde trabalho atualmente.”
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