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A difícil vida de Britney Spears, que ainda fatura milhões, mas vive com 1.500 dólares por semana

Javier Cabellero escreve um texto muito interessante sobre Britney e, de certa maneira, sobre este estranho mundo das celebridades e sub-celebridades. Publicado dia 23/7 no El País. Longo, mas vale a leitura.

“Leave Britney alone!”. Estávamos no ano de 2007. Em fevereiro, a Princesa do Pop havia raspado o cabelo diante da estupefação dos paparazzi, que lutavam para conseguir a melhor imagem do momento. O assédio à cantora havia atingido alturas inimagináveis, comparáveis somente a de rostos como Lady Di e Whitney Houston. Muito antes do que a conscientização sobre as doenças mentais imperasse, a imprensa tratou o ocorrido quase como uma brincadeira.
Entre tanta confusão, na plataforma YouTube apareceu um vídeo em setembro de um fã desesperado exigindo que a deixassem em paz. Seu aspecto enfermiço e seu cabelo tingido (outro motivo, o físico, do que sabemos, por fim, de que não devemos rir), unido a um dramatismo exacerbado em seu pedido, lhe transformaram na piada do mês. Seu grito, “Leave Britney alone!” (Deixem Britney em paz!), passou desapercebido a favor do escárnio.
Treze anos depois, as coisas mudaram. Toda a Internet pede que libertem Britney sob o movimento #FreeBritney. Celebridades, imprensa e uma sólida base de seguidores especulam sobre sua situação e desejam que aquela que deveria ser a Rainha do Pop recupere as rédeas de sua vida. Mas do que Britney deve ser libertada? E o que aconteceu até se chegar a esse ponto?
Rupturas, um casamento a toda pressa e uma ex-grávida
O sucesso global de Britney chegou em 1998. A música ...Baby One More Time de Max Martin aterrissou na gravadora após passar por várias outras sem encontrar seu lugar, e conquistou a artista e os produtores imediatamente. Vestida como uma colegial, a cantora se apresentou ao mundo. A máquina de fazer dinheiro havia começado a se mover.
Em uma sociedade considerada por muitos como a mais hipócrita do mundo, a imagem transmitida importava, e muito. A opção foi a de uma boa menina, virginal, a nora que toda mãe gostaria de ter. Mais de uma vez, ao receber perguntas de cunho sexual, a cantora respondia que queria chegar virgem ao casamento. Em uma entrevista em 2006 na NBC, afirmou que se soubesse da magnitude que essas declarações teriam, não faria os comentários.
A loucura se desatou quando, poucos meses depois de lançar seu primeiro disco, tornou oficial sua relação com Justin Timberlake, líder do grupo Nsync. O Namoradinho da América e a Namoradinha da América se transformaram nos Namoradinhos da América. O que parecia um namoro idílico foi interrompido para Britney quando a relação acabou em 2002. Justin, com uma carreira solo que começava a ficar devagar para o líder da boy band mais famosa do momento (com a permissão dos Backstreet Boys), explorou a ruptura conseguindo o despeito mais longo e rentável da história do pop.
O segundo single da carta de apresentação de Justin, Cry Me a River, conta a história de um homem destroçado porque descobre que sua namorada o trai. Essa razão foi justamente uma das especuladas pelos tabloides como motivo da ruptura do casal perfeito. E ele não teve escrúpulos em explorá-lo, até mesmo escolhendo uma atriz de quem não se vê o rosto vestida com o look da época da Princesa do Pop. O dano já estava feito. Justin se transformou em vítima da harpia que havia sido infiel. Britney passava da noite para o dia de anjo a demônio.
Na mesma entrevista da NBC, uma das mais extensas que ela já concedeu, a cantora reconhece que esse ocorrido significou um ponto de inflexão no tratamento recebido pela imprensa. Como diz no documentário de 2008 Britney: For the Record, não soube lidar com esse final. “Precisava ocupar minha cabeça, esquecer, e comecei a sair sem parar”, confessa. “Você se tornou uma baladeira”, diz o entrevistador. “Sim”, ela concorda.
Imprensa televisiva e impressa se dedicaram a esquadrinhar cada um de seus movimentos e a vender uma imagem de Britney como alcoólatra e drogada. Em 2004, seu casamento a toda pressa em Las Vegas com um amigo de infância (de quem se divorciou 55 horas depois) não fez mais do que atiçar as chamas. Sua vida estava fora de controle. A imprensa sensacionalista não desperdiçava nenhuma oportunidade de expor sua roupa suja.
Sua relação com Kevin Federline, um dançarino de sua equipe de dança com um filho e outro a caminho, encaixava perfeitamente no perfil que a imprensa construiu. A ex de Kevin estava grávida quando Britney começou sua relação, e ainda que ambos afirmassem repetidamente que haviam se separado antes dele conhecer a cantora, a imagem de uma femme fatale que roubava o namorado de uma mulher grávida atraía mais. Na entrevista da NBC, que foi realizada quando já havia rumores sobre a ruptura de Kevin e Britney e se espalhou quando se tornou oficial, o apresentador não hesita em acusá-la dissimuladamente. “Acredita em karma? Poderíamos pensar que ele já deixou uma mulher grávida, poderia fazê-lo novamente”. Britney, nessa época, esperava seu segundo filho.
Cabelo raspado, uma atuação vergonhosa e internações clínicas
Após dois anos de casamento e dois filhos em comum, em 2006 começou a separação da cantora e do dançarino transformado em rapper. Um dos pontos mais conflituosos era a custódia de seus filhos. Britney, tentando melhorar para obtê-la, entrou em um centro de reabilitação para se desintoxicar. Em fevereiro de 2007, entretanto, deixou as instalações com a intenção de, como diz o documentário Britney Spears – Breaking Point, ver seus dois filhos. A negativa de Kevin apertou o botão do desastre. Britney se dirigiu a um cabeleireiro e, diante de dezenas de câmeras, pegou uma máquina e começou a raspar o próprio cabelo. A foto se transformou na mais cara até então: o fotógrafo recebeu meio milhão de dólares (2,6 milhões de reais) para ser publicada.
Os programas de televisão, em vez de mostrar preocupação pelo ocorrido, o fizeram irrefletidamente. “Britney está careca”, riam os apresentadores. A artista também atacou, sem um fio na cabeça, o carro de um paparazzo com um guarda-chuva. Britney era a fofoca do momento, e os jornalistas perguntavam a opinião de outras cantoras famosas sobre o fato. “Não acredito, acabam de me dizer, mas deve ser mentira”, reagiu Kelly Clarkson quando lhe falaram do cabelo raspado. “Cada pessoa lida com as situações de maneira diferente. Por sorte, eu me cerquei de pessoas sinceras nas quais confio”, finalizou Beyoncé sobre o assunto.
Poucos meses depois desses incidentes, Britney anunciou o lançamento de seu sexto álbum de estúdio e a apresentação de seu primeiro single, Gimme More, na premiação dos Video Music Awards da MTV. Era anunciado como o retorno triunfal, após meses de polêmica, da Princesa do Pop. Seus fãs desejavam que seu ídolo retornasse das cinzas como se fosse fênix. Nada mais distante da realidade. Caracterizada por dominar perfeitamente a dança, a cantora mal se movia e se deixava guiar pelos dançarinos. Com aspecto desorientado, se movia de um lado para o outro do palco sem saber, muitas vezes, o que deveria fazer. A atuação passou à história como uma das mais vergonhosas da premiação, e atribuem a ela a culpa pelo fiasco do disco Blackout, aplaudido por crítica e seguidores.
No dia seguinte, a cobertura do evento se movia entre o disparate e a indignação sobre a equipe da cantora. A imprensa mais séria se perguntava como isso poderia ter ocorrido. “Ela não tem uma equipe de pessoas que lhe aconselham a não sair em seu estado? Para que está pagando todas essas pessoas?”, se escandalizava um apresentador da NBC. Um mês depois, um juiz decretava a custódia completa dos filhos do casal a Kevin.
A coisa não ficaria assim. Uma nova disputa sobre seus filhos terminaria nas tristes imagens que deram a volta ao mundo. Em 4 de janeiro de 2008 Britney se trancou em um banheiro com um de seus filhos durante uma briga com Kevin. A disputa acabou com uma ambulância levando a cantora à força a um centro psiquiátrico. Foi liberada somente um dia depois. Semanas mais tarde, voltou a ser internada, com toda uma parafernália montada ao seu redor que incluía a presença de helicópteros. As fotografias da cantora prostrada na maca e os vídeos de suas imprecações aos paparazzi ganharam as manchetes.
Curatela paterna, uma história de 12 anos
Seu pai, Jamie Spears, alegou essas circunstâncias para solicitar a curatela de sua filha (conservatorship em inglês). A revista Forbes, em um artigo de um ano atrás, explicou o uso que se fazia desse termo jurídico. “É uma medida extrema para ser utilizada somente em adultos que não têm a possibilidade de tomar decisões por si mesmos. Geralmente, se aplica a idosos com Alzheimer e outros tipos de demência, e pessoas adultas com outros problemas a longo prazo como danos cerebrais. Antes de Britney, não se sabia do uso a longo prazo de uma curatela para uma celebridade”.
Um tribunal de Los Angeles concedeu a curatela temporária de sua filha ao pai após a segunda internação. Seu entorno tranquilizava a imprensa e suas especulações: tinha validade até que Britney se recuperasse. No final do ano, entretanto, o tribunal aprovou sua permanência no tempo. Na prática, isso significava que o progenitor de Britney tinha controle total sobre o capital da cantora, seus negócios, assim como as visitas que ela recebe, entre outros aspectos. Por esse “trabalho”, Jamie recebe um salário de 180.000 dólares (947.000 reais) anuais, mais contas e aluguéis aprovados por um tribunal. Da residência em Las Vegas de sua filha exigiu, além disso, 1,5% dos ganhos totais. Uma juíza devolveu parte da autonomia a Britney em março de 2008 concedendo-lhe um pagamento de 1.500 dólares (7.900 reais) semanais, que o pai afirmou servir para que ela “desfrutasse de mais liberdade e pudesse decidir como viver bem”.
Desde o começo, surgiram dúvidas sobre se esse acerto é o mais adequado à Princesa do Pop, e até de sua necessidade. A culpa do pai e dos agentes da cantora no ocorrido foi motivo de rumores durante todo esse tempo. Uma das primeiras vozes a se erguer em defesa de Britney e contra seu entorno foi a série de animação adulta South Park. Ainda que tipicamente caricaturasse os personagens, no capítulo chamado O Novo Look de Britney Spears mostrou certa compaixão. Ao ser presa diretamente do hospital ao estúdio de gravação em uma hipérbole reduzida sobre sua história, os protagonistas se perguntam se é disso que ela precisa agora.
Pouco depois de começar sua curatela, Britney fez uma aparição na série de sucesso How I Met Your Mother, e entrou novamente no estúdio para gravar seu próximo disco, chamado Circus. Ao mesmo tempo, gravava, ao que parece por pedido da artista como dizem os letreiros no começo, o documentário Britney: For the Record. Nele está a pressão midiática a que a artista se vê submetida, e mantém o discurso que culpa exclusivamente a imprensa sensacionalista e sua incessante perseguição da decadência da artista.
Nele, entretanto, estão algumas declarações reveladoras da cantora. “Sinto que não me escutam, me ouvem, mas não me escutam. Eu me sinto ignorada. Não prestam atenção no que digo. E estou triste”. Diante da câmera, começa a chorar. Essas imagens se intercalam com outras em que, reunida com sua equipe, diz que “Tenho a sensação de que nunca faço o que quero, os outros sempre decidem”, ao que o restante responde com mutismo. Perguntada se sua vida está descontrolada, responde que não. “Está demasiadamente sob controle. Não há paixão e emoção. É como o dia da marmota”. Também revela que sente falta de dirigir, uma das múltiplas ações que a curatela lhe impede.
As declarações nesse estilo se juntam ao fato de que, desde 2008, lançou quatro álbuns, realizou três turnês mundiais, quatro anos de espetáculos em Las Vegas e jurada em tempo integral no X Factor. O último, que aconteceu em 2012, ligou os alarmes. Muitos especialistas se questionavam na televisão como era possível que não pudesse tomar decisões sozinha, mas sim trabalhar como jurada.
#FreeBritney, um movimento em ascensão
Se ela pode ganhar milhões todos os anos, gravar discos e fazer shows, qual o sentido da curatela?
O advogado Andrew Wallet, que até o ano passado compartilhava a curatela com o pai de Britney, a defendeu como “um modelo híbrido de negócio”. Essa foi sua justificativa em novembro de 2018, enquanto pedia um aumento de seu salário.
Uma sólida base de seus seguidores não tem a mesma opinião. O site Free Britney nasceu em 2009. Criado por um fã, colocava em dúvida a necessidade do acordo. Entre outros fatos, apontava o surgimento de pelo menos dois advogados que garantiam não ter sido contratados por Britney. Adam Streisand, que lutou para que o pai não obtivesse a curatela, repetiu em 2008 que a vencedora do Grammy de melhor gravação por Toxic não queria que seu pai ficasse responsável por seu capital. O tribunal não lhe reconheceu como representante legal de Britney. Outro vazou um áudio em que Britney supostamente solicitava seus serviços, até que era interrompida bruscamente por alguém na sala.
Precisou se passar uma década para que a hashtag ressuscitasse e se transformasse em um movimento. Várias foram as razões que o elevaram ao sucesso atual.
Em janeiro de 2019, Britney anunciou que cancelava seu novo espetáculo em Las Vegas, Domination, para centrar-se em seu pai, cujo estado de saúde era frágil após uma perfuração do cólon. Em março, o advogado Wallet renunciou a fazer parte da curatela. Os motivos enigmáticos que mencionou foram que, de outra maneira, Britney sofreria “um detrimento substancial, dano irreparável e um perigo imediato”. Em 3 de abril, a cantora se internou voluntariamente, como afirmam, em uma instalação para o tratamento de doenças mentais com o objetivo de centrar-se nela mesma.
Nesse mesmo mês, o podcast Britney’s Gram, que começou em tom de paródia e foi adotando matizes mais sérios com o passar do tempo, publicou um áudio recebido na caixa de recados. De acordo com seus apresentadores, os comediantes Tess Barker e Barbara Gray, puderam comprovar a identidade da pessoa. Confirmaram que era uma pessoa que trabalhou na curatela. O informante revelava que Jamie Spears acabou com o novo espetáculo de Britney porque havia deixado de tomar seu medicamento, que a internaram durante três meses e não somente 30 dias, e que estava detida contra sua vontade.
Esse momento levou vários rostos conhecidos a falar a favor de Britney. No Instagram, a estrela de Real Housewives of New York Luann de Lesseps incluiu a hashtag em uma publicação.
Na mesma semana, a apresentadora do programa The Talk Eve exibiu uma camiseta com o movimento durante uma transmissão. Nele, debateram a situação em que se encontrava. Mesmo tentando ser precavidas e repetindo que não possuíam informação suficiente, exibiram algumas dúvidas. Sharon Osbourne, por exemplo, afirmou que “ninguém trabalha para ela de graça, o fazem porque conseguem uma porcentagem do que ela ganha. Quando há dinheiro no meio, nada me surpreende”. E recomendou que o pai “encontrasse um trabalho real”.
Durante um show em setembro, Miley Cyrus gritou aos seus fãs “Free Britney!”. A ação foi recebida com aplausos.
Em setembro, Jamie também pediu para deixar de ser o cuidador da cantora pela piora de seu estado de saúde. Jodi Montgomery, cuidadora da cantora há um ano, assumiu suas tarefas. Ainda que a justificativa para esse pedido tenha sido a saúde frágil do pai, muitos acham que teve mais a ver com a denúncia por violência de um de seus netos. Esse incidente levou um juiz a reduzir a custódia dos filhos, da qual Britney havia recuperado 50%, a somente 30%.
Em 2019 sua mãe, Lynne Spears, apresentou uma moção em que solicitava ter mais poder e envolvimento nos assuntos financeiros de sua filha.
Diet Prada e as teorias conspiratórias
Uma publicação na semana passada no Diet Prada deu força ao movimento. A conta, que normalmente se dedica a humilhar a indústria têxtil, resume toda a história de Britney até o momento atual. Mas mistura informações confirmadas com outras de fontes duvidosas.
Contas como a Saint Hoax e outras mais anônimas ecoaram a história, impulsionando um movimento que já tem 96.000 publicações no Instagram. Celebridades como Paris Hilton se uniram ao movimento, a sua maneira, claro.
As teorias conspiratórias não podiam faltar nesse drama. Convencidos de que as publicações da estrela nas redes também são controladas, pedem em seus comentários que Britney envie mensagens subliminares. Como argumento, dizem que quando um usuário lhe pede que, se precisa de ajuda, use amarelo em seu próximo vídeo, ela usa uma blusa dessa cor. Que outro lhe pediu para vestir negro, e ela o fez. E mais um, que publicasse pombas, e ela colocou um quadro com pombas. O padrão, segundo eles, se repete.
Para este 22 de julho estava previsto uma audiência oral, adiada pelo vírus, em que um juiz tentaria determinar se a curatela se mantém ou deve terminar. Segundo a imprensa americana, a cantora não apareceu e o foi decretado sigilo do caso. Se decidir manter o esquema atual, o magistrado precisará determinar o grau de envolvimento da mãe, como exigiu a progenitora. Agora é esperar para ver se, 13 anos após Chris Cooker pedir aos gritos pela Internet, todos, dos paparazzi aos que a cercam, deixarão Britney em paz.



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