A cena foi a mesma. Na Barra da Tijuca, um fiscal da vigilância sanitária interpelou um casal num estabelecimento onde não se respeitava o isolamento social. O marido desafiou-o, dizendo que ele não tinha uma trena para medir os espaços. O fiscal disse: “Tá, cidadão”. Até aí, seria o jogo jogado, mas a senhora foi adiante: “Cidadão, não. Engenheiro civil formado, melhor que você.”, escreve o colunista em texto publicado na Folha e no Globo dia 8/7. Vale, e muito, a leitura.
Salvo os macacos, os bípedes passaram a usar o tratamento de “cidadão” durante a Revolução Francesa, que derrubou a hierarquia nobiliárquica.
Dias depois a engenheira química Nívea Del Maestro foi demitida da empresa de transmissão de energia onde trabalhava. Em nota, a Taesa informou: “A companhia não compactua com qualquer comportamento que coloque em risco a saúde de outras pessoas ou com atitudes que desrespeitem o trabalho e a dignidade de profissionais que atuam na prevenção e no controle da pandemia”.
Com a mesma retórica, em maio passado, o joalheiro Ivan Storel recebeu um PM que foi à sua casa em Alphaville (SP) atendendo a um chamado que denunciava violência doméstica: “Você pode ser macho na periferia, mas aqui você é um bosta. Aqui é Alphaville, mano.” (...) “Eu ganho R$ 300 mil por mês”, “você é um merda de um PM que ganha R$ 1.000.”
Storel viria a desculpar-se, dizendo que estava sob o efeito do álcool e dos remédios que toma por estar em tratamento psiquiátrico.
Dias antes, em Nova York, um cidadão que observava passarinhos no Central Park pediu a uma senhora que prendesse a coleira de seu cachorro.
Ela se descontrolou e chamou a polícia, dizendo que “um afro-americano está ameaçando minha vida”. Ela foi demitida da firma de investimentos onde ganhava US$ 70 mil anuais.
Nos três casos, a arma dos ofendidos foi a câmera de seus celulares. Postas na rede, as cenas viralizaram. É a mesma arma que registra a violência policial nas periferias das grandes cidades brasileiras.
As câmeras tornaram-se um remédio eficaz para combater os demófobos prontos para aplicar carteiradas sociais no “outro”, hipoteticamente inferior. Ao “você sabe com quem está falando”, o progresso contrapôs o “você sabe que está sendo filmado?”.
Mesmo dentro das suas lógicas infames, as duas senhoras estavam enganadas.
O fiscal da cena carioca era doutor em medicina veterinária pela Federal Fluminense e o afro-americano do Central Park formou-se em Harvard.
O fiscal do Rio, e o PM de São Paulo, representavam o Estado, que na cabeça dos demófobos é um ente a serviço do andar de cima. “A gente paga você, filho. O seu salário sai do meu bolso”, ensinou a senhora da Barra da Tijuca.
O afro-americano do Central Park lastimou que a vida da mulher tivesse virado de cabeça para baixo por causa da notoriedade que a cena viralizada lhe deu, mas recusou-se encontrá-la para um ritual de pacificação.
Em geral essas cenas de humilhação do “outro” duram poucos segundos e, sem os vídeos, não teriam consequência. Graças a eles, custam caro.
A vida dos brasileiros melhorará quando vídeos semelhantes, mostrando cenas de violência policial contra jovens do andar de baixo tiver algum efeito. Por enquanto ele é nulo, até mesmo porque em muitas cidades os policiais costumam prender quem os filma.
Salvo os macacos, os bípedes passaram a usar o tratamento de “cidadão” durante a Revolução Francesa, que derrubou a hierarquia nobiliárquica.
Dias depois a engenheira química Nívea Del Maestro foi demitida da empresa de transmissão de energia onde trabalhava. Em nota, a Taesa informou: “A companhia não compactua com qualquer comportamento que coloque em risco a saúde de outras pessoas ou com atitudes que desrespeitem o trabalho e a dignidade de profissionais que atuam na prevenção e no controle da pandemia”.
Com a mesma retórica, em maio passado, o joalheiro Ivan Storel recebeu um PM que foi à sua casa em Alphaville (SP) atendendo a um chamado que denunciava violência doméstica: “Você pode ser macho na periferia, mas aqui você é um bosta. Aqui é Alphaville, mano.” (...) “Eu ganho R$ 300 mil por mês”, “você é um merda de um PM que ganha R$ 1.000.”
Storel viria a desculpar-se, dizendo que estava sob o efeito do álcool e dos remédios que toma por estar em tratamento psiquiátrico.
Dias antes, em Nova York, um cidadão que observava passarinhos no Central Park pediu a uma senhora que prendesse a coleira de seu cachorro.
Ela se descontrolou e chamou a polícia, dizendo que “um afro-americano está ameaçando minha vida”. Ela foi demitida da firma de investimentos onde ganhava US$ 70 mil anuais.
Nos três casos, a arma dos ofendidos foi a câmera de seus celulares. Postas na rede, as cenas viralizaram. É a mesma arma que registra a violência policial nas periferias das grandes cidades brasileiras.
As câmeras tornaram-se um remédio eficaz para combater os demófobos prontos para aplicar carteiradas sociais no “outro”, hipoteticamente inferior. Ao “você sabe com quem está falando”, o progresso contrapôs o “você sabe que está sendo filmado?”.
Mesmo dentro das suas lógicas infames, as duas senhoras estavam enganadas.
O fiscal da cena carioca era doutor em medicina veterinária pela Federal Fluminense e o afro-americano do Central Park formou-se em Harvard.
O fiscal do Rio, e o PM de São Paulo, representavam o Estado, que na cabeça dos demófobos é um ente a serviço do andar de cima. “A gente paga você, filho. O seu salário sai do meu bolso”, ensinou a senhora da Barra da Tijuca.
O afro-americano do Central Park lastimou que a vida da mulher tivesse virado de cabeça para baixo por causa da notoriedade que a cena viralizada lhe deu, mas recusou-se encontrá-la para um ritual de pacificação.
Em geral essas cenas de humilhação do “outro” duram poucos segundos e, sem os vídeos, não teriam consequência. Graças a eles, custam caro.
A vida dos brasileiros melhorará quando vídeos semelhantes, mostrando cenas de violência policial contra jovens do andar de baixo tiver algum efeito. Por enquanto ele é nulo, até mesmo porque em muitas cidades os policiais costumam prender quem os filma.
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