No boxe baixar a guarda significa tirar as mãos da frente da face. Geralmente é nesse momento que o adversário desfere os socos mais doloridos. Um dos poucos boxeadores que conseguiam baixar a guarda impunemente era Muhammad Ali, que deixava as mãos ao lado do corpo e dançava na frente do adversário se esquivando dos golpes. Essa não é uma estratégia recomendada na luta contra o SARS-CoV-2. Ele é invisível e sorrateiro; e, para dançar na frente do inimigo, é preciso saber onde ele está e prever seus movimentos. A arrogância de Trump levou os Estados Unidos a baixar a guarda e os socos estão vindo de forma crescente, na toada de mais de 50 mil casos novos por dia, escreve Fernando Reinach no Estadão, em artigo publicado dia 4/7.
Na cidade de São Paulo alguns dados sugerem que o coronavírus está acuado. Hospitais de campanha estão sendo desmontados e o número de mortes (se estiver correto) parece estar diminuindo. Mas ainda é preciso cuidado ao baixar a guarda, e uma das evidências de que esse cuidado tem de ser redobrado é o resultado do levantamento da prevalência do SARS-CoV-2 divulgado aqui no Estadão na quarta- feira (veja em monitoramentocovid19.org/).
O resultado principal é que 11,4% da população da cidade possui anticorpos contra o coronavírus. Esses 11,4% representam 960 mil pessoas que já foram expostas ao vírus, das quais aproximadamente 7 mil comprovadamente morreram da doença. Ainda não sabemos ao certo qual a taxa máxima que o índice de soropositividade pode atingir ao longo da pandemia em uma cidade como São Paulo antes de ocorrer a imunidade de rebanho. Provavelmente não é 100% e talvez não chegue sequer a 60%. Isso porque sabemos que existe uma fração de pessoas infectadas (ainda desconhecida) que não produz anticorpos e só desenvolve uma imunidade celular. Também existe uma outra fração da população (ainda desconhecida) que deixa de produzir anticorpos alguns meses após ter sido infectada, o que pode levar pessoas soropositivas a se tornar soronegativas. A descrição dos trabalhos que levaram os cientistas a suspeitar de que esses grupos existem está relatada no podcast Luz no Fim da Quarentena.
Mas o mais importante para o argumento de que devemos baixar a guarda com cuidado é que essa taxa de 11,4% não é homogênea na cidade de São Paulo. Ela é de 16% na metade da população com menor renda e de 6,5% na metade da população de maior renda. Uma diferença de quase 10 pontos porcentuais. Se baixarmos a guarda, essas taxas podem aumentar para valores maiores, pois em algumas cidades a taxa de soropositividade média já chegou a 20%, o que significa que o número de casos em São Paulo ainda pode dobrar em um fenômeno parecido com o que está acontecendo nos EUA. Seriam mais 7 mil mortes.
Muitos vão dizer que essa é uma visão catastrofista. Vamos então imaginar uma outra possibilidade bem mais otimista. Imagine um cenário em que o nível de soropositividade chegou próximo ao máximo possível na periferia de São Paulo (16%) e não vai aumentar. Isso significa que existe a possibilidade de a outra metade da cidade ainda chegar aos 16%, subindo 10 pontos porcentuais, dos atuais 6,5% para os 16% da periferia. A população estudada, os maiores de 18 anos, é de aproximadamente 8 milhões de habitantes em São Paulo, sendo que metade dessas pessoas, 4 milhões, tem uma taxa de 6,5% que pode subir para 16%. Somente essa subida representa mais 400 mil casos na cidade e por volta de 4 mil mortes.
É quase impossível supor que a população da periferia pobre seja tão diferente da que habita o centro mais rico para imaginar que após uma redução do distanciamento social as taxas de soropositividade nas duas populações não se tornarão equivalentes, ambas com 16%. E, claro, esse cenário pode ser agravado se a taxa máxima possível de soropositividade para todo o município for maior que o máximo já medido de aproximadamente 16%.
Muitas dessas questões vão ser respondidas quando o resultado da próxima fase desse estudo for conhecido. As coletas para essa nova fase se iniciam em duas semanas, no dia 20 de julho. Acredito que talvez possamos baixar a guarda um pouco em São Paulo, mas com cuidado para não levarmos socos dolorosos do coronavírus.
Na cidade de São Paulo alguns dados sugerem que o coronavírus está acuado. Hospitais de campanha estão sendo desmontados e o número de mortes (se estiver correto) parece estar diminuindo. Mas ainda é preciso cuidado ao baixar a guarda, e uma das evidências de que esse cuidado tem de ser redobrado é o resultado do levantamento da prevalência do SARS-CoV-2 divulgado aqui no Estadão na quarta- feira (veja em monitoramentocovid19.org/).
O resultado principal é que 11,4% da população da cidade possui anticorpos contra o coronavírus. Esses 11,4% representam 960 mil pessoas que já foram expostas ao vírus, das quais aproximadamente 7 mil comprovadamente morreram da doença. Ainda não sabemos ao certo qual a taxa máxima que o índice de soropositividade pode atingir ao longo da pandemia em uma cidade como São Paulo antes de ocorrer a imunidade de rebanho. Provavelmente não é 100% e talvez não chegue sequer a 60%. Isso porque sabemos que existe uma fração de pessoas infectadas (ainda desconhecida) que não produz anticorpos e só desenvolve uma imunidade celular. Também existe uma outra fração da população (ainda desconhecida) que deixa de produzir anticorpos alguns meses após ter sido infectada, o que pode levar pessoas soropositivas a se tornar soronegativas. A descrição dos trabalhos que levaram os cientistas a suspeitar de que esses grupos existem está relatada no podcast Luz no Fim da Quarentena.
Mas o mais importante para o argumento de que devemos baixar a guarda com cuidado é que essa taxa de 11,4% não é homogênea na cidade de São Paulo. Ela é de 16% na metade da população com menor renda e de 6,5% na metade da população de maior renda. Uma diferença de quase 10 pontos porcentuais. Se baixarmos a guarda, essas taxas podem aumentar para valores maiores, pois em algumas cidades a taxa de soropositividade média já chegou a 20%, o que significa que o número de casos em São Paulo ainda pode dobrar em um fenômeno parecido com o que está acontecendo nos EUA. Seriam mais 7 mil mortes.
Muitos vão dizer que essa é uma visão catastrofista. Vamos então imaginar uma outra possibilidade bem mais otimista. Imagine um cenário em que o nível de soropositividade chegou próximo ao máximo possível na periferia de São Paulo (16%) e não vai aumentar. Isso significa que existe a possibilidade de a outra metade da cidade ainda chegar aos 16%, subindo 10 pontos porcentuais, dos atuais 6,5% para os 16% da periferia. A população estudada, os maiores de 18 anos, é de aproximadamente 8 milhões de habitantes em São Paulo, sendo que metade dessas pessoas, 4 milhões, tem uma taxa de 6,5% que pode subir para 16%. Somente essa subida representa mais 400 mil casos na cidade e por volta de 4 mil mortes.
É quase impossível supor que a população da periferia pobre seja tão diferente da que habita o centro mais rico para imaginar que após uma redução do distanciamento social as taxas de soropositividade nas duas populações não se tornarão equivalentes, ambas com 16%. E, claro, esse cenário pode ser agravado se a taxa máxima possível de soropositividade para todo o município for maior que o máximo já medido de aproximadamente 16%.
Muitas dessas questões vão ser respondidas quando o resultado da próxima fase desse estudo for conhecido. As coletas para essa nova fase se iniciam em duas semanas, no dia 20 de julho. Acredito que talvez possamos baixar a guarda um pouco em São Paulo, mas com cuidado para não levarmos socos dolorosos do coronavírus.
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