Isolamento intermitente até 2022, vírus estrangeiro ou de laboratório, remédios milagrosos e o risco de novas pandemias. As especulações sobre o futuro perturbam nossas mentes durante a quarentena. E quase todas são mesmo especulações. Essa é a opinião do médico infectologista Stefan Cunha Ujvari, autor dos livros “Pandemia, a Humanidade em Risco” e “A História da Humanidade Contada pelos Vírus” (ambos da Editora Contexto), nos quais adianta muito da realidade atual e o que os seres humanos aprenderam a cada pandemia, escreve Jorge Félix para o Valor, em artigo publicado dia 22/5 no jornal. A entrevista continua abaixo.
Ele alerta para o estágio inicial de conhecimento científico sobre o Sars-Cov-2. Certo mesmo, diz o médico nesta entrevista ao Valor, é que novos vírus mutantes surgirão na natureza e que haverá um pós-covid-19. “Este não é o novo normal.”
Valor: Até que ponto esta pandemia, com tal potencial de contaminação, era previsível?
Stefan Cunha Ujvari: Vimos com as epidemias passadas dos coronavírus (Sars e Mers) que há imensa possibilidade de vírus mutantes dos animais atingirem o homem e passarem a ser transmitidos de pessoa a pessoa. A Sars veio do morcego-de-ferradura através de infecção em gatos selvagens, que, caçados pelo homem, originaram a epidemia humana. A Mers veio dos morcegos através de camelos infectados para o homem. Na Coreia, a Mers se tornou epidêmica pelos hospitais até descobrirem a chegada do vírus no país e tomarem as medidas de isolamento. Por isso, era esperada uma nova pandemia de um novo coronavírus.
Valor: Por que esses eventos podem ser mais frequentes daqui por diante?
Ujvari: Com o aumento da população mundial para mais de 7 bilhões de habitantes há maior risco de invasão de áreas virgens do planeta ou contato com maior número de animais selvagens que possam albergar vírus mutantes. O risco é maior em áreas do planeta com maior densidade demográfica e hábitos de caçar animais selvagens, exemplo da China. Além disso, corremos o risco de novos vírus influenza das aves atingirem os homens pela quantidade cada vez maior de aves domesticadas para alimentação, ou mesmo vírus influenza com recombinação genética de vírus influenza de porcos e aves pela aglomeração desses animais na China.
Valor: Como o senhor vê a disputa entre as propostas de isolamento horizontal e vertical?
Ujvari: Há estudos que mostram a eficácia do isolamento horizontal para conter a disseminação viral. Esses estudos em modelos matemáticos foram criados para eventual vírus letal novo que pudesse aparecer, principalmente novos e letais tipos de influenza. Na situação atual, tem a lógica de ser implementado o isolamento horizontal para evitar o colapso do sistema de saúde.
Valor: É possível produzir um vírus como esse em laboratório?
Ujvari: Sim. Podemos recombinar fragmentos genéticos de vírus diferentes. Porém, já temos exemplos de vírus como esse mutante dos morcegos - e é o que acredito.
Valor: Como a humanidade lidou com os vírus ao longo de nossa existência? Houve mais aprendizado ou negligência?
Ujvari: Nesta epidemia vemos vários exemplos das epidemias passadas. Na gripe espanhola de 1918 se administrava quinino [droga parente da cloroquina] na tentativa de cura. Surgiam tratamentos alternativos com ingestão de pinga, alho, limão, que se esgotaram nos mercados. Ou tiveram os preços elevados. Pânico na busca de um culpado pelas epidemias passadas também vemos nas epidemias de peste negra, em que culpavam os judeus na Europa.
Valor: Haverá um mundo pós-covid-19 ou este é o novo normal?
Ujvari: Acredito que haverá, sim. Com o número maior de imunizados pela doença ou com a chegada da vacina ou tratamento, haverá chance de o vírus se extinguir. Outra possibilidade será reduzir sua agressividade no homem. A epidemia passará, e acredito no retorno da vida normal. Este não é o novo normal.
Valor: Um estudo da Universidade Harvard diz que teremos que viver em isolamento intermitente até 2022. Como analisa essa perspectiva?
Ujvari: Não dá para arriscar nenhum palpite. São várias especulações e hipóteses. Podemos ter isolamentos recorrentes de acordo com uma nova onda epidêmica, mas podemos encontrar o contrário também. A gripe espanhola veio em ondas epidêmicas até seu término em dois anos. Tudo é especulação.
Valor: Como proteger as pessoas idosas nesses eventos sanitários? De que forma o envelhecimento da população causa impacto na evolução das pandemias?
Ujvari: A única maneira de proteção dos idosos está no isolamento até a chegada de uma vacina ou tratamento.
Valor: Quais são os grandes avanços da medicina provocados pelos vírus?
Ujvari: Depois da descoberta dos antibióticos para as bactérias, a ciência voltou os olhos aos vírus, e, nesse caso, o surgimento da aids alavancou as pesquisas para novas drogas antivirais. Chegamos, depois da era bacteriológica à era virológica, em que assíduas pesquisas buscam drogas eficazes.
Valor: A Organização Mundial da Saúde (OMS) fala em “teste, teste, teste”. Mas não há testes suficientes no mercado internacional. Como o senhor vê esse risco?
Ujvari: Precisamos de testes para avaliar a dimensão real da epidemia e topografar as áreas de maior ou menor risco epidêmico. Além disso, a testagem nos guiará em relação às condutas de isolamento ou mesmo saída dos isolamentos atuais.
Valor: Ao longo da história, como o senhor mostra em seu livro, os vírus (e as doenças) foram mudando o comportamento dos indivíduos e da sociedade. O que acredita que esse vírus irá alterar em termo de hábitos, comportamentos e costumes das pessoas?
Ujvari: Acho que a população, daqui para a frente, terá muito mais medidas preventivas no dia a dia, como lavagens das mãos, etiqueta ao tossir e espirrar, cuidados com familiares no domicílio, preocupação de não infectar o próximo.
Ele alerta para o estágio inicial de conhecimento científico sobre o Sars-Cov-2. Certo mesmo, diz o médico nesta entrevista ao Valor, é que novos vírus mutantes surgirão na natureza e que haverá um pós-covid-19. “Este não é o novo normal.”
Valor: Até que ponto esta pandemia, com tal potencial de contaminação, era previsível?
Stefan Cunha Ujvari: Vimos com as epidemias passadas dos coronavírus (Sars e Mers) que há imensa possibilidade de vírus mutantes dos animais atingirem o homem e passarem a ser transmitidos de pessoa a pessoa. A Sars veio do morcego-de-ferradura através de infecção em gatos selvagens, que, caçados pelo homem, originaram a epidemia humana. A Mers veio dos morcegos através de camelos infectados para o homem. Na Coreia, a Mers se tornou epidêmica pelos hospitais até descobrirem a chegada do vírus no país e tomarem as medidas de isolamento. Por isso, era esperada uma nova pandemia de um novo coronavírus.
Valor: Por que esses eventos podem ser mais frequentes daqui por diante?
Ujvari: Com o aumento da população mundial para mais de 7 bilhões de habitantes há maior risco de invasão de áreas virgens do planeta ou contato com maior número de animais selvagens que possam albergar vírus mutantes. O risco é maior em áreas do planeta com maior densidade demográfica e hábitos de caçar animais selvagens, exemplo da China. Além disso, corremos o risco de novos vírus influenza das aves atingirem os homens pela quantidade cada vez maior de aves domesticadas para alimentação, ou mesmo vírus influenza com recombinação genética de vírus influenza de porcos e aves pela aglomeração desses animais na China.
Valor: Como o senhor vê a disputa entre as propostas de isolamento horizontal e vertical?
Ujvari: Há estudos que mostram a eficácia do isolamento horizontal para conter a disseminação viral. Esses estudos em modelos matemáticos foram criados para eventual vírus letal novo que pudesse aparecer, principalmente novos e letais tipos de influenza. Na situação atual, tem a lógica de ser implementado o isolamento horizontal para evitar o colapso do sistema de saúde.
Valor: É possível produzir um vírus como esse em laboratório?
Ujvari: Sim. Podemos recombinar fragmentos genéticos de vírus diferentes. Porém, já temos exemplos de vírus como esse mutante dos morcegos - e é o que acredito.
Valor: Como a humanidade lidou com os vírus ao longo de nossa existência? Houve mais aprendizado ou negligência?
Ujvari: Nesta epidemia vemos vários exemplos das epidemias passadas. Na gripe espanhola de 1918 se administrava quinino [droga parente da cloroquina] na tentativa de cura. Surgiam tratamentos alternativos com ingestão de pinga, alho, limão, que se esgotaram nos mercados. Ou tiveram os preços elevados. Pânico na busca de um culpado pelas epidemias passadas também vemos nas epidemias de peste negra, em que culpavam os judeus na Europa.
Valor: Haverá um mundo pós-covid-19 ou este é o novo normal?
Ujvari: Acredito que haverá, sim. Com o número maior de imunizados pela doença ou com a chegada da vacina ou tratamento, haverá chance de o vírus se extinguir. Outra possibilidade será reduzir sua agressividade no homem. A epidemia passará, e acredito no retorno da vida normal. Este não é o novo normal.
Valor: Um estudo da Universidade Harvard diz que teremos que viver em isolamento intermitente até 2022. Como analisa essa perspectiva?
Ujvari: Não dá para arriscar nenhum palpite. São várias especulações e hipóteses. Podemos ter isolamentos recorrentes de acordo com uma nova onda epidêmica, mas podemos encontrar o contrário também. A gripe espanhola veio em ondas epidêmicas até seu término em dois anos. Tudo é especulação.
Valor: Como proteger as pessoas idosas nesses eventos sanitários? De que forma o envelhecimento da população causa impacto na evolução das pandemias?
Ujvari: A única maneira de proteção dos idosos está no isolamento até a chegada de uma vacina ou tratamento.
Valor: Quais são os grandes avanços da medicina provocados pelos vírus?
Ujvari: Depois da descoberta dos antibióticos para as bactérias, a ciência voltou os olhos aos vírus, e, nesse caso, o surgimento da aids alavancou as pesquisas para novas drogas antivirais. Chegamos, depois da era bacteriológica à era virológica, em que assíduas pesquisas buscam drogas eficazes.
Valor: A Organização Mundial da Saúde (OMS) fala em “teste, teste, teste”. Mas não há testes suficientes no mercado internacional. Como o senhor vê esse risco?
Ujvari: Precisamos de testes para avaliar a dimensão real da epidemia e topografar as áreas de maior ou menor risco epidêmico. Além disso, a testagem nos guiará em relação às condutas de isolamento ou mesmo saída dos isolamentos atuais.
Valor: Ao longo da história, como o senhor mostra em seu livro, os vírus (e as doenças) foram mudando o comportamento dos indivíduos e da sociedade. O que acredita que esse vírus irá alterar em termo de hábitos, comportamentos e costumes das pessoas?
Ujvari: Acho que a população, daqui para a frente, terá muito mais medidas preventivas no dia a dia, como lavagens das mãos, etiqueta ao tossir e espirrar, cuidados com familiares no domicílio, preocupação de não infectar o próximo.
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