Jordi Pérez Colomé escreve no El País uma reportagem sensacional, publicada dia 21/5, sobre as atividades de uma pessoa que atuava na disseminação de fake news no Twitter. Vale muito a leitura, abaixo, na íntegra.
“Coordenei uma equipe de trolls formada por 10 pessoas. Mas há equipes maiores no setor”, diz um community manager que durante boa parte da última década atuou em uma agência internacional que vendia serviços de amplificação artificial de mensagens no Twitter. “Trabalhei em projetos em cinco países, entre eles a Espanha. Existe uma demanda para contratos desse tipo que não é anunciada nas Páginas Amarelas”, diz.
Com esta experiência, ele agora quer revelar como funciona esse negócio obscuro capaz de influenciar a opinião pública. Há algumas semanas, começou a contar detalhes em uma conta do Twitter chamada ironicamente @thebotruso (“o robô russo”). O EL PAÍS, que comprovou seu papel na agência em questão, trocou dúzias de mensagens com @thebotruso sobre como são preparadas a executadas atualmente as célebres campanhas de bots e trolls a serviço de empresas, partidos políticos ou clubes esportivos. O ex-funcionário mantém o anonimato porque um contrato de confidencialidade o impede de revelar o conteúdo específico e os clientes de seu antigo trabalho.
O Twitter não é uma réplica da vida real. Mas os debates ou opiniões que dominam a rede frequentemente vão parar na mídia. Ou mesmo na tribuna dos Parlamentos. “As ruas estão ficando cheias de bots”, disse com ironia Santiago Abascal, líder do partido Vox, ao primeiro-ministro espanhol, o socialista Pedro Sánchez, durante um debate nesta segunda-feira, referindo-se a recentes manifestações da direita no país. Uma parte das contas que discutem no Twitter é falsa. O problema é saber quantas ou, mais difícil, quais são, e que influência exercem. “Eu gostava de chamar a atenção de jornalistas afins. Aumenta muito nosso ego que um jornalista pegue os conteúdos de sua conta troll como fonte dos seus artigos, além de ajudar a ganhar visibilidade”, conta @thebotruso.
1. Nem todos são ‘bots’
Por definição se usa bot como sinônimo de conta falsa no Twitter. Mas um bot é uma conta automatizada, não necessariamente falsa. Anos atrás, eles eram os principais encarregados de amplificar mensagens: faziam milhares de retuítes ou likes, ou serviam para engrossar contas de seguidores. Continuam tendo essa finalidade, mas, graças a ações do Twitter e à maior sofisticação dos usuários atuais, ficou mais fácil descobri-los e eliminá-los.
A agência onde @thebotruso trabalhava tem um software para programar bots. Ele dá ordens para fazer tantos retuítes de tais contas ou disparar tuítes previamente redigidos em horários determinados. É barato, mas pouco refinado. “Continua-se trabalhando para amplificar o conteúdo, mas é preciso ser cuidadoso, porque pode acarretar um problema de reputação ao cliente”, diz.
Para evitá-lo, há vários recursos que permitem humanizar ou desvincular esses bots de uma campanha: "Os bots não irão retuitar qualquer coisa que se mexa. Se forem feitas ações com um troll específico, por exemplo, isso gera um padrão, com o que um analista de dados da concorrência seria capaz de levantar a lebre”, diz.
Os bots tampouco seguirão a conta do cliente que os paga, como precaução para uma eventual descoberta. “Se pegarmos como exemplo a causa independentista [da Catalunha], os bots seguirão diferentes partidos, políticos e associações, mas não o cliente final”, explica. Também se observa se há usuários reais interagindo com algum bot. Nesse caso, um funcionário entrará no circuito para responder.
2. A chave são dois tipos de trolls
A definição habitual de troll está associada a um usuário vândalo ou impertinente. Na agência, essas eram suas contas-estrelas. Cada empregado podia administrar 30 delas, cada uma com seu comportamento humano. Os trolls se dividiam em alfa e beta.
As contas alfa difundem a mensagem. Começavam com uma estratégia de “me siga e eu te sigo”, para ganhar peso. Seus tuítes iniciais eram inflados pelos bots e depois interagiam com contas importantes para chamar a atenção. Na Espanha, ficou famosa a conta de Miguel Lacambra, que conseguiu 20.000 seguidores em poucas semanas com uma estratégia similar.
Os trolls beta são os guerrilheiros. Dedicam-se a amansar a crítica. São contas que respondem a tuítes de famosos com insultos ou ameaças. “Os afetados pelos ataques dos beta veem as respostas a seus tuítes e muitas vezes se contêm um pouco na hora de tuitar, dependendo do tema. Sentem-se incômodos e passam a querer ter um perfil mais discreto. O sistema é eficaz. Por isso, continuam sendo contratados e aperfeiçoados. E nós, usuários, continuamos caindo”, diz.
3. O objetivo: enganar o Twitter
Uma parte dos esforços é dedicada a evitar a detecção das armadilhas e aumentar a probabilidade de sucesso: “Os trolls não se seguirão entre si e se limitará a interação entre eles para que liderem vários grupos de diálogo e porque uma relação habitual entre dois ou mais trolls poria a operação em risco”, diz @thebotruso. As contas são mapeadas com uma ferramenta habitual entre pesquisadores, chamada Gephi, para ver se a relação entre eles é destacável: “Esses gephis seriam capazes de revelar a relação entre nossas contas (trolls e bots), por isso todo cuidado é pouco”, diz.
Há, além disso, um objetivo permanente em todas essas operações: evitar padrões. “Cada conta que um troll dirige deve escrever diferente: as pessoas têm tendência a utilizar certas expressões e deixar padrões de escrita, como pôr dois pontos de exclamação ou terminar todas as frases com reticências”, conta.
Os ardis para enganar o Twitter são ainda mais destacáveis com os bots automatizados: “O software comanda todos os bots, que se dividem em grupos. Cada grupo utiliza uma API [ferramenta para usar automaticamente o Twitter]. E o endereço IP é variado de forma aleatória. Chegamos a ter 3.000 ou 4.000 contas em uma mesma API, e me consta que poderiam ser usadas até mais. O problema é que, se você tiver muitas contas tuitando direto sob uma mesma API, pode levar o Twitter a bloqueá-la”, explica. Embora essas ferramentas permitam administrar milhares de contas, é preciso personalizar cada uma delas com foto, nome e biografia. É um trabalho longo demais para que o Twitter derrube 2.000 perfis de uma vez.
4. Toda campanha tem um plano
Cada campanha é preparada com análise de dados e objetivos diários. Os bots e trolls não surgem do nada. Antes de uma campanha, cientistas de dados analisam a conversação pública sobre o tema que interessa ao cliente: um partido que deseja ampliar sua bancada, uma empresa que espera bater um concorrente, ou um time de futebol com problemas de credibilidade.
“Eles veem quantas contas estão participando de um tema e se estabelece quantas seriam necessárias para ter influência”, diz. Também é analisado o sentimento e os influencers desses assuntos: “São feitas listas de contas favoráveis e contrárias, e se analisa o peso que elas têm”, diz. Essa informação é chave para o funcionamento da campanha: “Serve para que o troll saiba com que usuários interagir, para gerar um núcleo com eles, a quais responder e perseguir com os beta, e com que usuários nem sequer vale a pena perder tempo. Não é a mesma coisa iniciar uma conta do tranco ou com uma quantidade imensa de informação. O troll alfa sabe a quem se dirigir, com que tom, e o que comunicar”.
Uma campanha pode chegar a custar um milhão de euros (6,2 milhões de reais). O cliente espera resultados concretos e demonstráveis. Uma campanha média pode exigir entre 1.500 e 2.000 bots e trolls.
Enquanto os usuários normais do Twitter entram na rede para ver o que acontece, estas operações envolvendo centenas de contas falsas têm um plano diário. É como se a cada jornada um chefe mafioso enviasse um grupo de asseclas a uma cidade com um plano delicadamente concebido para que executem uma série de missões concretas e semeiem o pânico sem serem detectados. O objetivo é fazer os cidadãos acreditarem em coisas que não são verdade: não só com notícias falsas, mas também com ações que sugiram que mais gente acredita em determinada coisa do que realmente ocorre. Seria como inflar uma pesquisa de opinião. Claro que frequentemente se enfrentam equipes que buscam justamente o contrário.
Isto não fica só na teoria. Seus efeitos têm consequências no mundo real. “As pessoas tendem a compartilhar sua opinião quando se sentem protegidas pela comunidade”, diz esse agente. “Houve um tempo em que muitos catalães não independentistas não publicavam suas ideias nas redes porque entravam no Twitter e tinham a sensação que meio mundo era independentista.”
Estas ações em redes permitem abrir o caminho para opiniões radicais. De repente, alguém vê que a crítica aberta a imigrantes ou mulheres está permitida. Talvez não seja feita com crueldade ostensiva, e sim com memes ou palavras em código, mas está lá. Não se sabe se essas contas são controladas por uma dúzia de empregados em um escritório.
5. Como enganar um jornalista
Frequentemente, os jornalistas não têm consciência de como é fácil lhes passar mercadoria falsa. Um dos motivos que levou @thebotruso a criar essa conta e querer contar sua experiência foi para tentar advertir dos perigos: “Quem trabalha na mídia nem sempre conhece esse ecossistema. De certo modo, é fácil enganar um jornalista. Eles estão sempre procurando informações e, hoje em dia, a Internet é uma fonte muito grande. Se um jornalista topar com seu conteúdo, vir que tem apoio e que se encaixa no que ele quer (ou precisa) comunicar, talvez pegue. As estratégias para cada caso são diferentes. Por exemplo: para uma empresa acusada de corrupção, criamos um ecossistema que defendia os postos de trabalho (trabalhadores preocupados com as medidas exigidas contra a empresa)”, explica.
6. Como manipular uma pesquisa no Twitter
Os bots são úteis para ganhar uma pesquisa na rede. Estes são os passos que esta agência seguia: “Detecta-se a pesquisa e se faz uma captura de tela. É feito um cálculo para saber quantos votos são necessários para virar os resultados, e o valor de cada ponto percentual. Tem início a operação para que a opção desejada vença. Monitora-se para ver que tudo funciona corretamente”.
7. A criação de um ‘trending topic’
As opções para conseguir um trending topic eram mais reduzidas, mas a estratégia era clara. A agência trabalhava durante dias para atingir seu objetivo. “A primeira coisa é escolher um dia e uma hora. Procura-se não coincidir com eventos como um jogo de futebol ou o Big Brother”, explica @thebotruso. “Escolhe-se uma hashtag, é importante que não tenha sido utilizada antes, porque são mais difíceis de posicionar. Aciona-se a equipe de redatores que escrevem milhares de tuítes durante vários dias para que sejam publicados pela rede de bots”, acrescenta.
Usuários reais também são avisados, para caso tenham interesse. “São enviadas comunicações a pessoas afins para avisar da ação: tal dia, a tal hora, sairemos com tal hashtag para nos queixar, convidamos você à ação para ver se conseguimos ser tendência e fazer que nos ouçam”.
Chega o grande dia: “Os analistas olham quantos tuítes são necessários para entrar nas tendências. Os tuítes são inseridos na plataforma de bots. O cliente dispara o primeiro tuíte. Rapidamente a rede de bots é acionada. É crucial que haja muitos tuítes em um espaço curto de tempo. Os trolls alfa saem com tuítes de impacto. Os analistas de dados monitoram para saber se é preciso disparar mais tuítes, ou se é o caso de frear a rede de bots. Os trolls beta apoiam a ação, respondem aos críticos, estimulam outros usuários com a mesma ideologia”.
Passada a missão, com sucesso ou não, é hora de dissimular as provas: “A ação dos bots é detida e limpa: as contas bot fazem tuítes e retuítes de outros temas para que, se alguém aparecer para ver essas contas, não veja que só entraram para fazer tuítes sobre o trending e foram dormir. Os trolls podem continuar tuitando por algum tempo, e depois farão uma limpa, como os bots”, acrescenta. “Finalmente, prepara-se um relatório para o cliente”.
E como tudo isso afeta quem o faz? “Todos estávamos conscientes do que estávamos pondo em jogo. E eu gosto dessa palavra: jogo. Sempre recomendei a todo mundo que encarasse como jogar War, porque é fácil encarar os projetos como algo pessoal, e às vezes é difícil administrar a diferença entre a sua conta troll e você. Por sorte, nunca tive ninguém de licença por depressão, ansiedade ou nada parecido”.
“Coordenei uma equipe de trolls formada por 10 pessoas. Mas há equipes maiores no setor”, diz um community manager que durante boa parte da última década atuou em uma agência internacional que vendia serviços de amplificação artificial de mensagens no Twitter. “Trabalhei em projetos em cinco países, entre eles a Espanha. Existe uma demanda para contratos desse tipo que não é anunciada nas Páginas Amarelas”, diz.
Com esta experiência, ele agora quer revelar como funciona esse negócio obscuro capaz de influenciar a opinião pública. Há algumas semanas, começou a contar detalhes em uma conta do Twitter chamada ironicamente @thebotruso (“o robô russo”). O EL PAÍS, que comprovou seu papel na agência em questão, trocou dúzias de mensagens com @thebotruso sobre como são preparadas a executadas atualmente as célebres campanhas de bots e trolls a serviço de empresas, partidos políticos ou clubes esportivos. O ex-funcionário mantém o anonimato porque um contrato de confidencialidade o impede de revelar o conteúdo específico e os clientes de seu antigo trabalho.
O Twitter não é uma réplica da vida real. Mas os debates ou opiniões que dominam a rede frequentemente vão parar na mídia. Ou mesmo na tribuna dos Parlamentos. “As ruas estão ficando cheias de bots”, disse com ironia Santiago Abascal, líder do partido Vox, ao primeiro-ministro espanhol, o socialista Pedro Sánchez, durante um debate nesta segunda-feira, referindo-se a recentes manifestações da direita no país. Uma parte das contas que discutem no Twitter é falsa. O problema é saber quantas ou, mais difícil, quais são, e que influência exercem. “Eu gostava de chamar a atenção de jornalistas afins. Aumenta muito nosso ego que um jornalista pegue os conteúdos de sua conta troll como fonte dos seus artigos, além de ajudar a ganhar visibilidade”, conta @thebotruso.
1. Nem todos são ‘bots’
Por definição se usa bot como sinônimo de conta falsa no Twitter. Mas um bot é uma conta automatizada, não necessariamente falsa. Anos atrás, eles eram os principais encarregados de amplificar mensagens: faziam milhares de retuítes ou likes, ou serviam para engrossar contas de seguidores. Continuam tendo essa finalidade, mas, graças a ações do Twitter e à maior sofisticação dos usuários atuais, ficou mais fácil descobri-los e eliminá-los.
A agência onde @thebotruso trabalhava tem um software para programar bots. Ele dá ordens para fazer tantos retuítes de tais contas ou disparar tuítes previamente redigidos em horários determinados. É barato, mas pouco refinado. “Continua-se trabalhando para amplificar o conteúdo, mas é preciso ser cuidadoso, porque pode acarretar um problema de reputação ao cliente”, diz.
Para evitá-lo, há vários recursos que permitem humanizar ou desvincular esses bots de uma campanha: "Os bots não irão retuitar qualquer coisa que se mexa. Se forem feitas ações com um troll específico, por exemplo, isso gera um padrão, com o que um analista de dados da concorrência seria capaz de levantar a lebre”, diz.
Os bots tampouco seguirão a conta do cliente que os paga, como precaução para uma eventual descoberta. “Se pegarmos como exemplo a causa independentista [da Catalunha], os bots seguirão diferentes partidos, políticos e associações, mas não o cliente final”, explica. Também se observa se há usuários reais interagindo com algum bot. Nesse caso, um funcionário entrará no circuito para responder.
2. A chave são dois tipos de trolls
A definição habitual de troll está associada a um usuário vândalo ou impertinente. Na agência, essas eram suas contas-estrelas. Cada empregado podia administrar 30 delas, cada uma com seu comportamento humano. Os trolls se dividiam em alfa e beta.
As contas alfa difundem a mensagem. Começavam com uma estratégia de “me siga e eu te sigo”, para ganhar peso. Seus tuítes iniciais eram inflados pelos bots e depois interagiam com contas importantes para chamar a atenção. Na Espanha, ficou famosa a conta de Miguel Lacambra, que conseguiu 20.000 seguidores em poucas semanas com uma estratégia similar.
Os trolls beta são os guerrilheiros. Dedicam-se a amansar a crítica. São contas que respondem a tuítes de famosos com insultos ou ameaças. “Os afetados pelos ataques dos beta veem as respostas a seus tuítes e muitas vezes se contêm um pouco na hora de tuitar, dependendo do tema. Sentem-se incômodos e passam a querer ter um perfil mais discreto. O sistema é eficaz. Por isso, continuam sendo contratados e aperfeiçoados. E nós, usuários, continuamos caindo”, diz.
3. O objetivo: enganar o Twitter
Uma parte dos esforços é dedicada a evitar a detecção das armadilhas e aumentar a probabilidade de sucesso: “Os trolls não se seguirão entre si e se limitará a interação entre eles para que liderem vários grupos de diálogo e porque uma relação habitual entre dois ou mais trolls poria a operação em risco”, diz @thebotruso. As contas são mapeadas com uma ferramenta habitual entre pesquisadores, chamada Gephi, para ver se a relação entre eles é destacável: “Esses gephis seriam capazes de revelar a relação entre nossas contas (trolls e bots), por isso todo cuidado é pouco”, diz.
Há, além disso, um objetivo permanente em todas essas operações: evitar padrões. “Cada conta que um troll dirige deve escrever diferente: as pessoas têm tendência a utilizar certas expressões e deixar padrões de escrita, como pôr dois pontos de exclamação ou terminar todas as frases com reticências”, conta.
Os ardis para enganar o Twitter são ainda mais destacáveis com os bots automatizados: “O software comanda todos os bots, que se dividem em grupos. Cada grupo utiliza uma API [ferramenta para usar automaticamente o Twitter]. E o endereço IP é variado de forma aleatória. Chegamos a ter 3.000 ou 4.000 contas em uma mesma API, e me consta que poderiam ser usadas até mais. O problema é que, se você tiver muitas contas tuitando direto sob uma mesma API, pode levar o Twitter a bloqueá-la”, explica. Embora essas ferramentas permitam administrar milhares de contas, é preciso personalizar cada uma delas com foto, nome e biografia. É um trabalho longo demais para que o Twitter derrube 2.000 perfis de uma vez.
4. Toda campanha tem um plano
Cada campanha é preparada com análise de dados e objetivos diários. Os bots e trolls não surgem do nada. Antes de uma campanha, cientistas de dados analisam a conversação pública sobre o tema que interessa ao cliente: um partido que deseja ampliar sua bancada, uma empresa que espera bater um concorrente, ou um time de futebol com problemas de credibilidade.
“Eles veem quantas contas estão participando de um tema e se estabelece quantas seriam necessárias para ter influência”, diz. Também é analisado o sentimento e os influencers desses assuntos: “São feitas listas de contas favoráveis e contrárias, e se analisa o peso que elas têm”, diz. Essa informação é chave para o funcionamento da campanha: “Serve para que o troll saiba com que usuários interagir, para gerar um núcleo com eles, a quais responder e perseguir com os beta, e com que usuários nem sequer vale a pena perder tempo. Não é a mesma coisa iniciar uma conta do tranco ou com uma quantidade imensa de informação. O troll alfa sabe a quem se dirigir, com que tom, e o que comunicar”.
Uma campanha pode chegar a custar um milhão de euros (6,2 milhões de reais). O cliente espera resultados concretos e demonstráveis. Uma campanha média pode exigir entre 1.500 e 2.000 bots e trolls.
Enquanto os usuários normais do Twitter entram na rede para ver o que acontece, estas operações envolvendo centenas de contas falsas têm um plano diário. É como se a cada jornada um chefe mafioso enviasse um grupo de asseclas a uma cidade com um plano delicadamente concebido para que executem uma série de missões concretas e semeiem o pânico sem serem detectados. O objetivo é fazer os cidadãos acreditarem em coisas que não são verdade: não só com notícias falsas, mas também com ações que sugiram que mais gente acredita em determinada coisa do que realmente ocorre. Seria como inflar uma pesquisa de opinião. Claro que frequentemente se enfrentam equipes que buscam justamente o contrário.
Isto não fica só na teoria. Seus efeitos têm consequências no mundo real. “As pessoas tendem a compartilhar sua opinião quando se sentem protegidas pela comunidade”, diz esse agente. “Houve um tempo em que muitos catalães não independentistas não publicavam suas ideias nas redes porque entravam no Twitter e tinham a sensação que meio mundo era independentista.”
Estas ações em redes permitem abrir o caminho para opiniões radicais. De repente, alguém vê que a crítica aberta a imigrantes ou mulheres está permitida. Talvez não seja feita com crueldade ostensiva, e sim com memes ou palavras em código, mas está lá. Não se sabe se essas contas são controladas por uma dúzia de empregados em um escritório.
5. Como enganar um jornalista
Frequentemente, os jornalistas não têm consciência de como é fácil lhes passar mercadoria falsa. Um dos motivos que levou @thebotruso a criar essa conta e querer contar sua experiência foi para tentar advertir dos perigos: “Quem trabalha na mídia nem sempre conhece esse ecossistema. De certo modo, é fácil enganar um jornalista. Eles estão sempre procurando informações e, hoje em dia, a Internet é uma fonte muito grande. Se um jornalista topar com seu conteúdo, vir que tem apoio e que se encaixa no que ele quer (ou precisa) comunicar, talvez pegue. As estratégias para cada caso são diferentes. Por exemplo: para uma empresa acusada de corrupção, criamos um ecossistema que defendia os postos de trabalho (trabalhadores preocupados com as medidas exigidas contra a empresa)”, explica.
6. Como manipular uma pesquisa no Twitter
Os bots são úteis para ganhar uma pesquisa na rede. Estes são os passos que esta agência seguia: “Detecta-se a pesquisa e se faz uma captura de tela. É feito um cálculo para saber quantos votos são necessários para virar os resultados, e o valor de cada ponto percentual. Tem início a operação para que a opção desejada vença. Monitora-se para ver que tudo funciona corretamente”.
7. A criação de um ‘trending topic’
As opções para conseguir um trending topic eram mais reduzidas, mas a estratégia era clara. A agência trabalhava durante dias para atingir seu objetivo. “A primeira coisa é escolher um dia e uma hora. Procura-se não coincidir com eventos como um jogo de futebol ou o Big Brother”, explica @thebotruso. “Escolhe-se uma hashtag, é importante que não tenha sido utilizada antes, porque são mais difíceis de posicionar. Aciona-se a equipe de redatores que escrevem milhares de tuítes durante vários dias para que sejam publicados pela rede de bots”, acrescenta.
Usuários reais também são avisados, para caso tenham interesse. “São enviadas comunicações a pessoas afins para avisar da ação: tal dia, a tal hora, sairemos com tal hashtag para nos queixar, convidamos você à ação para ver se conseguimos ser tendência e fazer que nos ouçam”.
Chega o grande dia: “Os analistas olham quantos tuítes são necessários para entrar nas tendências. Os tuítes são inseridos na plataforma de bots. O cliente dispara o primeiro tuíte. Rapidamente a rede de bots é acionada. É crucial que haja muitos tuítes em um espaço curto de tempo. Os trolls alfa saem com tuítes de impacto. Os analistas de dados monitoram para saber se é preciso disparar mais tuítes, ou se é o caso de frear a rede de bots. Os trolls beta apoiam a ação, respondem aos críticos, estimulam outros usuários com a mesma ideologia”.
Passada a missão, com sucesso ou não, é hora de dissimular as provas: “A ação dos bots é detida e limpa: as contas bot fazem tuítes e retuítes de outros temas para que, se alguém aparecer para ver essas contas, não veja que só entraram para fazer tuítes sobre o trending e foram dormir. Os trolls podem continuar tuitando por algum tempo, e depois farão uma limpa, como os bots”, acrescenta. “Finalmente, prepara-se um relatório para o cliente”.
E como tudo isso afeta quem o faz? “Todos estávamos conscientes do que estávamos pondo em jogo. E eu gosto dessa palavra: jogo. Sempre recomendei a todo mundo que encarasse como jogar War, porque é fácil encarar os projetos como algo pessoal, e às vezes é difícil administrar a diferença entre a sua conta troll e você. Por sorte, nunca tive ninguém de licença por depressão, ansiedade ou nada parecido”.
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