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Mario Sergio Conti: esperar que a elite detenha Bolsonaro é aceitar um golpe e milhares de mortes

Aconteceu o previsto nos idos de março. Milhões se acotovelam para receber uma merreca. Os exames para detectar o corona são irrisórios. O SUS superlotou e os planos de saúde querem que os pobres se explodam. O Mitômano sabota o confinamento e prepara um golpe, escreve o colunista da Folha neste sábado, 9/5. Vale muito a leitura, continua abaixo.

Os números sobre a peste são subestimados e suspeitos —exceto o dos mortos, que cresce de modo apavorante. É cada um por si e Messias contra todos. Está certo que ele não é mais lambido por Mouro e Maneta; por Joice Hellmann’s e Janaína del Fuego; por Frotão e Lobinho.
Mas os afagos testiculares da turma são largamente compensados pelo largo —bota largo nisso— derrière de Maia, que sentou numa pilha de pedidos de impeachment. E a debandada dos palacianos é reequilibrada pela subserviência de Toffoli, estafeta do PT transmutado em rábula de Bozo.
Por fim, há bois à beça no rebanho dos aduladores. Os zebus são pastoreados por Guedes, que na quinta-feira levou 15 reses pelo cabresto ao estábulo em frente ao Planalto. “Muuuu”, mugiram elas enquanto o dócil Toffoli lustrava as ferraduras do Cavalão indócil.
Guedes obedece aos donos do dinheiro. Cumpre ordens de gente fofa como o cervejeiro Jorge Paulo Lemann, que está amando de paixão a mortandade: “O que gosto mais é que toda crise é cheia de oportunidades” (O Globo, 16 de abril). Vai uma cervejinha?
Ou Guilherme Benchimol, o especulador classudo: “O pico da doença já passou quando a gente analisa a classe média alta”. E vaticinou: “Se as reformas continuarem avançando, a crise política não atrapalha” (Folha, 5 de maio). Invista em mim, que a crise é mansa!
A guarânia das reformas para atrair investimento externo não termina nunca por um motivo singelo: o investimento externo só chegará se —e quando— as reformas diminuírem o valor do trabalho. Vide a Ásia.
Os dólares virão se os direitos trabalhistas virarem pó, quando sindicatos e partidos populares forem anestesiados. Chegarão às mancheias se a liberdade e a democracia forem letra morta. Daí o conluio dos faria limers com o ferrabrás.
Não é verdade que a pandemia tenha feito Bolsonaro alucinar. O lado poltrão e pirado do Cavalão já era bem conhecido. Mas a Covid-19 fez com que acelerasse o galope rumo ao golpe e escoiceasse adoidado. Sua louca cavalgada tem duas constantes.
Primeiro o Mito pintou a Esplanada de verde-oliva. Com 3.000 milicos, o Executivo é hoje uma caserna.
Como os azeitonas têm expertise em destruir, foram incumbidos de gerir o féretro pandêmico. Receberam também a missão de atacar a Amazônia e acobertar agronegociatas.
As classes conversadoras solfejaram meses a fio a pia ladainha que generais iluminados tutelariam o Mitômano. Deu-se o contrário. Ele é o chefão inconteste das Forças Armadas. Vem encurralando o Supremo e o Congresso para, na hora agá, recorrer à força bruta e peitá-los.
Como faria isso? Messias tem vários cenários e pretextos à mão: descumprir uma ordem judicial; saques; a prisão de um filho; a sublevação de um setor da PM; um levante popular; inventar uma conspiração comunista.
Numa paisagem de caos, contando com a simpatia de Trump e a obediência da tropa, Bozo pode muito.
E tanto mais poderá se não for enfrentado. Mas, exceto por um ou outro juiz, os mandachuvas se limitam ao suave palavrório das notinhas de repúdio. O grosso da elite tem lavado as mãos.
A provocação, o incremento da divisão política, da discórdia e da depuração são traços do bonapartismo —essa trilha rumo à ditadura. Eles se coadunam com a segunda constante do governo Bolsonaro, que se acentuou nos últimos dias: a mobilização da escória para fins de intimidação física.
Foi o que se deu no 1º de maio: o presidente reuniu sua corja, que clamou pela ditadura e esmurrou jornalistas. O troco veio pouco depois, na mesma praça dos Três Poderes.
Chamados pelo seu sindicato, dezenas de enfermeiros protestaram ali. Ao contrário dos bolsonaristas, usaram máscaras e mantiveram distância entre si. Atacados pela malta verde-amarela, eles se mantiveram firmes e altivos.
Houve protestos semelhantes nos dias seguintes. Todos eles respeitaram as normas de segurança da pandemia. Mostraram disposição em não ceder o espaço público aos bandidos e milicianos do presidente.
Os protestos deram carne às palavras do ator Lima Duarte, que citou Brecht para homenagear seu amigo Flávio Migliaccio, que se suicidara de desgosto dias antes: “Os que lavam as mãos o fazem numa bacia de sangue”.
Mario Sergio Conti, jornalista, é autor de "Notícias do Planalto".


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