Das saídas constitucionais para o fim do governo Jair Bolsonaro, a da cassação da chapa pelo Tribunal Superior Eleitoral é aquela que parece mais simples. Não carece de convencer o capitão a renunciar, nem de alargar o funil dos 343 votos necessários à chancela parlamentar para um processo de impeachment. Bastam quatro votos. O caminho para esta maioria pró-cassação, porém, é de um sinuoso labirinto, escreve a colunista do Valor Econômico em artigo publicado dia 21/5 no jornal. Continua abaixo
São seis os processos que correm no TSE. Tem de tudo lá, mas nenhuma das acusações agrega maior apelo hoje do que o disparo de mensagens falsas. Andam com o vagar próprio dos processos da Justiça Eleitoral, mas podem ser pressionados por duas investigações em curso.
A primeira é aquela que apura a manipulação da investigação do desvio de verbas no gabinete do senador Flávio Bolsonaro na campanha de 2018. Não tem repercussão processual para o TSE mas joga água no moinho da percepção de que um gol de mão contribuiu para o resultado eleitoral. Foi esta, aliás, a tese que prevaleceu no processo de impeachment de Richard Nixon, abreviado por sua renúncia.
A segunda investigação é aquela conduzida, no Supremo Tribunal Federal, sobre a máquina de notícias falsas. Este inquérito pode vir a compartilhar provas com a Justiça Eleitoral, a exemplo do que aconteceu no processo que julgou a chapa Dilma Rousseff/Michel Temer.
O inquérito é conduzido, a sete chaves, pelo ministro Alexandre de Moraes. Apesar de dispor de policiais federais para as investigações, apenas os juízes auxiliares e o delegado da Polícia Civil de São Paulo lotados em seu gabinete têm acesso ao conjunto de provas colhidas. O comando é de um ministro que, de tão obcecado por investigações, fez fama em São Paulo por chegar às 4h da manhã na sede da Secretaria de Segurança Pública, sob seu comando, para participar de operações policiais.
Com a saída da ministra Rosa Weber, na segunda-feira, Moraes assume um assento no TSE. Comporá, junto com Edson Fachin e Luís Roberto Barroso, que presidirá o tribunal, a trinca de ministros do Supremo que atuarão como juízes eleitorais no restante do mandato presidencial.
A nova composição do TSE impulsionou a campanha de 100 entidades que atuam no campo da corrupção eleitoral (reformapolitica.org.br) pela agilização dos processos que hoje correm no TSE. Esta campanha pode dar amplitude ao que hoje está restrito a alguns gabinetes brasilienses. É uma articulação ora favorecida pela reaproximação de antigos adversários, como os ministros Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso, ora contida por espantalhos como o artigo do vice-presidente Hamilton Mourão atacando as instituições.
Ao contrário do que se passou por ocasião do julgamento da chapa Dilma/Temer, em que a cassação foi derrotada por 4x3, os carpinteiros da tese da separação da chapa, hoje estão de quarentena. Se for para cassar, que seja o presidente e seu vice. Por isso, o artigo de Mourão assustou.
Ao proteger o titular do cargo e bater em todas as demais instituições da República, o vice-presidente, na leitura dos artífices da “saída TSE”, buscou blindagem das Forças Armadas contra qualquer desfecho que o alije. A ocupação do Ministério da Saúde e a negociação com o Centrão hoje são vistos como um sinal de que, seja com Bolsonaro, seja com Mourão, os militares não pretendem arredar pé.
As dúvidas não se limitam à reação da farda em relação à cassação da chapa. Estende-se à composição do TSE. Ao contrário do tribunal que inocentou Dilma e Temer, aquele que estará empossado a partir de segunda-feira, conta com três ministros do Supremo que não são de sentar em cima de provas.
Três ex-ministros do TSE, em anonimato, concordam que o quarto voto não viria de nenhum dos dois ministros do Superior Tribunal de Justiça com assento na Corte eleitoral. O mandato do atual relator, Og Fernandes, se encerra em agosto. Como Fernandes também é o corregedor da Casa, o processo ficará com o futuro ocupante do cargo, o também ministro do STJ, Luis Felipe Salomão, que passará a ter, como colega, também no TSE, Mauro Campbell.
Nenhum dos dois desfruta, em Brasília, da mesma reputação do independente Herman Benjamin, o ministro relator do processo Dilma/Temer que votou pela cassação. Sobre Salomão pesam ainda as expectativas de que ambiciona uma vaga no Supremo, situação que o deixaria em pé de igualdade com o procurador-geral Augusto Aras na condição de personagens-chave a quem o presidente poderia buscar atrair com as duas vagas que terá a preencher até julho de 2021.
Ainda que ambos venham a jogar no time anti-cassação, o quarto voto poderia ser buscado nos dois advogados do tribunal. A expectativa de recondução ao cargo, prerrogativa do presidente da República, pode vir a inibir um deles (Sergio Banhos), mas é inócua em relação ao segundo (Tarcísio Vieira), que está no último mandato na Corte. Somados os quatro votos, restaria ainda a dúvida sobre o prosseguimento do processo com um relator que venha a se mostrar desinteressado no desfecho.
Os percalços não param por aí. A lei diz que se a chapa é cassada no primeiro biênio do mandato presidencial, faz-se nova eleição. Se for no segundo, convoca-se eleição indireta, em até 90 dias. “Na forma da lei”, diz a Constituição. Lei esta que não existe. Teria que ser formatada e votada em pontos sensíveis, como desincompatibilização e filiação partidária, em meio ao caos de uma pandemia que, além de vidas, também vitima o bom combate da política.
E, finalmente, o processo de escolha de um presidente-tampão seria conduzido pelas futuras mesas da Câmara e do Senado, a serem escolhidas num Centrão repaginado pelo bolsonarismo, visto que os mandatos de Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre se encerram em fevereiro. A pergunta de um ex-ministro do TSE resume o drama: “Quanto custaria esta eleição”?
Se a pedreira é tão grande, por que a “opção TSE” continua sobre a mesa? Porque todas as demais saídas parecem tão ou mais difíceis. A ver, porém, se os percalços permanecerão em pé se o país, no balanço dos milhares de mortos e milhões de desempregados, decidir que não dá para seguir adiante sem afastar o principal culpado.
Maria Cristina Fernandes é jornalista do Valor. Escreve às quintas-feiras
São seis os processos que correm no TSE. Tem de tudo lá, mas nenhuma das acusações agrega maior apelo hoje do que o disparo de mensagens falsas. Andam com o vagar próprio dos processos da Justiça Eleitoral, mas podem ser pressionados por duas investigações em curso.
A primeira é aquela que apura a manipulação da investigação do desvio de verbas no gabinete do senador Flávio Bolsonaro na campanha de 2018. Não tem repercussão processual para o TSE mas joga água no moinho da percepção de que um gol de mão contribuiu para o resultado eleitoral. Foi esta, aliás, a tese que prevaleceu no processo de impeachment de Richard Nixon, abreviado por sua renúncia.
A segunda investigação é aquela conduzida, no Supremo Tribunal Federal, sobre a máquina de notícias falsas. Este inquérito pode vir a compartilhar provas com a Justiça Eleitoral, a exemplo do que aconteceu no processo que julgou a chapa Dilma Rousseff/Michel Temer.
O inquérito é conduzido, a sete chaves, pelo ministro Alexandre de Moraes. Apesar de dispor de policiais federais para as investigações, apenas os juízes auxiliares e o delegado da Polícia Civil de São Paulo lotados em seu gabinete têm acesso ao conjunto de provas colhidas. O comando é de um ministro que, de tão obcecado por investigações, fez fama em São Paulo por chegar às 4h da manhã na sede da Secretaria de Segurança Pública, sob seu comando, para participar de operações policiais.
Com a saída da ministra Rosa Weber, na segunda-feira, Moraes assume um assento no TSE. Comporá, junto com Edson Fachin e Luís Roberto Barroso, que presidirá o tribunal, a trinca de ministros do Supremo que atuarão como juízes eleitorais no restante do mandato presidencial.
A nova composição do TSE impulsionou a campanha de 100 entidades que atuam no campo da corrupção eleitoral (reformapolitica.org.br) pela agilização dos processos que hoje correm no TSE. Esta campanha pode dar amplitude ao que hoje está restrito a alguns gabinetes brasilienses. É uma articulação ora favorecida pela reaproximação de antigos adversários, como os ministros Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso, ora contida por espantalhos como o artigo do vice-presidente Hamilton Mourão atacando as instituições.
Ao contrário do que se passou por ocasião do julgamento da chapa Dilma/Temer, em que a cassação foi derrotada por 4x3, os carpinteiros da tese da separação da chapa, hoje estão de quarentena. Se for para cassar, que seja o presidente e seu vice. Por isso, o artigo de Mourão assustou.
Ao proteger o titular do cargo e bater em todas as demais instituições da República, o vice-presidente, na leitura dos artífices da “saída TSE”, buscou blindagem das Forças Armadas contra qualquer desfecho que o alije. A ocupação do Ministério da Saúde e a negociação com o Centrão hoje são vistos como um sinal de que, seja com Bolsonaro, seja com Mourão, os militares não pretendem arredar pé.
As dúvidas não se limitam à reação da farda em relação à cassação da chapa. Estende-se à composição do TSE. Ao contrário do tribunal que inocentou Dilma e Temer, aquele que estará empossado a partir de segunda-feira, conta com três ministros do Supremo que não são de sentar em cima de provas.
Três ex-ministros do TSE, em anonimato, concordam que o quarto voto não viria de nenhum dos dois ministros do Superior Tribunal de Justiça com assento na Corte eleitoral. O mandato do atual relator, Og Fernandes, se encerra em agosto. Como Fernandes também é o corregedor da Casa, o processo ficará com o futuro ocupante do cargo, o também ministro do STJ, Luis Felipe Salomão, que passará a ter, como colega, também no TSE, Mauro Campbell.
Nenhum dos dois desfruta, em Brasília, da mesma reputação do independente Herman Benjamin, o ministro relator do processo Dilma/Temer que votou pela cassação. Sobre Salomão pesam ainda as expectativas de que ambiciona uma vaga no Supremo, situação que o deixaria em pé de igualdade com o procurador-geral Augusto Aras na condição de personagens-chave a quem o presidente poderia buscar atrair com as duas vagas que terá a preencher até julho de 2021.
Ainda que ambos venham a jogar no time anti-cassação, o quarto voto poderia ser buscado nos dois advogados do tribunal. A expectativa de recondução ao cargo, prerrogativa do presidente da República, pode vir a inibir um deles (Sergio Banhos), mas é inócua em relação ao segundo (Tarcísio Vieira), que está no último mandato na Corte. Somados os quatro votos, restaria ainda a dúvida sobre o prosseguimento do processo com um relator que venha a se mostrar desinteressado no desfecho.
Os percalços não param por aí. A lei diz que se a chapa é cassada no primeiro biênio do mandato presidencial, faz-se nova eleição. Se for no segundo, convoca-se eleição indireta, em até 90 dias. “Na forma da lei”, diz a Constituição. Lei esta que não existe. Teria que ser formatada e votada em pontos sensíveis, como desincompatibilização e filiação partidária, em meio ao caos de uma pandemia que, além de vidas, também vitima o bom combate da política.
E, finalmente, o processo de escolha de um presidente-tampão seria conduzido pelas futuras mesas da Câmara e do Senado, a serem escolhidas num Centrão repaginado pelo bolsonarismo, visto que os mandatos de Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre se encerram em fevereiro. A pergunta de um ex-ministro do TSE resume o drama: “Quanto custaria esta eleição”?
Se a pedreira é tão grande, por que a “opção TSE” continua sobre a mesa? Porque todas as demais saídas parecem tão ou mais difíceis. A ver, porém, se os percalços permanecerão em pé se o país, no balanço dos milhares de mortos e milhões de desempregados, decidir que não dá para seguir adiante sem afastar o principal culpado.
Maria Cristina Fernandes é jornalista do Valor. Escreve às quintas-feiras
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