Rocío Ayuso escreve, de Los Angeles, uma interessante matéria entrevistando o cineasta mais polêmico dos Estados Unidos. Publicado em 11/8 no site do jornal El País, vale a leitura. Íntegra abaixo.
Oliver Stone está irritado. Não é nenhuma novidade, claro, mas assombra comprovar que nem sequer a placidez (ou a resignação) de ter completado 73 anos acalmaram as tendências coléricas do cineasta norte-americano . Ele não para quieto na frente do computador durante uma entrevista por videoconferência, por ocasião da publicação, em julho, de sua autobiografia, Chasing the light (“perseguindo a luz”, ainda sem tradução no Brasil). “É um livro de memórias, porque se refere a um tempo determinado”, corrige o diretor antes de se levantar com ar irritado para procurar algo na imensa biblioteca que é o escritório da sua casa em Los Angeles. Esse tempo determinado do livro está demarcado por seus primeiros 40 anos de vida. Mais ou menos desde seus tempos como veterano do Vietnã e taxista em Nova York, até o final feliz de Cinderela hollywoodiana ao receber seu Oscar como diretor por Platoon (1987). Os demais limites ele trata de deixar claro, grunhindo: “Só quero falar do livro. Não quero resolver os problemas do mundo”.
Chasing the light é certamente o trabalho menos polêmico e mais pessoal do autor de filmes como Assassinos por natureza (1994), JFK – A pergunta que não quer calar (1991) e Snowden (2016), seu último filme dramático. “Não há mudança de tom. O livro fala de uma ideia, do sonho que persegui a vida inteira. Como aprendi a dirigir, como me formei na realização, por que nunca aceitei um “não” como resposta e nunca deixei de brigar pelo que queria, que era ser diretor”. Tanta teimosia rendeu seus frutos. Além da estatueta por aquela historia sobre um pelotão no Vietnã, Stone ganhou outras duas: como realizador por Nascido em 4 de julho (1989) —que, de certo modo, trata do que aguardava aqueles rapazes na volta para casa—, e como roteirista, com Expresso da meia-noite (1978), do recém-falecido Alan Parker.
Há outra face de William Oliver Stone neste livro, a do filho de um casal dividido antes mesmo da sua separação. Seu pai, corretor da Bolsa, republicano, lhe pagava na infância para que escrevesse uma história por semana. Isso o habituou a redigir um diário regularmente, um material essencial para refrescar a memória. Sua mãe, francesa, boêmia e rebelde, lhe inoculou o amor pelo cinema. “Foi a Vivien Leigh do seu Rhett Butler, duas pessoas que se amavam, mas não eram compatíveis. Essa é a verdadeira história de ...E o vento levou e o que o tornou grande, nada a ver com as bobagens que se dizem agora”, acrescenta, em referência às polêmicas sobre aquele marco do cinema nestes tempos de “dolorosa correção política”.
Em guerra
O conflito do Vietnã também está muito presente no livro. O conflito de verdade, ao qual se somou como voluntário quando tinha 21 anos, e o que reviveu em Platoon, filme baseado em suas experiências. Contou então com um Johnny Depp desconhecido “mas que já estava na cara que seria um astro”; um Keanu Reeves que nunca se alistou no filme e que era cotado para o papel de Charlie Sheen; e “os chefes, [Tom] Berenger e [Willem] Dafoe”. Nem tudo são elogios. James Wood não aparece muito bem no livro. Nem Al Pacino, a quem chama de Hamlet por seu lado dramático. Stone também está desencantado, e isso se nota quando fala destas memórias que considera “catárticas”. “Este livro fala de um tempo em que a vontade e a fome estavam aí”, salienta, sobre a energia e interesse que despertam. “E voltei a sentir essa ânsia durante a rodagem de Snowden, um filme duro, sem financiamento norte-americano. Ficou bom, porque essa fome nasceu da importância do tema. Mas não foi como no meu começo, como esse momento de descoberta.”
O único sorriso que se desenha em seus lábios surge ao falar de sua paixão pela escrita. “Onde acaba o escritor e começa o diretor? No meu caso, o escritor está sempre aí, mas tenho a vantagem de contar com esse lado de diretor que me permite escrever com outra distância, consciente das cenas que construo, do ritmo, de sua visualização.”
Suas queixas vão subindo de tom e ampliam o foco: critica o aniversário do bombardeio de Hiroshima e Nagasaki; Obama e Hillary Clinton —“Preocupa-me a política frente à China e a Rússia que começou com eles, e a nova loucura nuclear com armas cada vez menores”— e o candidato democrata às próximas eleições, Joe Biden. “E Trump, cujas ameaças pioraram tudo. É um personagem que supera qualquer filme.” Um filme que, em todo caso, não pretende fazer: “Já tive polêmica suficiente na minha vida.”
Esse livro talvez seja a obra menos política de toda a sua carreira. Por quê? Porque, afirma, sua consciência de esquerdista foi se formando a partir dos 40, justamente quando o livro termina. Quando pretende publicar o próximo volume? “Este filme”, diz, esquecendo por um momento que na verdade fala de um livro, “está concluído, tem a duração ideal. Não sei se escreverei uma sequência. Mas, se não escrever, a história da minha vida estará suficientemente contada.”
Oliver Stone está irritado. Não é nenhuma novidade, claro, mas assombra comprovar que nem sequer a placidez (ou a resignação) de ter completado 73 anos acalmaram as tendências coléricas do cineasta norte-americano . Ele não para quieto na frente do computador durante uma entrevista por videoconferência, por ocasião da publicação, em julho, de sua autobiografia, Chasing the light (“perseguindo a luz”, ainda sem tradução no Brasil). “É um livro de memórias, porque se refere a um tempo determinado”, corrige o diretor antes de se levantar com ar irritado para procurar algo na imensa biblioteca que é o escritório da sua casa em Los Angeles. Esse tempo determinado do livro está demarcado por seus primeiros 40 anos de vida. Mais ou menos desde seus tempos como veterano do Vietnã e taxista em Nova York, até o final feliz de Cinderela hollywoodiana ao receber seu Oscar como diretor por Platoon (1987). Os demais limites ele trata de deixar claro, grunhindo: “Só quero falar do livro. Não quero resolver os problemas do mundo”.
Chasing the light é certamente o trabalho menos polêmico e mais pessoal do autor de filmes como Assassinos por natureza (1994), JFK – A pergunta que não quer calar (1991) e Snowden (2016), seu último filme dramático. “Não há mudança de tom. O livro fala de uma ideia, do sonho que persegui a vida inteira. Como aprendi a dirigir, como me formei na realização, por que nunca aceitei um “não” como resposta e nunca deixei de brigar pelo que queria, que era ser diretor”. Tanta teimosia rendeu seus frutos. Além da estatueta por aquela historia sobre um pelotão no Vietnã, Stone ganhou outras duas: como realizador por Nascido em 4 de julho (1989) —que, de certo modo, trata do que aguardava aqueles rapazes na volta para casa—, e como roteirista, com Expresso da meia-noite (1978), do recém-falecido Alan Parker.
Há outra face de William Oliver Stone neste livro, a do filho de um casal dividido antes mesmo da sua separação. Seu pai, corretor da Bolsa, republicano, lhe pagava na infância para que escrevesse uma história por semana. Isso o habituou a redigir um diário regularmente, um material essencial para refrescar a memória. Sua mãe, francesa, boêmia e rebelde, lhe inoculou o amor pelo cinema. “Foi a Vivien Leigh do seu Rhett Butler, duas pessoas que se amavam, mas não eram compatíveis. Essa é a verdadeira história de ...E o vento levou e o que o tornou grande, nada a ver com as bobagens que se dizem agora”, acrescenta, em referência às polêmicas sobre aquele marco do cinema nestes tempos de “dolorosa correção política”.
Em guerra
O conflito do Vietnã também está muito presente no livro. O conflito de verdade, ao qual se somou como voluntário quando tinha 21 anos, e o que reviveu em Platoon, filme baseado em suas experiências. Contou então com um Johnny Depp desconhecido “mas que já estava na cara que seria um astro”; um Keanu Reeves que nunca se alistou no filme e que era cotado para o papel de Charlie Sheen; e “os chefes, [Tom] Berenger e [Willem] Dafoe”. Nem tudo são elogios. James Wood não aparece muito bem no livro. Nem Al Pacino, a quem chama de Hamlet por seu lado dramático. Stone também está desencantado, e isso se nota quando fala destas memórias que considera “catárticas”. “Este livro fala de um tempo em que a vontade e a fome estavam aí”, salienta, sobre a energia e interesse que despertam. “E voltei a sentir essa ânsia durante a rodagem de Snowden, um filme duro, sem financiamento norte-americano. Ficou bom, porque essa fome nasceu da importância do tema. Mas não foi como no meu começo, como esse momento de descoberta.”
O único sorriso que se desenha em seus lábios surge ao falar de sua paixão pela escrita. “Onde acaba o escritor e começa o diretor? No meu caso, o escritor está sempre aí, mas tenho a vantagem de contar com esse lado de diretor que me permite escrever com outra distância, consciente das cenas que construo, do ritmo, de sua visualização.”
Suas queixas vão subindo de tom e ampliam o foco: critica o aniversário do bombardeio de Hiroshima e Nagasaki; Obama e Hillary Clinton —“Preocupa-me a política frente à China e a Rússia que começou com eles, e a nova loucura nuclear com armas cada vez menores”— e o candidato democrata às próximas eleições, Joe Biden. “E Trump, cujas ameaças pioraram tudo. É um personagem que supera qualquer filme.” Um filme que, em todo caso, não pretende fazer: “Já tive polêmica suficiente na minha vida.”
Esse livro talvez seja a obra menos política de toda a sua carreira. Por quê? Porque, afirma, sua consciência de esquerdista foi se formando a partir dos 40, justamente quando o livro termina. Quando pretende publicar o próximo volume? “Este filme”, diz, esquecendo por um momento que na verdade fala de um livro, “está concluído, tem a duração ideal. Não sei se escreverei uma sequência. Mas, se não escrever, a história da minha vida estará suficientemente contada.”
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