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Vinicius Torres Freire: Bolsonaro, o comunista

Jair Bolsonaro fez caravana pelo Nordeste. Fez um minicomício em São Raimundo Nonato, sul do Piauí, cidade que está no quinto daquelas de menor desenvolvimento humano do país, segundo o ranking da Firjan, mas que muito progrediu nos anos lulistas. Inaugurou uma obra de abastecimento de água em Campo Alegre de Lourdes, na Bahia, ainda mais pobrinha que sua vizinha piauiense, escreve o colunista da Folha em artigo publicado quinta, 30/7. Continua a seguir.

De dezembro de 2019 a junho de 2020, o Nordeste foi a única região em que Bolsonaro ganhou algum prestígio, segundo o Datafolha. Quando se trata de renda, apenas entre as famílias que ganham menos de dois salários mínimos o presidente ganhou pontos.
Os economistas de Bolsonaro querem tributar o 1% mais rico do país, embora também desejem uma CPMF, que não pega só a elite, pega 1%, pega geral, imposto especialmente detestado por banqueiros.
Paulo Guedes propôs um tributo que deve aumentar o custo de serviços consumidos pelos mais ricos (escola e saúde privadas, advogados etc.), a Contribuição Social sobre Bens e Serviços. Seus economistas dizem pelos jornais que querem diminuir as deduções de saúde e educação no Imposto de Renda (em geral, coisa de ricos).
Querem tributar lucros e dividendos, o que vai mexer com profissionais que são empresas de si mesmo no Simples, entre outros, além de pegar parte do dinheiro que rendem aquelas ações da Bolsa. Querem uma alíquota de IR maior do que 27,5% para “pegar” quem ganha mais de R$ 36 mil (que está no 1%), como disse a esta Folha Guilherme Afif Domingos, assessor de Guedes, como se fora um líder do Occupy Faria Lima.
Guedes quer criar um Bolsa Família ampliado. É verdade que o dinheiro extra do seu Renda Brasil é por ora apenas um catadão de recursos de outros programas sociais. Mas já poderia discutir o assunto com sociólogos de esquerda.
Como todos os governos da esquerda que domina o Brasil faz 30 anos (de acordo com Guedes), Bolsonaro se alia ao PP e suas variantes de ontem, hoje e sempre. Pelo menos desde abril, corre o boato de que alguns de seus generais querem mais obras públicas, intervenção do Estado. O presidente aceitou a contragosto a reforma da Previdência, coitado.
O presidente agora ataca não apenas Sergio Moro, ex-cruzado e trânsfuga do bolsonarismo, mas também a Lava Jato e o lava-jatismo, tal como petistas. Por isso ganhou um “Fora, Bolsonaro” do Vem pra Rua, parte marchadeira da frente que depôs Dilma Rousseff.
Com essa ficha, um Jair qualquer passaria por “comunista” ou “esquerda lixo” nas redes insociáveis da extrema direita. Não é bem o caso, né, mas os planos de gastos e impostos do governo têm interesse político.
A CPMF não vai passar, repete Rodrigo Maia, mas Bolsonaro (e o próprio Maia) vão levar adiante a tributação dos mais ricos? A fim de abrir espaço para um programa de renda básica mais gordo e não mexer no teto, vão confiscar parte dos salários dos servidores federais (além de juízes e procuradores. Militares inclusive?)?
O protesto do 1% (ou dos 10%) vai derrubar parte relevante da reforma tributária? Ou vai ter “reforma na marra” e o Congresso vai pagar o preço de aumentar os impostos da “classe média” (como quase todos os ricos se chamam)?
Como não se trata de um governo normal ou racional, é difícil discutir direito tais assuntos. Mas as realidades da penúria e da sobrevivência político-eleitoral vão fazer Bolsonaro trombar com essas questões. Como dizia a propaganda do Exército, chega um momento em que o jovem tem de escolher a sua carreira.
Vinicius Torres Freire é jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).



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