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Witzel celebrou 'disque corrupção' e acabou como alvo de denúncia: 'não sou ladrão'

Os episódios marcantes da breve trajetória política do governador do Rio, afastado nesta sexta-feira por decisão do Superior Tribunal de Justiça, por Ludmilla de Lima em artigo publicado no site da revista Época dia 28/8.  Vale a leitura.

Afastado cargo de governador do Rio de Janeiro nesta sexta-feira (28) por determinação do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Wilson Witzel (PSC) assumiu o mandato com um discurso contundente em defesa do confronto armado no combate ao tráfico de drogas, mencionou o sonho de ser presidente da República e acabou associado a denúncias de corrupção.
"Vamos criar um disque corrupção. E um programa de teste de integridade do servidor. Teremos um setor para análise de sinais exteriores de riqueza. Servidor será vigiado: tem que explicar se estiver com carro, casa ou patrimônio incompatíveis. Vou convidar uma pessoa para criar um programa de compliance, que valerá até para o governador".
'NÃO SOU BANDIDO'
Em maio deste ano, Witzel acabou como um dos alvos da Operação Placebo, desencadeada pela Polícia Federal, com base em investigações da Lava-Jato no Rio e do Ministério Público estadual. Elas relacionam o seu nome e também o da primeira-dama, a advogada Helena Witzel, com empresários e gestores envolvidos em desvios de recursos destinados ao combate à pandemia. Em 15 de julho, diante dos desdobramentos do escândalo na Saúde, Witzel postou um vídeo em que se defendia:
"Eu quero dizer ao povo do Estado do Rio de Janeiro. Fui juiz federal por 17 anos. Na minha carreira, tive uma vida ilibada. Fui considerado linha dura. Me elegi governador do Estado do Rio de Janeiro. Todas essas acusações levianas que estão sendo feitas contra mim é por parte de gente que não quer um juiz  governando o estado do Rio de Janeiro. Não sou ladrão. Não deixarei que corruptos e ladrões estejam no meu governo. Eu peço ao povo que acredite, porque nós vamos vencer essa guerra contra a corrupção."
'VAI MIRAR NA CABECINHA'
A segurança pública se tornou a bandeira na eleição de Witzel, que chegou ao governo prometendo adotar uma política de combate ao crime sustentada no confronto armado. Disse ele ao Estadão (em 1/11/2018): "O correto é matar o bandido que está de fuzil. A polícia vai fazer o correto: vai mirar na cabecinha e… fogo! Para não ter erro". Em evento no dia 23 do mesmo mês, ele acrescentou: "É só (o bandido) não andar de fuzil na rua. Guarda o fuzil em casa para não perder a cabeça".
Uma das imagens de Witzel que mais viralizaram foi a do seu desembarque de um helicóptero em plena Ponte Rio-Niterói, após o sequestrador de um ônibus com passageiros feitos reféns ser morto por um sniper. Ele desceu da aeronave correndo e com os braços no ar, em tom de vitória. Foi saudado por pessoas no local e recebeu um abraço de um policial do Bope. No dia seguinte, respondendo a críticas, ele declarou que "ninguém comemora a morte de  ninguém". Mas o gesto gerou uma onda de acusações de "espetacularização" do caso, ocorrido no dia 20 de agosto do ano passado.
SILÊNCIO EM CASO DA MENINA ÁGATHA FELIX
No caso da menina Ágatha Félix, de 8 anos, morta com um tiro de fuzil nas costas durante operação policial no Complexo do Alemão, um mês após o caso da ponte Rio-Niterói, Witzel hesitou em se falar sobre o caso. Desde o início, a suspeita era de que a bala teria partido da arma de um PM (o que foi confirmado depois em inquérito). Witzel levou três dias para comentar o crime.
Ele alegou que demorou a se manifestar por necessidade de tempo para formar juízo, e culpou usuários de drogas e o crime organizado pela morte. Em 23 de setembro, ele afirmou: “É indecente usar um caixão como palanque. Não podemos permitir que partidos de oposição venham a utilizar mortes de inocentes para palanque eleitoral e obstruir votações importantes no Congresso Nacional.”
GOVERNADOR ATIRA DO ALTO DE HELICÓPTERO
Ainda no campo da segurança, uma ação de Witzel também controversa tinha, mais uma vez, um helicóptero no meio. O cenário era Angra dos Reis: num vídeo postado pelo governo, aparece um policial atirando contra uma tenda no meio de uma trilha. Witzel estava a bordo da aeronave e, nas suas palavras, em tom de xerife, se tratava de uma operação da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core) para “dar fim à bandidagem”. Só que o alvo que aparece na gravação era um ponto de apoio para peregrinação de evangélicos, confundido com uma casamata do tráfico. Por sorte, estava vazio naquela manhã de sábado, 6 de maio do ano passado.
DOUTORADO FAKE EM HARVARD
Em seu currículo, o ex-juiz federal tinha como ponto alto uma passagem por Harvard: lá, teria feito um curso conhecido como "sanduíche", quando o aluno faz parte do doutorado numa instituição internacional parceira. O governador, na ocasião, cursava a pós em  "judicialização da política" na Universidade Federal Fluminense, sendo que um período teria sido feito no campus de Cambridge, no estado de Massachusetts, nos EUA.
No entanto, a UFF informou ao GLOBO, em maio do ano passado, que o governador nunca sequer manifestou interesse em participar da seleção para Harvard. Procurado, Witzel confirmou que não estudou na instituição. Pela sua assessoria de imprensa, afirmou que tinha a intenção, mas que o objetivo não foi à frente.
'BOLSONARO NÃO ME ELEGEU'
Na campanha eleitoral, ele esteve ao lado de Flávio Bolsonaro. Após assumir o Governo do Rio, Witzel se tornou desafeto da família em pouco tempo. Meses depois da posse, o político do PSC começou a deixar claro seu desejo de concorrer à presidência em 2022 - manifestações que irritaram o presidente Jair Bolsonaro.
A ruptura definitiva ocorreu em setembro do ano passado, após Witzel dizer numa entrevista à jornalista Andréia Sadi, da GloboNews, que foi eleito "por sua história":
"Fui eleito no Rio de Janeiro não pelo apoio do Bolsonaro, porque ele nunca declarou voto em mim. Eu declarei que votaria nele, mas ele nunca declarou voto em mim. As pessoas me escolheram por aquilo que eu sou", afirmou ele.
O ex-juiz  passou, então, a ser visto como "ingrato" pelo núcleo duro de Bolsonaro.
Por ordem de Bolsonaro, o PSL, maior bancada na Alerj, acabou abandonando a base do seu governo. E os embates públicos e nos bastidores se seguiram, com Bolsonaro acusando interferência de Witzel no caso Marielle Franco após reportagem do "JN" mostrar que um dos suspeitos de matar a vereadora teria entrado no condomínio Vivendas da Barra alegando que iria à casa do presidente. O porteiro que deu o depoimento depois voltou atrás.
'PRESIDENTE, ASSUMA SUA IRRESPONSABILIDADE'
Os embates continuaram durante a pandemia e com as denúncias na Saúde do Rio. No dia 2 de maio, Witzel publicou um artigo no GLOBO em que questionava Bolsonaro: "Por que incendiar o Brasil num momento em que os brasileiros mais precisam de um líder que una o país?". O texto terminava com a mensagem: "Presidente, assuma sua irresponsabilidade".
'ATO DE PERSEGUIÇÃO POLÍTICA'
Quando a PF cumpriu mandados de busca e apreensão nos palácios Laranjeiras e Guanabara, no dia 26 de maio, Witzel se disse objeto de perseguição política:
"Esse é um ato de perseguição política que se inicia nesse país e isso vai acontecer com governadores inimigos. O senador Flávio Bolsonaro, com todas a provas que já temos contra ele, que já estão aí sendo apresentadas, dinheiro em espécie depositado em conta corrente, lavagem de dinheiro, bens injustificáveis, ele já deveria estar preso."


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