Grandes marcas de mídia estão aderindo ao surto coletivo: a palavra “mulher” não deve mais ser usada associada à menstruação, e a palavra “homem” a alguém capaz de fecundar uma mulher (Ops! Fecundar pessoa com útero). Se você não sente cheiro de psicopatia aqui, você deve procurar ajuda profissional, escreve Luiz Felipe Pondé em sua coluna semanal na Folha de São Paulo, publicada toda segunda-feira. Texto publicado dia 17/8, vale a leitura.
Por outro lado, esse nível de histeria na política, na mídia, nas redes e na academia acaba por alimentar os reacionários, também psicopatas, que crescem por todos os lados. Não se iludam que Biden presidente irá impedir esse crescimento, Trump é fruto dele e não o contrário.
É evidente que pessoas podem sentir o que quiserem em termos de identidade sexual e transarem com quem quiser. Dita essa obviedade, vamos ao que interessa.
Elevemos um pouco o nível da conversa. Thomas Mann no seu “Pensadores Modernos” (Jorge Zahar, 2015) levanta a hipótese de que Schopenhauer, Nietzsche, Freud e Wagner romperam com a tradição de ver o homem como um ser saudável, em processo de ampliar sua capacidade racional, e inauguraram um pensamento fincado da ideia de que somos meio doentes mesmo.
Nosso mal seria que somos seres escravos das vontades, irracionais, contraditórios, dissociados, que a duras penas conseguem ser minimante racionais, às custas mesmo de nossa frágil sanidade.
Alguns anos atrás, era comum você encontrar dissertações de mestrado que transitavam pela ideia de ressignificar a menstruação, “recriando” supostos rituais pagãos nos quais a menstruação não seria uma maldição bíblica, tal como é interpretada por versões fundamentalistas da história de Eva.
Essas pesquisas eram realizadas no bojo do movimento feminista dentro do estudo das religiões. Imagino como essas pesquisadoras sofreriam hoje partindo do pressuposto de que mulheres menstruam. A simples transformação, em cerca de 15 anos, pela qual esse debate passou, indica a piora do quadro mental da experiência moderna.
Suspeito que a modernidade seja um surto psicótico coletivo que é bastante funcional em muitos aspectos, mas que tem apresentado uma piora do quadro, correndo o risco de perda dessa funcionalidade. Com isso, não quero dizer que o mundo pré-moderno fosse melhor. Apenas que a espécie sobreviveu a muita hostilidade do meio ambiente externo ao longo das dezenas de milhares de anos, mas que, à medida que o meio ambiente interno, como dizia o antropólogo Ernst Becker (século 20), se tornou cada vez mais preponderante na espécie, começamos a enlouquecer de forma organizada (surtos são organizados). Nos termos de Thomas Mann: nós modernos temos uma natureza muito mais impetuosa e sofrida.
Não se trata apenas da obsessão sexual histérica em que se transformou o debate público. Mesmo a ideia de tomar comentários nas redes como métrica de decisões acerca de conteúdo por parte das grandes marcas de mídia é apostar no surto moderno como critério decisório.
Entendo a justificativa do ponto de vista de mercado. As redes sociais são a ferramenta mais precisa da opinião pública e, por isso mesmo, a mais destrutiva, porque mede matematicamente (fisicamente, diria Alex Pentland, pesquisador de mídia em Harvard) as respostas do público. Finalmente, a “ciência” a serviço da destruição da inteligência. Aqui, a economia de mercado mostra seus perigosos limites: não é a alienação que poderá destruir o capitalismo, mas a estupidez dos consumidores e dos agentes corporativos que serão arrastados por essa estupidez travestida de “tendências”.
Imagine uma situação em que alguém propõe que você use seu próprio sangue menstrual como tratamento de beleza da pele. Já se sabia que algumas mulheres tomavam o próprio sangue menstrual como tratamento para uma série de doenças.
Agora imagine que uma pessoa reaja a essa proposta de usar seu próprio sangue menstrual como discriminatória na medida em que existem “mulheres” que não menstruam porque são “homens” fisiologicamente. Essa pessoa proporia que uma forma de resto do metabolismo humano mais inclusivo fosse usada. Você teria uma ideia de qual seria um resto metabólico mais inclusivo?
Luiz Felipe Pondé é escritor e ensaísta, autor de “Dez Mandamentos” e “Marketing Existencial”. É doutor em filosofia pela USP.
Por outro lado, esse nível de histeria na política, na mídia, nas redes e na academia acaba por alimentar os reacionários, também psicopatas, que crescem por todos os lados. Não se iludam que Biden presidente irá impedir esse crescimento, Trump é fruto dele e não o contrário.
É evidente que pessoas podem sentir o que quiserem em termos de identidade sexual e transarem com quem quiser. Dita essa obviedade, vamos ao que interessa.
Elevemos um pouco o nível da conversa. Thomas Mann no seu “Pensadores Modernos” (Jorge Zahar, 2015) levanta a hipótese de que Schopenhauer, Nietzsche, Freud e Wagner romperam com a tradição de ver o homem como um ser saudável, em processo de ampliar sua capacidade racional, e inauguraram um pensamento fincado da ideia de que somos meio doentes mesmo.
Nosso mal seria que somos seres escravos das vontades, irracionais, contraditórios, dissociados, que a duras penas conseguem ser minimante racionais, às custas mesmo de nossa frágil sanidade.
Alguns anos atrás, era comum você encontrar dissertações de mestrado que transitavam pela ideia de ressignificar a menstruação, “recriando” supostos rituais pagãos nos quais a menstruação não seria uma maldição bíblica, tal como é interpretada por versões fundamentalistas da história de Eva.
Essas pesquisas eram realizadas no bojo do movimento feminista dentro do estudo das religiões. Imagino como essas pesquisadoras sofreriam hoje partindo do pressuposto de que mulheres menstruam. A simples transformação, em cerca de 15 anos, pela qual esse debate passou, indica a piora do quadro mental da experiência moderna.
Suspeito que a modernidade seja um surto psicótico coletivo que é bastante funcional em muitos aspectos, mas que tem apresentado uma piora do quadro, correndo o risco de perda dessa funcionalidade. Com isso, não quero dizer que o mundo pré-moderno fosse melhor. Apenas que a espécie sobreviveu a muita hostilidade do meio ambiente externo ao longo das dezenas de milhares de anos, mas que, à medida que o meio ambiente interno, como dizia o antropólogo Ernst Becker (século 20), se tornou cada vez mais preponderante na espécie, começamos a enlouquecer de forma organizada (surtos são organizados). Nos termos de Thomas Mann: nós modernos temos uma natureza muito mais impetuosa e sofrida.
Não se trata apenas da obsessão sexual histérica em que se transformou o debate público. Mesmo a ideia de tomar comentários nas redes como métrica de decisões acerca de conteúdo por parte das grandes marcas de mídia é apostar no surto moderno como critério decisório.
Entendo a justificativa do ponto de vista de mercado. As redes sociais são a ferramenta mais precisa da opinião pública e, por isso mesmo, a mais destrutiva, porque mede matematicamente (fisicamente, diria Alex Pentland, pesquisador de mídia em Harvard) as respostas do público. Finalmente, a “ciência” a serviço da destruição da inteligência. Aqui, a economia de mercado mostra seus perigosos limites: não é a alienação que poderá destruir o capitalismo, mas a estupidez dos consumidores e dos agentes corporativos que serão arrastados por essa estupidez travestida de “tendências”.
Imagine uma situação em que alguém propõe que você use seu próprio sangue menstrual como tratamento de beleza da pele. Já se sabia que algumas mulheres tomavam o próprio sangue menstrual como tratamento para uma série de doenças.
Agora imagine que uma pessoa reaja a essa proposta de usar seu próprio sangue menstrual como discriminatória na medida em que existem “mulheres” que não menstruam porque são “homens” fisiologicamente. Essa pessoa proporia que uma forma de resto do metabolismo humano mais inclusivo fosse usada. Você teria uma ideia de qual seria um resto metabólico mais inclusivo?
Luiz Felipe Pondé é escritor e ensaísta, autor de “Dez Mandamentos” e “Marketing Existencial”. É doutor em filosofia pela USP.
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