Muito boa a análise do jornalista Reinaldo Azevedo em sua coluna na Folha, publicada sexta, 31/7. Íntegra a seguir.
Nada é mais importante no país do que resgatar o devido processo legal, soterrado pelo imoralismo lavajatista, que destruiu princípios, valores e procedimentos sob o pretexto de combater o malfeito. Assim, a criação da Unac (Unidade Nacional de Combate à Corrupção e ao Crime Organizado) é uma prioridade.
Depois será preciso mudar as leis 12.846 (de leniência) e 12.850 (das delações) para que o país deixe de ser governado por agentes do Estado convertidos em achacadores de chantageados convertidos em delatores. O terceiro passo é desmilitarizar a política. Há uma "trilha clara para o meu país, apesar da dor" (Caetano).
A Unac tem de ser criada pelo MPF não para que se erija um ente estatal opaco, constituído por superprocuradores que se imponham ao arrepio da lei, munidos de espírito punitivo-salvacionista, empenhados em driblar a Constituição e os códigos e, por consequência, esbulhando direitos, impondo penas extrajudiciais, substituindo o escrito por arbitrariedades ditadas por solipsismos de justiceiros ensandecidos.
Eis a Lava Jato, cujo ilegalismo devorador de instituições remonta já a 2014, ano de sua criação, como comecei a apontar, então, neste espaço. Minha crítica não é ideológica nem nova. Insisto nela por obcecação? Talvez sim, mas não por obsessão. Sou obcecado pela ideia de que o direito sem a forma é mero valor que degenera em arbítrio.
Vejo com assombro vicejar até no STF certo consequencialismo inconsequente, disposto a fraudar a forma em favor da suposta eficácia da lei —que, nessa perspectiva, só se dá com o desrespeito à própria lei. Obsessivos são os partidários do demônio da desordem.
Temos de debater em que condições se criará a Unac para que se possa submeter o MPF ao controle democrático. "Ah, Reinaldo, você não teme que esse ente possa ser o núcleo de um estado policial?"
Estado policial é o que se tem hoje. A Lava Jato, como resta claro nos seus embates com Augusto Aras, procurador-geral da República, atua com uma autonomia que não encontra respaldo na Constituição, na lei complementar 75 e em nenhum outro diploma legal. A força-tarefa corrompe o MPF assim como a milícia corrompe a polícia.
A Unac pressupõe o fim dessas operações excrescentes, ocupadas em fortalecer a si mesmas, com seus justiçamentos e fases de nomes pretensiosos. Trata-se do avesso da Justiça, que, por princípio, tem de cultivar a contenção e o comedimento.
Se queremos um bom modelo de controle de informações, a fim de que não se crie, como há hoje, um mercado paralelo de investigações extrajudiciais e vazamentos de dados sigilosos, a Receita Federal pode servir de modelo.
Exceto quando molestado pela Lava Jato, o órgão é eficiente em manter o sigilo fiscal dos brasileiros. É impossível a qualquer servidor acessar dados de contribuintes sem que a consulta deixe um rastro e uma marca. A eventual instrumentalização de apurações fica registrada.
Os dados sobre a Lava Jato revelados por Aras, em debate com representantes do grupo Prerrogativas, são assombrosos. E, à diferença do que faz supor a retórica jacobina da força-tarefa, não foram contestados, mas referendados.
Não poderia encerrar de outro modo: apoio uma quarentena de oito anos para membros do Judiciário e do Ministério Público que queiram concorrer a cargos eletivos. Vou mais longe: que pretendam exercer função pública de indicação política. Que a lei seja votada logo, com eficácia imediata.
Políticos não mandam juízes e procuradores para a cadeia. Mas procuradores e juízes mandam políticos para a cadeia. A titularidade da ação penal e a toga, sob os auspícios da vitaliciedade e da inamovibilidade, não podem servir de palanque sem que se viole a noção mais elementar de justiça.
Ou este país ainda assistiria a um juiz que condenaria um presidenciável à cadeia e depois iria servir de ministro da Justiça àquele que foi o beneficiário direto da condenação. E com pretensões a ser ele próprio o supremo mandatário. E ainda posando de herói. Seria coisa de republiqueta bananeira, povoada por pilantras e babacas, não é mesmo?
Reinaldo Azevedo é jornalista, autor de “O País dos Petralhas”.
Nada é mais importante no país do que resgatar o devido processo legal, soterrado pelo imoralismo lavajatista, que destruiu princípios, valores e procedimentos sob o pretexto de combater o malfeito. Assim, a criação da Unac (Unidade Nacional de Combate à Corrupção e ao Crime Organizado) é uma prioridade.
Depois será preciso mudar as leis 12.846 (de leniência) e 12.850 (das delações) para que o país deixe de ser governado por agentes do Estado convertidos em achacadores de chantageados convertidos em delatores. O terceiro passo é desmilitarizar a política. Há uma "trilha clara para o meu país, apesar da dor" (Caetano).
A Unac tem de ser criada pelo MPF não para que se erija um ente estatal opaco, constituído por superprocuradores que se imponham ao arrepio da lei, munidos de espírito punitivo-salvacionista, empenhados em driblar a Constituição e os códigos e, por consequência, esbulhando direitos, impondo penas extrajudiciais, substituindo o escrito por arbitrariedades ditadas por solipsismos de justiceiros ensandecidos.
Eis a Lava Jato, cujo ilegalismo devorador de instituições remonta já a 2014, ano de sua criação, como comecei a apontar, então, neste espaço. Minha crítica não é ideológica nem nova. Insisto nela por obcecação? Talvez sim, mas não por obsessão. Sou obcecado pela ideia de que o direito sem a forma é mero valor que degenera em arbítrio.
Vejo com assombro vicejar até no STF certo consequencialismo inconsequente, disposto a fraudar a forma em favor da suposta eficácia da lei —que, nessa perspectiva, só se dá com o desrespeito à própria lei. Obsessivos são os partidários do demônio da desordem.
Temos de debater em que condições se criará a Unac para que se possa submeter o MPF ao controle democrático. "Ah, Reinaldo, você não teme que esse ente possa ser o núcleo de um estado policial?"
Estado policial é o que se tem hoje. A Lava Jato, como resta claro nos seus embates com Augusto Aras, procurador-geral da República, atua com uma autonomia que não encontra respaldo na Constituição, na lei complementar 75 e em nenhum outro diploma legal. A força-tarefa corrompe o MPF assim como a milícia corrompe a polícia.
A Unac pressupõe o fim dessas operações excrescentes, ocupadas em fortalecer a si mesmas, com seus justiçamentos e fases de nomes pretensiosos. Trata-se do avesso da Justiça, que, por princípio, tem de cultivar a contenção e o comedimento.
Se queremos um bom modelo de controle de informações, a fim de que não se crie, como há hoje, um mercado paralelo de investigações extrajudiciais e vazamentos de dados sigilosos, a Receita Federal pode servir de modelo.
Exceto quando molestado pela Lava Jato, o órgão é eficiente em manter o sigilo fiscal dos brasileiros. É impossível a qualquer servidor acessar dados de contribuintes sem que a consulta deixe um rastro e uma marca. A eventual instrumentalização de apurações fica registrada.
Os dados sobre a Lava Jato revelados por Aras, em debate com representantes do grupo Prerrogativas, são assombrosos. E, à diferença do que faz supor a retórica jacobina da força-tarefa, não foram contestados, mas referendados.
Não poderia encerrar de outro modo: apoio uma quarentena de oito anos para membros do Judiciário e do Ministério Público que queiram concorrer a cargos eletivos. Vou mais longe: que pretendam exercer função pública de indicação política. Que a lei seja votada logo, com eficácia imediata.
Políticos não mandam juízes e procuradores para a cadeia. Mas procuradores e juízes mandam políticos para a cadeia. A titularidade da ação penal e a toga, sob os auspícios da vitaliciedade e da inamovibilidade, não podem servir de palanque sem que se viole a noção mais elementar de justiça.
Ou este país ainda assistiria a um juiz que condenaria um presidenciável à cadeia e depois iria servir de ministro da Justiça àquele que foi o beneficiário direto da condenação. E com pretensões a ser ele próprio o supremo mandatário. E ainda posando de herói. Seria coisa de republiqueta bananeira, povoada por pilantras e babacas, não é mesmo?
Reinaldo Azevedo é jornalista, autor de “O País dos Petralhas”.
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