Pular para o conteúdo principal

Mesmo com mais de 105.000 mortos, Bolsonaro se blinda da pandemia e alcança sua melhor avaliação

Enquanto o Brasil amarga a perda de mais de 105.000 vidas e a posição de segundo país com mais mortes e pessoas infectadas pelo novo coronavírus (3,2 milhões), o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) alcança a melhor avaliação de seu mandato. Segundo pesquisa Datafolha divulgada nesta sexta-feira, o número de brasileiros que consideram o Governo ótimo ou bom cresceu desde junho, passando de 32% para 37%. Mais acentuada, porém, foi a queda numérica entre os que consideram a gestão ruim ou péssima: passaram de 44% para 34% —patamar semelhante ao do início do mandato, considerando a margem de erro de dois pontos percentuais. O índice dos que avaliam a gestão como regular é de 27% (era 23% em junho), escreve Daniela Mercier no El País em matéria publicada na sexta, 14/8 no site do jornal espanhol. Continua a seguir.

O instituto ouviu 2.065 pessoas nos dias 11 e 12 de agosto, por telefone. Nos quase dois meses que separam a nova pesquisa da anterior, o país dobrou o número de mortes —eram cerca de 52.000 em 23 de junho, data do levantamento— e praticamente triplicou o de infectados —cerca 1,15 milhão na época. Desde então, o presidente contraiu a doença —que contagiou até agora oito de seus ministros, infectou a primeira-dama, Michelle Bolsonaro, e levou a avó dela à morte. Bolsonaro, no entanto, não alterou o seu discurso negacionista, pelo qual no início da pandemia classificou o vírus como uma “gripezinha”, e não assumiu a responsabilidade sobre a crise sanitária, delegada por ele a governadores e prefeitos.
A gestão da pandemia já passa pelas mãos do terceiro ministro da Saúde, o general Eduardo Pazuello, que, sem experiência na área, ocupa de forma interina, há três meses, o posto que foi dos médicos Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich. As acusações de omissão no controle da covid-19 motivaram denúncias contra Bolsonaro no Tribunal Penal Internacional de Haia e a apresentação do 56º pedido de impeachment contra ele na Câmara dos Deputados.
Mas também foi ao longo desse período que cresceu o alcance do que é considerado o trunfo do Governo para manter a sua popularidade. O auxílio emergencial de 600 reais, destinado a trabalhadores informais, desempregados e beneficiários do Bolsa Família, foi prorrogado e chegou a metade das famílias brasileiras em junho, segundo o IBGE. Segundo o Datafolha, entre quem fez e recebeu a ajuda, 42% consideram o Governo ótimo ou bom, acima da média geral, enquanto entre os que não recorreram ao auxílio a aprovação é de 36%.
A ajuda emergencial também parece ter efeito na imagem do presidente no Nordeste, tradicional reduto do PT e onde 45% da população recorreu ao programa (no país, o índice é de 40%, segundo a pesquisa). De acordo com o Datafolha, a rejeição a Bolsonaro caiu de forma mais acentuada na região, passando de 52% para 35%. O presidente que criticou as medidas de isolamento e a consequente paralisação das atividades econômicas para conter a pandemia tem a sua aprovação mais elevada entre empresários (58% classificam o Governo como ótimo ou bom), pessoas de 35 a 44 anos (45%), homens (42%) e moradores do Sul, Norte e Centro-Oeste (42%). Sua rejeição é maior entre estudantes (56% o classificam como ruim ou péssimo), pretos (48%), quem tem ensino superior (47%), quem ganha mais de 10 salários mínimos (47%) e mulheres (39%).
Em junho, quando a reprovação do presidente atingiu seu auge até agora, a pesquisa havia sido realizada poucos dias depois da prisão de Fabrício Queiroz, amigo de Bolsonaro há mais de 30 anos e ex-assessor de seu filho Flávio, hoje senador, na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, acusado de gerir um esquema de rachadinha —desvio de dinheiro de servidores do gabinete. O policial aposentado obteve prisão domiciliar, que foi revogada na noite desta quinta-feira pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), e deve voltar para a cadeia. O cerco ao antigo aliado e à mulher dele, Márcia Aguiar, que também teve a prisão decretada, a as notícias sobre novos repasses do casal à primeira-dama, fez com que o presidente atenuasse o tom das declarações nos últimos meses e intensificasse a aproximação com o Congresso. A aliança com o grupo de parlamentares conhecido como Centrão culminou nesta semana na troca da liderança do Governo na Câmara. Vitor Hugo (PSL-GO), aliado de primeira hora de Bolsonaro, foi substituído por Ricardo Barros (PP-PR), representante do bloco fisiológico. O movimento, pragmático, é uma tentativa de blindar a presidência dos pedidos de impeachment e liberar caminho para a aprovação de medidas que possam ajudar na sua popularidade.



Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Abaixo o cancelamento

A internet virou o novo tribunal da inquisição — e isso é péssimo Só se fala na rapper Karol Conká, que saiu do BBB, da Rede Globo, com a maior votação da história do programa. Rejeição de 99,17% não é pouca coisa. A questão de seu comportamento ter sido odioso aos olhos do público não é o principal para mim. Sou o primeiro a reconhecer que errei muitas vezes. Tive atitudes pavorosas com amigos e relacionamentos, das quais me arrependo até hoje. Se alguma das vezes em que derrapei como ser humano tivesse ido parar na internet, o que aconteceria? Talvez tivesse de aprender russo ou mandarim para recomeçar a carreira em paragens distantes. Todos nós já fizemos algo de que não nos orgulhamos, falamos bobagem, brincadeiras de mau gosto etc… Recentemente, o ator Armie Hammer, de Me Chame pelo Seu Nome, sofreu acusações de abuso contra mulheres. Finalmente, através do print de uma conversa, acabou sendo responsabilizado também por canibalismo. Pavoroso. Tudo isso foi parar na internet. Ergue...

Rogério Andrade, o rei do bicho

No dia 23 de novembro do ano passado, o pai de Rodrigo Silva das Neves, cabo da Polícia Militar do Rio de Janeiro, foi ao batalhão da PM de Bangu, na Zona Oeste carioca, fazer um pedido. O homem, um subtenente bombeiro reformado, queria que os policiais do quartel parassem de bater na porta de sua casa à procura do filho — cuja prisão fora decretada na semana anterior, sob a acusação de ser um dos responsáveis pelo assassinato cinematográfico do bicheiro Fernando Iggnácio, executado com tiros de fuzil à luz do dia num heliporto da Barra da Tijuca. Quando soube que estava sendo procurado, o PM fugiu, virou desertor. Como morava numa das maiores favelas da região, a Vila Aliança, o pai de Neves estava preocupado com “ameaças e cobranças” de traficantes que dominam o local por causa da presença frequente de policiais. Antes de sair, no entanto, o bombeiro confidenciou aos agentes do Serviço Reservado do quartel que, “de fato, seu filho trabalhava como segurança do contraventor Rogério And...

No pior clube

O livro O Crepúsculo da Democracia, da escritora e jornalista norte-americana Anne Applebaum, começa numa festa de Réveillon. O local: Chobielin, na zona rural da Polônia. A data: a virada de 1999 para o ano 2000. O prato principal: ensopado de carne com beterrabas assadas, preparado por Applebaum e sua sogra. A escritora, que já recebeu o maior prêmio do jornalismo nos Estados Unidos, o Pulitzer, é casada com um político polonês, Radosław Sikorski – na época, ele ocupava o cargo de ministro do Interior em seu país. Os convidados: escritores, jornalistas, diplomatas e políticos. Segundo Applebaum, eles se definiam, em sua maioria, como “liberais” – “pró-Europa, pró-estado de direito, pró-mercado” – oscilando entre a centro-direita e a centro-esquerda. Como costuma ocorrer nas festas de Réveillon, todos estavam meio altos e muito otimistas em relação ao futuro. Todos, é claro, eram defensores da democracia – o regime que, no limiar do século XXI, parecia ser o destino inevitável de toda...