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Dica da Semana: O Diabo veste Prada, filme

Comédia dramática encanta ao revelar o mundo da mídia fashion 

Divertida e fashionista, mas não frívola, esta comédia dramática lançada em 2006 tornou-se um clássico, de temática e estética atuais ainda hoje. Sua mensagem principal pode ser interpretada de diferentes modos, mas envolverá certamente questões ligadas a assédio moral, valores das culturas corporativas, ambição desmedida, ética e limites de sacrifício para desenvolvimento da carreira. Baseado no livro homônimo de Lauren Weisberger, com direção David Frankel, o filme relata a experiência verídica da autora como assistente de editora-chefe da revista Vogue, Anna Wintour. Na vida real, a megera em questão, diabo no filme, é famosa pelo comportamento autoritário e, digamos, pouco humanista, como também é reconhecida pelo talento ao longo dos 30 anos liderando a publicação americana. 
Na história, a jovem Andy Sachs (Anne Hathaway), cheia de sonhos, de cara lavada e visual largado, é recém-formada em jornalismo. Ela está à procura de emprego e se orgulha de um trabalho premiado na faculdade sobre a exploração do sindicato de faxineiros. Em uma entrevista surgida quase por acaso, ela se vê diante de Miranda Priestly (Meryl Streep) editora-chefe da Runway, a mais importante revista de moda do mercado.
Depois de ouvi-la se apresentar, Miranda olha com mal-estar para a bicho-grilo à sua frente, medindo-a de cima abaixo por cima dos óculos, e pergunta, incrédula, se ela nunca tinha lido a Runway. Não, nunca é a resposta. “Então você nunca tinha ouvido falar sobre mim, não tem estilo nem senso de moda”, resume. Estava encerrada a conversa, mas a tempo ainda de Andy lutar acrescentando um “não sou magra, não entendo sobre moda. Mas sou esperta, aprendo rápido e trabalho duro.”
O apelo surte efeito. Uma vez contratada, a vida da jovem na editora, um templo de glamour, se revela difícil. Alvo de bullying, considerada um “desastre completo” pelas colegas devido ao seu descaso com o mundo fashion e com a própria aparência, Andy é obrigada a provar os atributos que prometera na entrevista – aprender rápido e trabalhar duro. A rotina é feita de tarefas inusitadas que exigem rapidez e atenção a detalhes, estresse e carga horária altos. Conforme se empenha nas missões diárias e lida com a hostilidade do ambiente, a jovem assistente obtém progressos sem, contudo, ter reconhecimento. Desmotivada por isso e pelos esculachos contínuos da chefe, ela se sente injustiçada e lamenta ao amigo Nigel (Stanley Tucci), diretor de arte da revista. Sarcástico, ele a chacoalha com um papo-reto. “Desista, então. Em cinco minutos consigo alguém”, diz, acrescentando que muitos morreriam para trabalhar ali, por onde passaram muitas lendas. “E você ainda quer que a Miranda dê uma estrelinha por tarefa feita no fim do dia. Acorda, querida”.
Andy compreende sua responsabilidade para permanecer no emprego, decide aceitar as regras do jogo e adaptar-se à cultura do universo fashion, incluindo a importância de se integrar ao dress code que menosprezara até então. A mudança é acompanhada de transformação visual, surgindo uma outra Andy.
A nova atitude e imagem causam efeito no trabalho e a própria Andy descobre gostar de sua versão repaginada. À medida que se torna mais eficiente, Miranda eleva o grau de dificuldade das tarefas solicitadas. “Você pode fazer tudo, não pode?”, questiona irônica após um pedido absurdo. Com tenacidade, enquanto enlouquece tentando executar as tarefas temendo a fúria da chefe caso não seja atendida, Andy passa por um processo de amadurecimento ao longo do tempo que se faz visível ao final da história.
Em uma cena antológica, Miranda está cercada de profissionais para a escolha de peças que ilustrarão um ensaio fotográfico, quando Andy deixa escapar um risinho diante da discussão da equipe sobre a cor de um acessório. A chefe reage, questiona o motivo da graça e a assistente tenta se desculpar, diz ainda estar entendendo a “coisa”. O público vê então Miranda agindo como Miranda. “Você acha que nada disso tem a ver com você, não é? Todo dia você vai até seu armário e escolhe, digamos, esse suéter horroroso, tentando dizer ao mundo que se leva muito a sério para se importar com o que vai vestir.” E prossegue explicando que o azul do suéter vestido pela garota ali não era azul lazuli ou turquesa, mas celeste. Que em 2002 Oscar de la Renta fizera uma coleção de vestidos azul celeste e depois Yves Saint-Laurent jaquetas azul celeste, e por isso mais tarde um batalhão de estilistas usaram a cor em suas coleções, até depois passarem às lojas de departamentos populares. “Onde você, sem dúvida, comprou este aí numa liquidação”, diz. “É meio cômico você pensar que fez uma escolha isenta da indústria da moda, quando na verdade está usando um suéter escolhido para você pelas pessoas desta sala e representa milhões de dólares e incontáveis trabalhos.”
Entre as várias leituras dos diferentes trechos da história, vale destacar a de que a autenticidade, de ideias ou aparência, é um atributo importante e valioso em uma cultura massificada, mas talvez não seja um caminho promissor nem agradável para um jovem profissional estreante num mercado da indústria mainstream. Ou se preferir, em Roma, faça como os romanos. #ficaadica (por Denise Brito em 22/8/20)



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