Lula: entre Getúlio e FHC
Wagner Iglecias
Certa vez Fernando Henrique Cardoso afirmou que sua missão à frente do governo brasileiro seria romper com o legado da Era Vargas. Corria o ano de 1994. Ele acabara de ser eleito presidente da República e se despedia do Senado com um discurso segundo o qual a herança da Era Vargas estaria retardando o avanço da sociedade brasileira. Admitamos que o conjunto de reformas que promoveu ou aprofundou (abertura comercial, privatizações de empresas estatais, desregulamentação da economia, enfraquecimento da legislação trabalhista etc.) foi relativamente bem sucedido naquele objetivo. No entanto, não foi suficiente para pôr por terra a concepção de que países fortes são construídos não apenas com mercado forte, mas também com Estado atuante.
Não há registro de que Luiz Inácio Lula da Silva tenha declarado como sua missão o desmonte da Era Vargas. Isso não apaga o fato de que Lula comandou uma ruptura fundamental no legado do varguismo quando despontou como líder sindical nos anos 70 e combateu a legislação trabalhista criada pelo Estado Novo. A tentativa de construção de um sindicalismo independente, aliás, sempre foi um dos obstáculos que separaram o petismo e velhas lideranças trabalhistas como Leonel Brizola.
Curiosamente, uma vez presidente, após tantas tentativas, Lula parece ir retomando, sob novas bases, um dos traços históricos do varguismo. Por meio de um Estado atuante e interventor, Getúlio trouxe para o mercado de trabalho e para o consumo milhões de brasileiros. Guardadas as devidas proporções, e em meio a um contexto histórico bastante distinto, Lula e seu governo, por intermédio de programas de transferência de renda, vão incorporando novos brasileiros ao mercado consumidor. Segundo pesquisa do Instituto Datafolha, o aumento da renda dos brasileiros mais pobres fez com que, desde 2003, cerca de 6 milhões de eleitores deixassem as classes D e E e rumassem para o andar imediatamente superior do edifício social, a classe C.
Assim como Fernando Henrique, porém, Lula segue amarrado ao círculo vicioso do financiamento da dívida pública. A renda financeira das classes A e B, que aplicam seus recursos em fundos lastreados em títulos da dívida do governo, aumentou muito mais nos últimos anos do que a renda das camadas mais pobres da população. As taxas de juros altas inibem os investimentos privados e os compromissos financeiros do governo achatam os recursos destinados às políticas públicas. Este, sem dúvida, é o nó a ser desatado pelo próximo presidente da República, seja ele Lula ou outro. Resta saber se, na eventualidade de um segundo mandato, Lula chegará a 31 de dezembro de 2010 mais parecido com Vargas ou com Fernando Henrique Cardoso.
Mas Lula segue amarrado ao círculo vicioso do financiamento da dívida, porque herdou uma dívida de 56% do PIB com um perfil dolarizado e um dólar batendo os 4 Reais. Ele não a criou como FHC, muito pelo contrário. Hoje ela está na casa dos 50,5% e com um perfil muito mais adequado.
ResponderExcluirNão é a toa que em plena turbulência internacional, o Brasil ganhou notas melhores das agências internacionais.