Pular para o conteúdo principal

Ombudsman condena manchetes da Folha

O ombudsman da Folha de S. Paulo, Marcelo Beraba, escreveu neste domingo sobre as manchetes anti-petistas que o jornal publicou na semana passada. Em linhas gerais, Beraba concorda com o que já foi escrito neste blog (leia as notas Edição da Folha favorece candidatos tucanos e O patrimônio de Lula e os erros da mídia) sobre o mesmo assunto.

Abaixo, a íntegra do comentário de Beraba, publicado na Folha:

Manchetes em tempo de eleição

A Folha publicou uma semana de manchetes sobre o governo Lula. Reproduzo-as: "Lula ajuda TVs com as concessões ameaçadas" (segunda), "PT e PSDB querem mudar aposentadoria" (terça), "Lula vai vetar aumento de 16,7% para aposentados" (quarta), "Patrimônio de Lula dobra na Presidência" (quinta) e "Lula dá Correios ao PMDB em troca de apoio" (sexta).
É natural que o jornal dedique uma atenção maior para o governo federal, ainda mais em período eleitoral. Mas alguns leitores reclamam da insistência e de alguns títulos.
As manchetes de segunda e de sexta são incontestáveis. São dois fatos relevantes. O primeiro, um levantamento do próprio jornal, que vem acompanhando de forma quase solitária a distribuição de concessões de rádios e TVs com critérios políticos desde o governo Sarney. O segundo, mais uma evidência de como se constroem as alianças políticas no Brasil. A manchete de terça-feira foi produzida a partir de informações colhidas com técnicos e políticos dos dois principais partidos que disputam a eleição presidencial e tem o mérito de provocar um tema que afeta a todos os trabalhadores, mas que os políticos evitam tomar posição durante as eleições para não se desgastarem.
Em relação à manchete de quarta-feira, vi um problema que considero grave. Acho que o assunto merecia ser o principal destaque da Primeira Página, juntamente com a Copa, mas com uma formulação diferente. O jornal defende com afinco a gestão responsável e o equilíbrio das contas públicas. Deveria, portanto, ter deixado claro na linha fina as razões do veto presidencial. Como saiu, ficou parecendo, no contexto eleitoral, que a Folha reprova o veto.
A manchete mais contestada foi a de quinta, sobre o patrimônio de Lula. Alguns leitores viram no título uma prova de que o jornal persegue o presidente. A secretária de Redação Suzana Singer assim defende a opção do jornal: "A manchete está absolutamente correta, baseada nos dados fornecidos pelo próprio presidente da República. A notícia é relevante por várias razões: mostra a relação de bens de Lula e dos principais oponentes, revela que o presidente tem aplicações financeiras no país com os maiores juros do mundo e traz a evolução do seu patrimônio nos últimos quatro anos. São todos fatos de evidente interesse público".
Não tenho dúvida de que o assunto teria de estar na Primeira Página. Não há, no entanto, pelo menos até agora, nenhum problema com a evolução patrimonial de Lula. Como o próprio jornal informa, embora tenha praticamente dobrado, o crescimento é compatível com a renda do presidente e deve ser relativizado pela inflação no período analisado. Por essa razão, concordo com os leitores que escreveram questionando o fato de ter sido a manchete do jornal. Não se justificava.
Os dois casos -as manchetes de quarta e de quinta- exigiam melhor avaliação da Folha. O jornal não pode se deixar levar pelo jogo eleitoral.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Rogério Andrade, o rei do bicho

No dia 23 de novembro do ano passado, o pai de Rodrigo Silva das Neves, cabo da Polícia Militar do Rio de Janeiro, foi ao batalhão da PM de Bangu, na Zona Oeste carioca, fazer um pedido. O homem, um subtenente bombeiro reformado, queria que os policiais do quartel parassem de bater na porta de sua casa à procura do filho — cuja prisão fora decretada na semana anterior, sob a acusação de ser um dos responsáveis pelo assassinato cinematográfico do bicheiro Fernando Iggnácio, executado com tiros de fuzil à luz do dia num heliporto da Barra da Tijuca. Quando soube que estava sendo procurado, o PM fugiu, virou desertor. Como morava numa das maiores favelas da região, a Vila Aliança, o pai de Neves estava preocupado com “ameaças e cobranças” de traficantes que dominam o local por causa da presença frequente de policiais. Antes de sair, no entanto, o bombeiro confidenciou aos agentes do Serviço Reservado do quartel que, “de fato, seu filho trabalhava como segurança do contraventor Rogério And...

No pior clube

O livro O Crepúsculo da Democracia, da escritora e jornalista norte-americana Anne Applebaum, começa numa festa de Réveillon. O local: Chobielin, na zona rural da Polônia. A data: a virada de 1999 para o ano 2000. O prato principal: ensopado de carne com beterrabas assadas, preparado por Applebaum e sua sogra. A escritora, que já recebeu o maior prêmio do jornalismo nos Estados Unidos, o Pulitzer, é casada com um político polonês, Radosław Sikorski – na época, ele ocupava o cargo de ministro do Interior em seu país. Os convidados: escritores, jornalistas, diplomatas e políticos. Segundo Applebaum, eles se definiam, em sua maioria, como “liberais” – “pró-Europa, pró-estado de direito, pró-mercado” – oscilando entre a centro-direita e a centro-esquerda. Como costuma ocorrer nas festas de Réveillon, todos estavam meio altos e muito otimistas em relação ao futuro. Todos, é claro, eram defensores da democracia – o regime que, no limiar do século XXI, parecia ser o destino inevitável de toda...

Dúvida atroz

A difícil situação em que se encontra hoje o presidente da República, com 51% de avaliação negativa do governo, 54% favoráveis ao impeachment e rejeição eleitoral batendo na casa dos 60%, anima e ao mesmo tempo impõe um dilema aos que articulam candidaturas ditas de centro: bater em quem desde já, Lula ou Bolsonaro?  Há quem já tenha a resposta, como Ciro Gomes (PDT). Há também os que concordam com ele e vejam o ex-presidente como alvo preferencial. Mas há quem prefira investir prioritariamente no derretimento do atual, a ponto de tornar a hipótese de uma desistência — hoje impensável, mas compatível com o apreço presidencial pelo teatro da conturbação — em algo factível. Ao que tudo indica, só o tempo será capaz de construir um consenso. Se for possível chegar a ele, claro. Por ora, cada qual vai seguindo a sua trilha. Os dois personagens posicionados na linha de tiro devido à condição de preferidos nas pesquisas não escondem o desejo de se enfrentar sem os empecilhos de terceira,...