Pular para o conteúdo principal

Sobre as teorias das pesquisas

O jornalista Reinaldo Azevedo escreveu em seu blog uma interessante teoria sobre as pesquisas eleitorais. Ele acredita que um terço do eleitorado (33%, portanto) vota em Lula mesmo que o candidato chute a padroeira do Brasil, ao vivo, em rede nacional, como fez aquele bispo da Igreja Universal do Reino de Deus. "Vão dizer que a santa provocou", brinca Azevedo. Outro terço foge de Lula como o diabo da cruz, para seguir na analogia religiosa. E o terço restante seria pendular - pode votar em Lula, como ocorreu em 2002, e pode não votar. Tudo dependeria do cenário político e, é claro, do desempenho dos demais candidatos.

A teoria de Reinaldo é respeitável e será colocada à prova nessas eleições. Este blog, humildemente, vê as coisas de outra forma. De fato, as votações do PT até a eleição de Lula estariam a dar razão ao jornalista. Desde então, porém, o quadro parece ter mudado um pouco. O presidente parece ter ampliado um pouco o seu cacife inicial. Hoje, em todas as pesquisas, ele aparece acima dos 40% do total. É lícito supor que tenha perdido parte daqueles 33% de eleitores cativos em função de sua política econômica conservadora. Os mais radicais já foram embora do PT e hoje votam em Heloísa Helena (PSOL), que já chega a 7% na enquete mais recente, do Vox Populi. Vamos supor que a senadora alagoana consiga chegar a outubro com 10%. Restariam a Lula 23% de eleitores convictos, do tipo de que votam em função do carisma do presidente. Faltam quase 20% para a conta fechar. São os convertidos ao lulismo, em geral gente das classes mais pobres, que antes desconfiava de Lula pelo seu passado operário, "sem diploma e sem experiência", argumentos que agora não serão mais utilizados, uma vez que Lula não é mais operário e já tem um diploma importante: o de presidente da República.

Sendo assim, o que este blog consegue enxergar é um terço de eleitores que votará contra Lula, qualquer que seja a opção colocada na urna eletrônica para derrotá-lo. Hoje, são os eleitores de Alckmin, que tem justamente 32% nas últimas enquetes. A conta agora está assim: 40% de Lula, 32% de Alckmin e uns 10% de Heloísa (com a ajuda, talvez, do pedetista Cristovam Buarque). São 82% dos eleitores. Os 18% restantes vão se dividir entre nulos, brancos e os candidatos nanicos. Mas a taxa histórica de brancos e nulos beira 20%. Portanto, para haver segundo turno, Alckmin tem que torcer para uma das três hipóteses a seguir: que Heloísa e Cristovam superem 10% sem roubar um único voto da aliança PSDB-PFL, mas apenas de Lula; que os nanicos tenham um desempenho espetacular; ou que a taxa de brancos e nulos caia consideravelmente. Fora daí, Alckmin teria que tirar votos na seara do presidente Lula, especialmente nas classes D e E, porque nas demais faixas, o jogo está jogado e dificilmente haverá grandes mudanças, salvo, evidentemente, alguma bomba de efeitos ainda não conhecidos durante a campanha eleitoral. É possível? Sim, é possível, mas é uma tarefa difícil.

Ademais, pela teoria dos terços de Reinaldo, pode-se dizer que, hoje, a esquerda tem mais votos do que a direita (Lula e Heloísa têm mais adeptos do que Alckmin e os nanicos direitosos). Se a senadora estivesse fora do páreo, aumentaria um pouco a taxa de votos nulos e brancos, mas Lula dificilmente deixaria de ganhar a eleição no primeiro turno.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Rogério Andrade, o rei do bicho

No dia 23 de novembro do ano passado, o pai de Rodrigo Silva das Neves, cabo da Polícia Militar do Rio de Janeiro, foi ao batalhão da PM de Bangu, na Zona Oeste carioca, fazer um pedido. O homem, um subtenente bombeiro reformado, queria que os policiais do quartel parassem de bater na porta de sua casa à procura do filho — cuja prisão fora decretada na semana anterior, sob a acusação de ser um dos responsáveis pelo assassinato cinematográfico do bicheiro Fernando Iggnácio, executado com tiros de fuzil à luz do dia num heliporto da Barra da Tijuca. Quando soube que estava sendo procurado, o PM fugiu, virou desertor. Como morava numa das maiores favelas da região, a Vila Aliança, o pai de Neves estava preocupado com “ameaças e cobranças” de traficantes que dominam o local por causa da presença frequente de policiais. Antes de sair, no entanto, o bombeiro confidenciou aos agentes do Serviço Reservado do quartel que, “de fato, seu filho trabalhava como segurança do contraventor Rogério And...

No pior clube

O livro O Crepúsculo da Democracia, da escritora e jornalista norte-americana Anne Applebaum, começa numa festa de Réveillon. O local: Chobielin, na zona rural da Polônia. A data: a virada de 1999 para o ano 2000. O prato principal: ensopado de carne com beterrabas assadas, preparado por Applebaum e sua sogra. A escritora, que já recebeu o maior prêmio do jornalismo nos Estados Unidos, o Pulitzer, é casada com um político polonês, Radosław Sikorski – na época, ele ocupava o cargo de ministro do Interior em seu país. Os convidados: escritores, jornalistas, diplomatas e políticos. Segundo Applebaum, eles se definiam, em sua maioria, como “liberais” – “pró-Europa, pró-estado de direito, pró-mercado” – oscilando entre a centro-direita e a centro-esquerda. Como costuma ocorrer nas festas de Réveillon, todos estavam meio altos e muito otimistas em relação ao futuro. Todos, é claro, eram defensores da democracia – o regime que, no limiar do século XXI, parecia ser o destino inevitável de toda...

Dúvida atroz

A difícil situação em que se encontra hoje o presidente da República, com 51% de avaliação negativa do governo, 54% favoráveis ao impeachment e rejeição eleitoral batendo na casa dos 60%, anima e ao mesmo tempo impõe um dilema aos que articulam candidaturas ditas de centro: bater em quem desde já, Lula ou Bolsonaro?  Há quem já tenha a resposta, como Ciro Gomes (PDT). Há também os que concordam com ele e vejam o ex-presidente como alvo preferencial. Mas há quem prefira investir prioritariamente no derretimento do atual, a ponto de tornar a hipótese de uma desistência — hoje impensável, mas compatível com o apreço presidencial pelo teatro da conturbação — em algo factível. Ao que tudo indica, só o tempo será capaz de construir um consenso. Se for possível chegar a ele, claro. Por ora, cada qual vai seguindo a sua trilha. Os dois personagens posicionados na linha de tiro devido à condição de preferidos nas pesquisas não escondem o desejo de se enfrentar sem os empecilhos de terceira,...