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A visão petista sobre conjuntura política e mídia

Vale a pena dar uma lida no documento abaixo, de autoria do ministro Tarso Genro (Relações Institucionais). O texto trata da conjuntura política após a divulgação das últimas pesquisas eleitorais, mas também revela, em vários trechos, a visão do partido sobre o comportamento da imprensa na campanha eleitoral.

O documento tem o tom de orientação para a militância petista, mas merece ser lido inclusive (ou principalmente) pelos interessados em apear o presidente Lula do poder, pois dá várias dicas sobre as estratégias que o ministro julga relevantes para a campanha deste ano.


Nota rápida de conjuntura nº 7
Por Tarso Genro

(Nota semanal produzida pelo ministro de Relações Institucionais)

1. As pesquisas recentes da Datafolha e Vox Populi indicam o patamar real de disputa entre os dois candidatos "competitivos" à Presidência da República. A base social do Presidente está praticamente consolidada e a migração de votos dos candidatos "desistentes" move-se, num primeiro momento, em direção a Alckmin. Esta é a mensagem das pesquisas que, se não tiram o franco favoritismo do Presidente, constituem um precioso elemento de análise para uma estratégia de campanha, a ser considerada especialmente pelos partidos do campo da esquerda, que sustentam a reeleição de Lula: a pesada campanha anti-Lula e anti-PT, que transitou fortemente pela mídia durante um ano, surtiu efeito numa parte significativa dos setores médios e marcou consideravelmente o Governo.

2. É bom registrar qual a visão ideológica que pode dar sustentação política a uma "imunização" dos setores médios em relação a nossa mensagem. Acossadas pela insegurança, elemento hoje integrante do "modo de vida" de milhões, as classes médias são sensíveis a um "perigo externo": os excluídos, os marginalizados, os "pobres" que, segundo a visão dominante, constituem o meio social que gera o banditismo e a violência. Ora, "se Lula é o candidato dos pobres, Lula é um estranho para nós", pode pensar o cidadão médio que vive uma vida tensa e preocupada, seja em P. Alegre, em S. Paulo ou no Recife. Aliás, como Lula desenvolve políticas públicas de coesão social e combate à pobreza, as quais deslocam os mais pobres - inclusive setores empobrecidos das camadas médias - para a sua sustentação eleitoral, está pronto o ambiente para dizer que Lula está "dividindo a sociedade entre pobres e ricos". Ou seja - segundo esta visão absurda - "a divisão da sociedade" seria provocada pelas políticas públicas do Governo Lula (que reduzem as diferenças entre pobres e ricos). Não pela brutal desigualdade de renda que envergonha o país e é originária dos modelos de desenvolvimento, adotados desde a era Collor.

3. Devemos recordar, também, para que possamos fazer um debate de qualidade política, que a campanha contra o Governo Lula - baseada em erros graves cometidos especialmente por quadros do Partido - não foi somente contra Lula e o PT. Foram atingidos, sobretudo, os valores fundamentais da esquerda. As denúncias de corrupção não somente desgastaram politicamente o PT - que fora extremamente rigoroso quando na oposição - mas também atingiram os valores humanistas e igualitários da esquerda em geral, que foi acusada também de "inepta" por não aplicar uma "outra política econômica".

4. Como a oposição tucano-pefelista tentou atingir o Presidente com o tema da corrupção e não conseguiu, começam, agora, a atacar a questão dos juros e das taxas de crescimento, abrindo uma crítica à política econômica que antes diziam ser deles. Na verdade, embora a política monetária fosse semelhante - aliás aplicada hoje por todos os países endividados que não faliram - o conjunto, porém, da política econômica foi diferente. Os resultados estão aí para provar. É por causa destes resultados, aliás, que o candidato da oposição tucana não quer olhar para o passado. (Hoje, sábado, os jornais apontam com certa angústia que o "superávit" - embora apontem uma "gastança do setor público" - vai muito bem obrigado, frustrando os que pretendiam colar no Ministro Guido a pecha de irresponsável).

5. Não podemos deixar de cotejar, igualmente, como os governos FHC e Lula trataram a questão da corrupção. Aqui devem ser apontadas as ações da Polícia Federal contra a corrupção e o crime organizado, as ações da Controladoria da União, as ações da Procuradoria Geral da República. Tal cotejamento não significa justificar erros nem assacar ofensas pessoais contra adversários, mas significa comparar as condutas político-administrativas, inclusive referindo àquelas que impediram investigações importantes na época de FHC. Seria um erro, porém - em função da parcialidade de grande parte da mídia - cairmos no simplismo de que existe uma "conspiração" midiática contra nós. Se formos portadores desta visão confundiremos a nossa base de apoio, como se estivéssemos justificando condutas confessadas publicamente. A população sabe que a imprensa é majoritariamente contra Lula e que gostaria de ter Alckmim como Presidente, mas sabe, igualmente, que a liberdade de imprensa -mesmo que eventualmente sirva para caluniar - é imprescindível num regime democrático: ela ajuda a combater ilegalidades e abusos que qualquer governo tende a fazer (ou tolerar), independentemente da vontade do próprio Presidente da República.

6. Um outro "front" de disputa (que também refere à formação da opinião das classes médias) vem da afirmativa que, num segundo mandato, "Lula vai radicalizar". Confrontados com a queda do "risco Brasil", partindo de quem desenvolveu ou apoiou o mais deslavado populismo cambial, e que deixou as contas públicas num estado lastimável, os acusadores visam, na verdade, reexplorar um sentimento de insegurança. Este sentimento acossa parte do empresariado e dos setores médios, doutrinados pela visão neoliberal hegemônica passada pelos teóricos da Escola de Chicago e consagrada pelos mandamentos falidos do FMI. Para esta visão de mundo, todas as políticas que utilizam a força do Estado para distribuir renda são "populistas" e tudo que não esteja previsto no receituário do "caminho único", além de ser "aventura", opõe "pobres e ricos", perigosamente. Não é de surpreender que, com esta tradição de mimetismo colonial sintetizada pelos oito anos de governo FHC (sem política industrial e sem planejamento sequer de médio prazo) o Brasil tenha se tornado campeão mundial de concentração de renda.

7. Sem salto, sem raiva, mas com firmeza, encaremos a campanha que começou. Ela será mais um jogo de inteligência do que um duelo de trabucos. Todos os nossos números (ver tabela a seguir), e todos os resultados sociais destes números, são melhores para nós.

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