Pular para o conteúdo principal

Wagner Iglécias: O fator Heloísa Helena

Em seu artigo semanal para este blog, o cientista político Wagner Iglécias analisa a subida nas pesquisas da candidata do PSOL à presidência da República. Abaixo, o artigo do professor.

Nestes dias tão fugazes em que vivemos, nos quais tudo vira produto e os produtos são consumidos e descartados uns após os outros, o personagem da semana no cenário político foi a senadora Heloísa Helena, candidata a presidente da república pelo PSOL. Heloísa tem sido motivo de preocupação para a campanha de Lula, e motivo de festa entre tucanos e pefelistas, já que sua ascensão nas pesquisas de intenção de voto indica a possibilidade de que Lula não consiga liquidar a fatura já em primeiro turno, como parecia certo há algumas semanas.

Dados de pesquisas de vários institutos já vinham mostrando uma melhoria do desempenho da senadora alagoana, e a última pesquisa do instituto Datafolha mostra que Heloísa pulou de 6% para 10% das intenções de voto. O crescimento dela se deu em várias faixas do eleitorado, como nas regiões Sul, Sudeste e Nordeste, entre os eleitores mais escolarizados e entre o eleitorado feminino, tirando votos de Lula mas também de Alckmin.

Não se sabe se os 10% que declaram que votariam hoje em Heloísa Helena representam um eleitorado de extrema-esquerda, identificado com o PSOL. Especula-se que parcela significativa dos votos que ela teria hoje seria fruto da decepção de parte do eleitorado com os partidos tradicionais, sobretudo PT e PSDB. Parte das intenções de voto em Heloísa poderia ser, portanto, uma espécie de voto de protesto. Ou ainda uma migração de eleitores que há pouco pensavam em anular o voto em 3 de outubro próximo. Independentemente disso, se Heloísa mantiver seu atual patamar de intenção de votos, insuficiente para ameaçar Alckmin mas suficiente para provocar um segundo turno, será uma ironia do destino se, pelos votos obtidos por ela, Lula deixar de vencer a eleição em primeiro turno e vier a perder a reeleição para Geraldo Alckmin na rodada final.

Mas como diz o ditado que eleição é como mineração, pois o resultado só se sabe depois da apuração, não custa imaginar uma surpresa eleitoral e uma eventual vitória de Heloísa Helena. Motivos para um voto de protesto contra os partidos tradicionais, diga-se de passagem, não faltam ao eleitor. Dá para acreditar que, se eventualmente eleita, Heloísa conseguiria levar a cabo no Brasil dos dias de hoje um governo tradicional de esquerda, nos moldes de mundo com o qual sonham os militantes de seu PSOL e de seus aliados na corrida presidencial, como PSTU e PCB?

Wagner Iglecias é doutor em Sociologia e professor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP.

Comentários

Postar um comentário

O Entrelinhas não censura comentaristas, mas não publica ofensas pessoais e comentários com uso de expressões chulas. Os comentários serão moderados, mas são sempre muito bem vindos.

Postagens mais visitadas deste blog

Abaixo o cancelamento

A internet virou o novo tribunal da inquisição — e isso é péssimo Só se fala na rapper Karol Conká, que saiu do BBB, da Rede Globo, com a maior votação da história do programa. Rejeição de 99,17% não é pouca coisa. A questão de seu comportamento ter sido odioso aos olhos do público não é o principal para mim. Sou o primeiro a reconhecer que errei muitas vezes. Tive atitudes pavorosas com amigos e relacionamentos, das quais me arrependo até hoje. Se alguma das vezes em que derrapei como ser humano tivesse ido parar na internet, o que aconteceria? Talvez tivesse de aprender russo ou mandarim para recomeçar a carreira em paragens distantes. Todos nós já fizemos algo de que não nos orgulhamos, falamos bobagem, brincadeiras de mau gosto etc… Recentemente, o ator Armie Hammer, de Me Chame pelo Seu Nome, sofreu acusações de abuso contra mulheres. Finalmente, através do print de uma conversa, acabou sendo responsabilizado também por canibalismo. Pavoroso. Tudo isso foi parar na internet. Ergue

Rogério Andrade, o rei do bicho

No dia 23 de novembro do ano passado, o pai de Rodrigo Silva das Neves, cabo da Polícia Militar do Rio de Janeiro, foi ao batalhão da PM de Bangu, na Zona Oeste carioca, fazer um pedido. O homem, um subtenente bombeiro reformado, queria que os policiais do quartel parassem de bater na porta de sua casa à procura do filho — cuja prisão fora decretada na semana anterior, sob a acusação de ser um dos responsáveis pelo assassinato cinematográfico do bicheiro Fernando Iggnácio, executado com tiros de fuzil à luz do dia num heliporto da Barra da Tijuca. Quando soube que estava sendo procurado, o PM fugiu, virou desertor. Como morava numa das maiores favelas da região, a Vila Aliança, o pai de Neves estava preocupado com “ameaças e cobranças” de traficantes que dominam o local por causa da presença frequente de policiais. Antes de sair, no entanto, o bombeiro confidenciou aos agentes do Serviço Reservado do quartel que, “de fato, seu filho trabalhava como segurança do contraventor Rogério And

OCDE e o erro do governo na gestão das expectativas

O assunto do dia nas redes é a tal negativa dos Estados Unidos para a entrada do Brasil na OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Enquanto os oposicionistas aproveitam para tripudiar, os governistas tentam colocar panos quentes na questão, alegando que não houve propriamente um veto à presença do Brasil no clube dos grandes, a Série A das nações. Quem trabalha com comunicação corporativa frequentemente escuta a frase "é preciso gerenciar a expectativa dos clientes". O problema todo é que o governo do presidente Bolsonaro vendeu como grande vitória a entrada com apoio de Trump - que não era líquida e certa - do país na OCDE. Ou seja, gerenciou mal a expectativa do cliente, no caso, a opinião pública brasileira. Não deixa de ser irônico que a Argentina esteja entrando na frente, logo o país vizinho cujo próximo governo provavelmente não será dos mais alinhados a Trump. A questão toda é que o Brasil não "perdeu", como o pobre Fla-Flu que impe