Pular para o conteúdo principal

EUA, sexo e política, por Alberto Dines

O editor chefe do Observatório da Imprensa está inspirado nesta semana. O artigo abaixo, publicado no OI, é uma pérola bastante divertida, mas que traz também um lado sério, pois revela quanta besteira é capaz de produzir uma cabeça colonizada (ou várias delas, a bem da verdade, pois o desastre não é culpa exclusiva do repórter). Vale a pena ler na íntegra:


SEXO E HISTÓRIA
O New Journalism precisa de Viagra

"Gay Talese está resfriado." O lead da "Entrevista da 2ª", na Folha de S.Paulo (24/3, pág. A-14), é digno de uma das melhores peças do jornalismo literário, do qual Talese foi um dos expoentes [ver aqui].

O resto é desastroso. O repórter-entrevistador fez o que pôde, o repórter-entrevistado estava com um resfriado cerebral, neurônios congestionados, prostração moral.

Graças a isso, armou uma das doutrinas mais esdrúxulas, mais simplistas, mais amorais e mais cínicas produzidas por uma celebridade lítero-jornalística: nos EUA, os piores presidentes não tiveram amantes.

De olho na cama, o grande Talese articulou um resumo da história contemporânea dos EUA: Richard Nixon e George W. Bush foram funestos porque tiveram que contentar-se com as respectivas. Os demais, inclusive o facínora Lyndon Johnson, saiu-se muito bem porque colocou Lady Bird na gaiola e saiu ciscando por aí.

E como fica Ronald Reagan, o garanhão dos filmes de faroeste – valem as namoradas do celulóide? E Bush Senior, pai do primata que ocupa a Casa Branca?

Local de trabalho

Se a matéria da Folha fosse traduzida para o inglês, Talese nunca mais conseguiria um frila. Aqui, suas sandices encheram uma página inteira e mereceram chamada na capa do primeiro caderno.

Em algum momento, o veterano jornalista deve ter percebido a bobajada que despejava pela boca e se confundia com o muco que botava pelo nariz. Esboçou, então, algumas elucubrações que resultaram tão idiotas quanto o Coeficiente Talese para Aferir Competência Presidencial:

** "Se você está no negócio de publicar jornais, tem que publicar o que é considerado notícia" (o lema do New York Times é precisamente este – "All the news that fit to print").

** "Hoje em dia tudo é notícia, o que não acontecia 30 anos atrás" (evidente: há 30 anos, quando Gay Talese ficava resfriado, metia-se na cama, tomava um suadouro e lia uma novela de Horace MacCoy).

** "A mentalidade da mídia está toda voltada para os escândalos sexuais. A mídia conduz a história" (Karl Marx acaba de ser desbancado).

** "Sexo não é complicado. Política é complicado" [sic]. Talese acaba produzir um paradigma capaz de agitar a campanha eleitoral americana.

Se Hillary, Obama ou McCain desejam entrar para a história como benfeitores da pátria, devem colocar uma cama no Salão Oval e mandar brasa.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Abaixo o cancelamento

A internet virou o novo tribunal da inquisição — e isso é péssimo Só se fala na rapper Karol Conká, que saiu do BBB, da Rede Globo, com a maior votação da história do programa. Rejeição de 99,17% não é pouca coisa. A questão de seu comportamento ter sido odioso aos olhos do público não é o principal para mim. Sou o primeiro a reconhecer que errei muitas vezes. Tive atitudes pavorosas com amigos e relacionamentos, das quais me arrependo até hoje. Se alguma das vezes em que derrapei como ser humano tivesse ido parar na internet, o que aconteceria? Talvez tivesse de aprender russo ou mandarim para recomeçar a carreira em paragens distantes. Todos nós já fizemos algo de que não nos orgulhamos, falamos bobagem, brincadeiras de mau gosto etc… Recentemente, o ator Armie Hammer, de Me Chame pelo Seu Nome, sofreu acusações de abuso contra mulheres. Finalmente, através do print de uma conversa, acabou sendo responsabilizado também por canibalismo. Pavoroso. Tudo isso foi parar na internet. Ergue

Rogério Andrade, o rei do bicho

No dia 23 de novembro do ano passado, o pai de Rodrigo Silva das Neves, cabo da Polícia Militar do Rio de Janeiro, foi ao batalhão da PM de Bangu, na Zona Oeste carioca, fazer um pedido. O homem, um subtenente bombeiro reformado, queria que os policiais do quartel parassem de bater na porta de sua casa à procura do filho — cuja prisão fora decretada na semana anterior, sob a acusação de ser um dos responsáveis pelo assassinato cinematográfico do bicheiro Fernando Iggnácio, executado com tiros de fuzil à luz do dia num heliporto da Barra da Tijuca. Quando soube que estava sendo procurado, o PM fugiu, virou desertor. Como morava numa das maiores favelas da região, a Vila Aliança, o pai de Neves estava preocupado com “ameaças e cobranças” de traficantes que dominam o local por causa da presença frequente de policiais. Antes de sair, no entanto, o bombeiro confidenciou aos agentes do Serviço Reservado do quartel que, “de fato, seu filho trabalhava como segurança do contraventor Rogério And

OCDE e o erro do governo na gestão das expectativas

O assunto do dia nas redes é a tal negativa dos Estados Unidos para a entrada do Brasil na OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Enquanto os oposicionistas aproveitam para tripudiar, os governistas tentam colocar panos quentes na questão, alegando que não houve propriamente um veto à presença do Brasil no clube dos grandes, a Série A das nações. Quem trabalha com comunicação corporativa frequentemente escuta a frase "é preciso gerenciar a expectativa dos clientes". O problema todo é que o governo do presidente Bolsonaro vendeu como grande vitória a entrada com apoio de Trump - que não era líquida e certa - do país na OCDE. Ou seja, gerenciou mal a expectativa do cliente, no caso, a opinião pública brasileira. Não deixa de ser irônico que a Argentina esteja entrando na frente, logo o país vizinho cujo próximo governo provavelmente não será dos mais alinhados a Trump. A questão toda é que o Brasil não "perdeu", como o pobre Fla-Flu que impe