Pular para o conteúdo principal

A arrogância de um e a petulância do outro

Em mais uma colaboração para o blog, o professor Wagner Iglecias mata três coelhos com uma cajadada só e analisa no texto a seguir a pesquisa CNI/Ibope e as recentes declarações do presidente Lula e do ex-presidente FHC.

No mesmo dia em que foi divulgada a pesquisa CNI/Ibope, mostrando que estão nas alturas os índices de aprovação a Lula e a seu governo, o presidente-operário nos presenteou com mais uma declaração no mínimo polêmica. Daquelas pra entrar para a sua já vasta coleção. A de que teria dito a George Bush que "resolvesse a sua crise", conselho arrematado com um mais do que intimo "meu filho". "Resolve a tua crise, meu filho".

Tudo bem que Lula é mestre, dos mais brilhantes que este país já viu, na arte da retórica. Mas daí a mandar uma dessas pra cima do homem mais poderoso do planeta já é um pouco demais. A crise norte-americana é das mais complexas, vem sendo prevista há anos por economistas e cientistas sociais de esquerda, dada a vertiginosa financeirização da economia mundial, e suas conseqüências, de alcance imprevisível, ainda estão por ser conhecidas. Se fosse simples assim de
resolver Bush já o teria feito. Ou não?

Mas se arrematar é o verbo em questão, para arrematar de vez aquilo que Stanislaw Ponte Preta, se vivo fosse, chamaria de festival de besteiras que assola o país, o tal Febeapá, então não há como não lembrar da frase, dita também nesta quinta-feira, pelo ex-presidente Fernando
Henrique Cardoso. Questionado sobre a mesma pesquisa CNI / Ibope, que traz números realmente espantosos, dando conta de que Lula é hoje, decorridos seis anos de seu governo, tão bem avaliado quanto no comecinho de 2003, quando acabara de assumir a presidência, FHC saiu-se assim: "Não vi a avaliação, mas não fico surpreso com mais nada no Brasil".

O que o veterano líder tucano quis dizer com a enigmática frase? Qual teria sido sua intenção? Ironizar e diminuir o sucesso do rival? Duvidar da inteligência dos entrevistados pela pesquisa e, por extensão, da população nela representada? Ou, talvez uma vez mais, deixar escapar seu desapontamento, para dizer o mínimo, com o país?

Pisaram na bola, no mesmo dia, Lula e FHC. Um pelo simplismo e mesmo arrogância com os quais se referiu a um problema gravíssimo que, se não sanado a tempo, pode levar de roldão diversas economias do mundo nos próximos anos. O outro pela mal disfarçada pontinha de inveja para com o caso de amor que o rival tem com o chamado povão. E também pela frase arrogante em relação ao país, ao mesmo tempo tão complexo que pode ser
sophistiqué e elitizado, bem ao gosto do baronato tucano, quanto despachado e popular, bem ao jeito do sapo barbudo e de seu exército de milhões de josés e marias.

Wagner Iglecias é doutor em Sociologia e professor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP.

Comentários

  1. Particularmente nao vejo "arrogancia" na frase do Lula, mas, ao contrario, vejo preocupacao frente a recessao americana.

    O problema, é que Lula, como sempre, fala um pouco mais que devia, e aquilo, que seria visto como sendo uma mera figura de linguagem se expressada por qualquer cidadao comum, se transforma em "arrogancia" quando utilizada pelo presidente.

    Sendo o atual presidente brasileiro, Lula sabe que a economia americana é complexa e sabe tambeque esta afeta o mundo inteiro, inclusive o Brasil. A ideia que a recessao americana pode ainda piorar, e que esta pode afetar o Brasil, nada mais honesto que expressar a preocupacao "pedindo" que o atual presidente americano resolva a crise americana atual. Caso contrario, o Brasil sera prejudicado, e desta forma, a visao de seu governo.

    ResponderExcluir
  2. Concordo com o leitor Daniel. O que me parece engraçado é que os colunistas mais sofisticados tendam, no esforço de parecerem imparciais, a sempre achar uma gafe ou uma metáfora improvisada e mal formulada dita pelo Lula para compensar uma gafe ou uma frase arrogante de FHC. Se apenas comentarem um dos dois, parece que temem parecer parciais. A mim nçao convencem mais. Vera Borda

    ResponderExcluir
  3. É impressão minha, ou nota-se um certo desespero nas hostes oposicionistas, grande imprensa incluída? Da Folha ao Noblat, estão todos perdendo a compostura, todos tirando a máscara. Já nada mais importa, parecem dizer, posto que nada do que fizemos até agora deu certo.

    O Noblat está tão destemperado que até os leitores dele, normalmente bem-comportados, começam a reclamar. A hierarquia de manchetes da Folha Online é um primor de falta de respeito pela inteligência alheia: "Dilma diz que banco de dados é 20 mil vezes maior que um dossiê", proclama o alto da página. Claro, nós sabemos, a Folha sabe, todos sabem que, por orientação do TCU, o banco de dados reúne informações sobre os gastos com representação de todo o governo Lula e de alguns anos do governo FHC, e tem a intenção de abrigar todos os dados até 1998. Mas a Folha finge que não sabe. Tanto que, logo abaixo, vem o lide: "A Folha revelou que a principal assessora da ministra ordenou relatório contra FHC. Dilma Rousseff admitiu que Casa Civil reuniu dados sobre gastos do ex-presidente." A Dilma não "admitiu" coisa alguma, ela declarou que os dados estão sendo reunidos – o que é de conhecimento público. Mas a Folha segue impávida, martelando: "dossiê, dossiê, dossiê".

    Os demais jornalões, Estadão e Globo, seguem mais ou menos a mesma linha, mas mais discretamente. A Folha perdeu de vez as estribeiras, pelo visto.

    Deve ser a ressaca da pesquisa CNI/IBOPE, que mostrou mais uma vez o quão incompetentes eles são.

    ResponderExcluir
  4. Caramba,
    está faltando humor a esses colunistas. Tudo bem se não quiser rir da piada do Lula, mas vir com discurso moralista é demais.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

O Entrelinhas não censura comentaristas, mas não publica ofensas pessoais e comentários com uso de expressões chulas. Os comentários serão moderados, mas são sempre muito bem vindos.

Postagens mais visitadas deste blog

Um pai

Bruno Covas, prefeito de São Paulo, morreu vivendo. Morreu criando novas lembranças. Morreu não deixando o câncer levar a sua vontade de resistir.  Mesmo em estado grave, mesmo em tratamento oncológico, juntou todas as suas forças para assistir ao jogo do seu time Santos, na final da Libertadores, no Maracanã, ao lado do filho.  Foi aquela loucura por carinho a alguém, superando o desgaste da viagem e o suor frio dos remédios.  Na época, ele acabou criticado nas redes sociais por ter se exposto. Afinal, o que é o futebol perto da morte?  Nada, mas não era somente futebol, mas o amor ao seu adolescente Tomás, de 15 anos, cultivado pela torcida em comum. Não vibravam unicamente pelos jogadores, e sim pela amizade invencível entre eles, escreve Fabrício Carpinejar em texto publicado nas redes sociais. Linda homenagem, vale muito a leitura, continua a seguir.  Nos noventa minutos, Bruno Covas defendia o seu legado, a sua memória antes do adeus definitivo, para que s...

Dica da Semana: Tarso de Castro, 75k de músculos e fúria, livro

Tom Cardoso faz justiça a um grande jornalista  Se vivo estivesse, o gaúcho Tarso de Castro certamente estaria indignado com o que se passa no Brasil e no mundo. Irreverente, gênio, mulherengo, brizolista entusiasmado e sobretudo um libertário, Tarso não suportaria esses tempos de ascensão de valores conservadores. O colunista que assina esta dica decidiu ser jornalista muito cedo, aos 12 anos de idade, justamente pela admiração que nutria por Tarso, então colunista da Folha de S. Paulo. Lia diariamente tudo que ele escrevia, nem sempre entendia algumas tiradas e ironias, mas acompanhou a trajetória até sua morte precoce, em 1991, aos 49 anos, de cirrose hepática, decorrente, claro, do alcoolismo que nunca admitiu tratar. O livro de Tom Cardoso recupera este personagem fundamental na história do jornalismo brasileiro, senão pela obra completa, mas pelo fato de ter fundado, em 1969, o jornal Pasquim, que veio a se transformar no baluarte da resistência à ditadura militar no perío...

Dica da semana: Nine Perfect Strangers, série

Joia no Prime traz drama perturbador que consagra Nicole Kidman  Dizer que o tempo não passou para Nicole Kidman seria tão leviano quanto irresponsável. E isso é bom. No charme (ainda fatal) de seus 54 anos, a australiana mostra que tem muita lenha para queimar e escancara o quanto as décadas de experiência lhe fizeram bem, principalmente para composição de personagens mais complexas e maduras. Nada de gatinhas vulneráveis. Ancorando a nova série Nine Perfect Strangers, disponível na Amazon Prime Video, a eterna suicide blonde de Hollywood – ok, vamos dividir o posto com Sharon Stone – empresta toda sua aura de diva para dar vida à mística Masha, uma espécie de guru dos novos tempos que desenvolveu uma técnica terapêutica polêmica, pouco acessível e para lá de exclusiva. Em um lúdico e misterioso retiro, a “Tranquillum House”, a exotérica propõe uma nova abordagem de tratamento para condições mentais e psicossociais manifestadas de diferentes formas em cada um dos nove estranhos, “...