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Aliança entre PT e PSDB:
sonho de uma noite de verão?

O que vai abaixo é o artigo do autor destas Entrelinhas para o DCI, a ser publicado na edição desta sexta-feira. Em primeira mão para os leitores do blog.

Não vai ser nada fácil para o prefeito de Belo Horizonte, Fernando Pimentel (PT), convencer os seus correligionários a aprovar uma aliança eleitoral com o PSDB do governador mineiro Aécio Neves em torno da candidatura de Márcio Lacerda (PSB) à prefeitura da capital de Minas Gerais. As negociações em curso são classificadas como “nojentas” pelo secretário de Relações Internacionais do partido, Valter Pomar, que também lidera a Articulação de Esquerda, uma ala minoritária, mas com força e capacidade de influir nos debates internos do PT.

E não é só na esquerda petista que existem resistências ao projeto de Pimentel. Ontem, o PT divulgou uma nota oficial, assinada pelo presidente da agremiação, Ricardo Berzoini, rebatendo a informação, publicada no jornal O Estado de Minas, de que a direção nacional do partido tenha decidido apoiar a aliança entre PT e PSDB na disputa da prefeitura de Belo Horizonte. A nota afirma que todas as decisões sobre alianças com vistas às eleições deste ano serão tomadas dia 24, em reunião da direção petista que será realizada em São Paulo.

O documento divulgado ontem reafirma o conteúdo de uma resolução aprovada em 9 de fevereiro e que qualifica o PSDB e o DEM como partidos de oposição radical ao governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. “O PSDB, nacionalmente, em aliança com o DEM, cumpre o papel de organizar a oposição política ao governo federal (...) Para além de organizar a oposição política, o PSDB busca reafirmar o projeto neoliberal que marcou sua passagem pelo governo federal, colocando-se como alternativa programática ao nosso projeto e organizando as forças sociais que a ele se opõem”, finaliza a nota.

Esquerda rejeita acerto
Se Berzoini foi brando na forma, Valter Pomar é um bem mais duro em relação às tratativas do prefeito Pimentel de estabelecer uma aliança explícita com o governador Aécio Neves. “Do ponto de vista nacional, a aproximação com o PSDB é um absurdo e um contra-senso, e do ponto de vista municipal, é um verdadeiro harakiri eleitoral”, afirma Pomar, lembrando que o PT administra Belo Horizonte desde 1993 – entre 1997 e 2001, o socialista Célio de Castro assumiu a prefeitura tendo como vice justamente o atual prefeito, Fernando Pimentel, que assumiu depois que Castro sofreu um derrame cerebral e se afastou da vida pública.

Segundo o dirigente petista, o prefeito de Belo Horizonte não consegue justificar a opção por uma aliança eleitoral com os tucanos. “Ainda se a gestão fosse mal avaliada, vá lá, mas é extremamente popular”, diz Pomar. Ele explica que a lógica de Pimentel é pessoal e visa a conquista do governo de Minas Gerais, em 2010 – o apoio de Pimentel a Márcio Lacerda, secretário de Aécio e homem ligado a Ciro Gomes, na eleição deste ano teria como contrapartida, em 2010, o apoio do governador à candidatura do próprio Fernando Pimentel ao Palácio da Liberdade, reforçando uma velha tradição da política brasileira de que em Minas Gerais não é preciso realizar eleição porque os caciques se acertam antes entre eles. “Este jeito de fazer política só confirma a tese preferida da direita brasileira, a de que todos são iguais”, reclama Valter Pomar.

Para a esquerda petista, não vai ser agora, com o presidente Lula surfando em taxas de aprovação e popularidade altíssimas, que o partido vai estender a mão ao PSDB. Segundo Valter Pomar, a estratégia para as eleições municipais deste ano precisa levar em conta a necessidade de fortalecer o PT e reforçar os quadros partidários com vistas às eleições de 2010. Pomar descarta, para as eleições presidenciais, qualquer tipo de aliança que tire das “esquerdas” o protagonismo político na chapa. A ser assim, dificilmente o PT deixaria de apresentar um candidato próprio para a sucessão de Lula, ainda que o nome não esteja bem cotado nas pesquisas de intenção de voto.
Quem conhece o PT sabe que de fato será muito difícil convencer os dirigentes partidários a abrir mão de uma candidatura presidencial em favor de um nome de outro partido, especialmente fora do campo das esquerdas. Já foi complicado fazer o partido aceitar a companhia de legendas de centro e de direita, como PP, PRB e PR, e isto só ocorreu exatamente porque o protagonismo era do PT. Em outras palavras, se foi duro fazer os petistas aceitarem apoio do centro, muito mais difícil será convencê-los a apoiar um candidato mais à direita.

A grande novidade de 2010 e talvez também de 2008, porém, é que o PT vai ser apenas uma parte da história, porque existe uma coisa nova na política brasileira chamada “lulismo”.

Que o presidente Lula sempre foi eleitoralmente maior do que o PT, todo mundo já sabia. Agora, porém, o presidente pode começar a descolar de seu partido e adotar uma postura diferente ou até contraditória em relação ao comando de seu partido.

Há até quem diga que a movimentação de Fernando Pimentel em Belo Horizonte tem um dedo do presidente, que nutriria alguma simpatia pela hipótese de Aécio Neves sucede-lo, especialmente se o governador trocar o PSDB pelo PMDB. Intriga da oposição, “plantação” do próprio Lula para manter acesa a chama da disputa entre Aécio e o governador de São Paulo, José Serra no PSDB, ou simplesmente a verdade dos fatos? Só o futuro vai dizer.

Até lá, é bastante provável que a falta de uma liderança natural no PT para substituir o presidente Lula seja um motivo de tensão no PT, com acirramento das discussões internas, como já se pode antever no debate sobre a aliança eleitoral em Belo Horizonte. Nunca é demais lembrar que, desde 1989, toda vez que alguém no PT levantou a hipótese de “guardar” Lula para uma eleição futura e permitir a ascensão de outras lideranças, este alguém foi devidamente decapitado politicamente – foi assim com Tarso Genro em 1998. O PT sem Lula é ainda uma história para ser escrita.

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