Empresas estatais são um fenômeno do século XIX na Europa e no Japão, e do século XX no Brasil. Foram criadas para suprir o desinteresse ou a falta de condições do setor privado em áreas fundamentais para o desenvolvimento. Na Europa, o enriquecimento do Reino Unido com a Revolução Industrial incentivou outros países a seguir o mesmo caminho. Eles não possuíam, todavia, as bases do capitalismo britânico, construídas durante séculos, incluindo bancos, ferrovias, indústria naval e outras. Resolveu-se a deficiência com companhias controladas pelo governo. Na Grã-Bretanha, a grande maioria das estatais surgiu, como no Brasil, após os anos 1950. O setor público assumiu áreas ditas “estratégicas”: ferrovias, petróleo e gás, aviação, siderurgia e telecomunicações. O Banco da Inglaterra — o banco central —, privado desde sua criação (1694), foi estatizado. Pouco mais de três décadas depois, no governo Margaret Thatcher, iniciou-se a privatização. Motivação: ineficiências, custos excessivos e desnecessidade de tais empresas. A ideia se espalhou mundo afora, escreve Maílson da Nóbrega na edição da Veja desta semana. Continua a seguir.
No Japão, as estatais nasceram com a restauração da dinastia Meiji (1868). Delegações foram enviadas a países ocidentais para copiar e adaptar a tecnologia, os métodos e as instituições que explicavam sua prosperidade. Copiou-se até a vestimenta ocidental. Voltadas para a industrialização, tais companhias atuavam em ferrovias, telecomunicações, têxteis, estaleiros, mineração e atividades intensivas de capital. Tão logo o setor privado pôde assumir essas atividades, privatizou-se em larga escala (anos 1880 e 1890), inclusive por causa dos elevados custos fiscais de sua operação.
No Brasil, a estatização se enraizou, mesmo tendo-se tornado dispensável. Explicação: a arraigada cultura anticapitalista que desconfia do lucro e da empresa privada. Ainda hoje, mesmo diante da robustez do setor privado, 67% rejeitam a privatização (Datafolha, setembro de 2019).
Muitos resistem à desestatização com argumentos inválidos, como o suposto caráter “estratégico” do Banco do Brasil e da Petrobras, por exemplo. Na verdade, quem merece esse atributo são a educação, a solidez das instituições e um saudável ambiente de negócios. Rejeita-se ainda a venda de estatais “que dão lucro”, embora o foco da privatização seja a eficiência, os ganhos de produtividade e a expansão do potencial de crescimento do país.
Para o atual presidente do Senado, “não podemos entregar patrimônio a qualquer preço”. Ele não percebe que a privatização ocorre mediante leilões competitivos, que geram valores apropriados. O presidente Jair Bolsonaro bloqueou mais de 80% do ousado e irrealista plano de venda de estatais do ministro da Economia.
No Brasil, tudo indica que vai demorar até a maioria da sociedade distinguir o papel do governo e do setor privado no desenvolvimento. Serão necessários educação de qualidade, liderança política eficaz e capacidade de convencimento. Hoje, tudo isso nos falta.
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