À falta de uma explicação que nos ajude a compreender o inexplicável, a gente tende a qualificar as cenas de aglomeração ocorridas neste não Carnaval país afora, com especial destaque para o Rio de Janeiro, como produtos do negacionismo aliado à irresponsabilidade egoica. Seja como for, tenha o nome que tiver esse tipo de coisa, chama atenção a semelhança das imagens de festas, bares e ruas apinhadas de gente com as fotos e vídeos do presidente da República desde o início da pandemia em franca produção de boas oportunidades para o coronavírus se espalhar, contaminar e muitas vezes matar, escreve Dora Kramer na edição desta semana da revista Veja. Vale a leitura, continua a seguir.
Neste feriado não foi diferente, embora o comportamento das pessoas comuns (se é que podem ser chamadas assim) tenha sido bem pior. Pareciam tomadas por um apagão de consciência, como se o transcurso dos dias formalmente carnavalescos tivesse por si um efeito imunizante, quando ocorre o contrário: foi nas ruas do Leblon, nos bares da Lapa, nos bailes do Morro do Vidigal que o vírus fez sua folia, cuja conta será paga por todos daqui a alguns dias.
De folga em Santa Catarina, Jair Bolsonaro mais uma vez se dedicou à incansável tarefa de patrocinar confraternizações que lhe permitam ao mesmo tempo negar a gravidade da crise sanitária com atos — pois com palavras está temporariamente impedido para não ser acusado de trabalhar contra a vacinação — e produzir cenas de celebração popular para muito provavelmente usar na campanha à reeleição.
Na condição de cinegrafista oficial do festim na praia catarinense, o deputado Eduardo Bolsonaro dava a senha, forçando uma comparação com o ex-presidente Lula, dizendo que ele jamais teria ali uma recepção igual à dada ao pai. Falou de Lula porque é o contraponto predileto, mas estava implícito na provocação o rol de possíveis oponentes em 2022. Como se dissesse: “Doria, Huck, Ciro, Moro, Mandetta, Boulos ou Haddad não seriam recebidos com tanto apreço e entusiasmo”.
Claro que não. Primeiro porque há a atração óbvia pela figura presidencial e, segundo, porque nenhum deles se disporia a cometer tal maluquice da qual sairiam politicamente carbonizados. Além disso, Bolsonaro atira em alvos certeiros, sabe o que dizer ao público que gosta desse tipo de conversa. Foi justamente a inconsequência em relação às escolhas, no caso do voto, um dos principais fatores que o levaram à Presidência.
É com ela que Bolsonaro conta para repetir a dose no próximo ano. E a julgar pelas cenas do Carnaval quando os festeiros invocaram na prática a conduta leviana do presidente, pode ser que na perspectiva dele não esteja de todo errado.
Quando multidões de brasileiros compartilham desse comportamento abusivo pretendendo-se espertos diante de prefeitos, governadores, autoridades da área de saúde, dirigentes de escolas de samba, patrocinadores de grandes blocos de rua e todos os demais cidadãos que entendem a gravidade do momento e são tidos como otários, há no cenário pré-eleitoral um alerta a ser levado em consideração.
Não como uma evidência de que a próxima eleição será igual à que passou, entre outros motivos por que a agenda de Bolsonaro mudou. Mas deve ser visto como um sinal de que, se há gente disposta a arriscar a vida em nome da inconsequência, existe um grande público predisposto a embarcar na canoa mais a mão e que bem ou mal esteja se movimentando.
Portanto, já está mais que na hora de a oposição se mexer. O tempo urge, afinal, os oponentes vão se propor a ser presidente no ano que vem e até agora nenhum deles disse qual é a ideia-chave para dialogar com a sociedade. Bolsonaro tem as dele e as apresenta diariamente ao eleitorado.
IMPEACHMENT
O julgamento do impeachment pós-Presidência de Donald Trump aberto pela Câmara e concluído pelo Senado americano nos deu duas lições. Uma: há situações em que o recurso se impõe independentemente da aprovação ou não. No mínimo serve como um alto lá de um país a um governante deletério.
Segunda lição: de um processo como aquele, em que a acusação demonstrou de forma incontestável fatos que justificariam o impedimento, político nenhum sai fortalecido. Ainda que não condenado. Mas, se a acusação for débil, malposta, meramente adjetivada e o Congresso servir de palco a invocações de caráter individual referidas nas conveniências de cada um, aí realmente é melhor não fazê-la.
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