Pular para o conteúdo principal

Com roteiro ousado, ‘O Colapso’ imagina passo a passo do caos global

No corredor do supermercado em que Omar é caixa, a namorada tenta convencê-lo a partir com ela e os amigos, imediatamente, carregando todos os suprimentos que eles consigam reunir. Omar reluta: tem prova dali a uma semana, não pode abandonar o caixa — e já houve tantas crises antes, por que esta seria diferente ou pior? Nesse primeiro episódio de O Colapso (L’Effondrement, França, 2019), que estreia nesta segunda-feira, 8, às 22 horas, no canal AMC, está-se no dia D +2. Ou seja, faz pouco mais de 48 horas que a ruína começou, e seu primeiro sintoma, as prateleiras vazias, está se anunciando com uma urgência que se avoluma muito rapidamente. Mais três dias, e outro pilar da vida normal já terá desabado: não se encontra mais combustível. Em um posto que ainda tem um resto de gasolina nas bombas, o dono extorque os fregueses em troca de alimentos (o dinheiro perdeu o valor), até que uma faísca social faz a situação explodir. Até o sétimo episódio, essa série francesa terá coberto as semanas e os meses seguintes ao colapso em cenários diversos: uma comunidade agrícola que recebe mais gente que esperava, uma usina nuclear sem manutenção, as rotas de escape dos muito ricos, um asilo de idosos do qual um único funcionário não desertou, resenha Isabela Boscov na edição da Veja desta semana. Continua a seguir.


Não apenas a ideia central de O Colapso é instigante — uma crise de abastecimento que faz todo o dominó global desmoronar —, como a forma escolhida é a melhor tradução possível para ela: cada episódio (os três primeiros vão ao ar no dia 8, os três seguintes no dia 15 e os dois últimos no dia 22) tem cerca de vinte minutos e é rodado como um plano-sequência, sem cortes e em tempo real, numa precipitação de pânico, caos, irracionalidade e egoísmo (ou, raramente, altruísmo) que arrasta o espectador e o submete à mesma pressão moral dos personagens. “Queríamos que cada pessoa que assiste à série sentisse que aquilo pode acontecer com ela própria”, disseram a VEJA os três jovens realizadores do coletivo Les Parasites. O sétimo episódio, A Ilha, que tem só a magistral Lubna Azabal em cena, é um tour de force — mais ainda por desaguar em um desfecho que é, na verdade, um prólogo no qual a mesma Lubna, que se acabou de ver em um frenesi, surge no auge de seu privilégio e cinismo, mentindo descaradamente sobre o que ela sabe ser a iminência de uma catástrofe. Mudam os personagens, a história é sempre a mesma.



Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Rogério Andrade, o rei do bicho

No dia 23 de novembro do ano passado, o pai de Rodrigo Silva das Neves, cabo da Polícia Militar do Rio de Janeiro, foi ao batalhão da PM de Bangu, na Zona Oeste carioca, fazer um pedido. O homem, um subtenente bombeiro reformado, queria que os policiais do quartel parassem de bater na porta de sua casa à procura do filho — cuja prisão fora decretada na semana anterior, sob a acusação de ser um dos responsáveis pelo assassinato cinematográfico do bicheiro Fernando Iggnácio, executado com tiros de fuzil à luz do dia num heliporto da Barra da Tijuca. Quando soube que estava sendo procurado, o PM fugiu, virou desertor. Como morava numa das maiores favelas da região, a Vila Aliança, o pai de Neves estava preocupado com “ameaças e cobranças” de traficantes que dominam o local por causa da presença frequente de policiais. Antes de sair, no entanto, o bombeiro confidenciou aos agentes do Serviço Reservado do quartel que, “de fato, seu filho trabalhava como segurança do contraventor Rogério And...

No pior clube

O livro O Crepúsculo da Democracia, da escritora e jornalista norte-americana Anne Applebaum, começa numa festa de Réveillon. O local: Chobielin, na zona rural da Polônia. A data: a virada de 1999 para o ano 2000. O prato principal: ensopado de carne com beterrabas assadas, preparado por Applebaum e sua sogra. A escritora, que já recebeu o maior prêmio do jornalismo nos Estados Unidos, o Pulitzer, é casada com um político polonês, Radosław Sikorski – na época, ele ocupava o cargo de ministro do Interior em seu país. Os convidados: escritores, jornalistas, diplomatas e políticos. Segundo Applebaum, eles se definiam, em sua maioria, como “liberais” – “pró-Europa, pró-estado de direito, pró-mercado” – oscilando entre a centro-direita e a centro-esquerda. Como costuma ocorrer nas festas de Réveillon, todos estavam meio altos e muito otimistas em relação ao futuro. Todos, é claro, eram defensores da democracia – o regime que, no limiar do século XXI, parecia ser o destino inevitável de toda...

Dúvida atroz

A difícil situação em que se encontra hoje o presidente da República, com 51% de avaliação negativa do governo, 54% favoráveis ao impeachment e rejeição eleitoral batendo na casa dos 60%, anima e ao mesmo tempo impõe um dilema aos que articulam candidaturas ditas de centro: bater em quem desde já, Lula ou Bolsonaro?  Há quem já tenha a resposta, como Ciro Gomes (PDT). Há também os que concordam com ele e vejam o ex-presidente como alvo preferencial. Mas há quem prefira investir prioritariamente no derretimento do atual, a ponto de tornar a hipótese de uma desistência — hoje impensável, mas compatível com o apreço presidencial pelo teatro da conturbação — em algo factível. Ao que tudo indica, só o tempo será capaz de construir um consenso. Se for possível chegar a ele, claro. Por ora, cada qual vai seguindo a sua trilha. Os dois personagens posicionados na linha de tiro devido à condição de preferidos nas pesquisas não escondem o desejo de se enfrentar sem os empecilhos de terceira,...