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Impeachment traria estabilidade, diz líder do Vem Pra Rua

A crise do oxigênio em Manaus e a gestão errática do governo federal da vacinação contra a covid-19 serviram de impulso para grupos que apoiaram o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, em 2016, entrassem na campanha por mais um impeachment, agora o de Jair Bolsonaro. No último domingo (24/01), dois desses grupos, o Vem Pra Rua e o Movimento Brasil Livre, lideraram carretas para pressionar a Câmara dos Deputados a analisar as acusações de crimes de responsabilidade contra o presidente, um dia após movimentos à esquerda terem feito o mesmo, revela matéria da Deutsche Welle, publicada na Época desta semana. Continua a seguir. 


Em entrevista à DW Brasil, Renato Sella, coordenador do Vem Pra Rua, afirma que o presidente cometeu diversos crimes de responsabilidade durante a gestão da pandemia e que a sua retirada do poder seria benéfica para o país, apesar do curto período de tempo transcorrido desde o último impeachment.

"Bolsonaro descumpriu praticamente todas as suas promessas de campanha, vem desestabilizando o país, promovendo desunião. Não há um debate sobre argumentos, sobre fatos, sobre ideias, há agressão", afirma. Ele menciona que o vice-presidente, Hamilton Mourão, estaria se movimentando a respeito do tema e tem uma conduta "muito mais equilibrada".

Já foram apresentados mais de 60 pedidos de impeachment contra Bolsonaro, e cabe ao presidente da Câmara dos Deputados decidir iniciar o processo. O Vem Pra Rua está preparando mais um pedido, "robusto", em conjunto com entidades da sociedade civil e juristas, que deve ser protocolado nas próximas semanas.

As condições objetivas para a remoção do presidente são hoje diversas daquelas que antecederam a deposição de Dilma. O placar do impeachment, organizado por apoiadores da causa, contabiliza 111 deputados favoráveis, 231 a menos que o mínimo necessário. Além disso, Bolsonaro tem chance de, na próxima segunda-feira (1º/02), ver um aliado, Arthur Lira (PP-AL), ser eleito o próximo presidente da Câmara.

A parcela de brasileiros que considera o governo de Jair Bolsonaro ótimo ou bom caiu de 37% para 31% na última pesquisa Datafolha, realizada em 20 e 21 de janeiro, mas ainda é muito superior à de Dilma antes do impeachment, que chegou a registrar 9% de ótimo e bom em dezembro de 2015. Além disso, 53% dos brasileiros hoje rejeitam o impeachment de Bolsonaro. O empresariado, que apoiou em massa a deposição da petista, também não se entusiasma no momento com a retirada do presidente: 71% deles acham que o Congresso não deveria abrir um processo de impeachment.

Para Sella, seria uma questão de tempo para que o cenário contra o presidente piore e a pressão contra Bolsonaro ganhe corpo. Ele avalia que os empresários são mais cautelosos e estão aguardando que o pedido de impeachment ganhe substância, com a negociação com os congressistas e o eventual apoio de pareceres de órgãos públicos, como ocorreu no caso de Dilma com o Tribunal de Contas da União e o Ministério Público de Contas, caso Bolsonaro fure o teto de gastos.

O coordenador do Vem Pra Rua também espera que os deputados avaliem o pedido de impeachment "com outros olhos" de acordo com a evolução da economia e da popularidade do presidente. E a população, diz, precisará receber "mais informações" para entender "a necessidade de que o vice-presidente (...) traga maior estabilidade e melhor conduta às pautas públicas", diz. "Há um processo econômico, que é diferente do processo jurídico e do processo político. Cada um tem seu tempo de maturação", afirma.

Quando o Vem Pra Rua decidiu defender o impeachment de Bolsonaro?

Já tínhamos encampado o "Fora Bolsonaro" no final do ano passado, por conta dos desmandos e do absoluto descumprimento de suas promessas de campanha. No impeachment em si, embarcamos após a crise de Manaus, quando vimos o seu representante no Ministério da Saúde, [Eduardo] Pazuello, ir a Manaus tratar de um protocolo chamado "tratamento precoce" e sequer levantar questões básicas como a distribuição de insumos. Isso causou mortes de brasileiros, é uma responsabilidade objetiva e dá materialidade ao crime de responsabilidade.

Já existem mais de 60 pedidos protocolados e estamos trabalhando em um novo, com muitos juristas renomados. Será um pedido robusto, com mais de 300 páginas, que detalha diversos crimes já cometidos. Com o afastamento de Bolsonaro, o país conseguirá ter estabilidade, bom senso e responsabilidade com suas funções. E um equilíbrio, eu diria, inclusive emocional.

Quem está elaborando esse novo pedido?

São vários grupos, entidades da sociedade civil, juristas e pessoas da área de comunicação. Quando for protocolado, apresentaremos todos os signatários.

Quando será protocolado?

Nas próximas semanas. Hoje há preocupação com a eleição [para presidente] da Câmara e do Senado. Bolsonaro vem torrando o dinheiro público para negociar o seu candidato, Lira, comprometido em não pautar os pedidos [de impeachment]. Temos que focar na denúncia do absurdo acordo que Bolsonaro vem fazendo com muitos deputados e senadores, que custará bilhões do erário público que poderiam ser investidos na imunização da população.

Para o Vem Pra Rua, quais artigos da lei sobre os crimes de responsabilidade justificariam o impeachment do presidente?

Na lei 1.079 [que trata dos crimes de responsabilidade], temos o artigo sétimo, item nono [violar direitos individuais, como o direito à vida, e direitos sociais] e o artigo nono [crimes contra a probidade na administração], todos na área da saúde. Existe também descumprimento da lei quanto à estabilidade institucional e democrática, como quando o presidente declara que as Forças Armadas são quem garante a democracia. Bolsonaro comete diversos crimes. Estamos analisando principalmente a área da saúde, mas haverá denúncias tratando de outros assuntos.

O último impeachment no Brasil ocorreu em 2016, contra a então presidente Dilma. Menos de cinco anos depois, o Vem Pra Rua e outros movimentos estão novamente pedindo o impeachment de um presidente. Não há risco de banalizar um remédio constitucional que deve ser excepcional?

Ao contrário, há o fortalecimento do remédio, para que todos aqueles que concorram a cargos públicos eletivos entendam que o artigo primeiro da Constituição e seu parágrafo único devem ser exercidos: o poder emana do povo e deve ser exercido pelo povo, diretamente, como é o caso agora, ou através de seus representantes. E os representantes devem atender à vontade popular. Jair Bolsonaro descumpriu praticamente todas as suas promessas de campanha, vem desestabilizando o país, promovendo desunião. Não há um debate sobre argumentos, sobre fatos, sobre ideias, há agressão. O processo de impeachment vem trazer a estabilidade.

O movimento pelo impeachment de Dilma teve grande apoio de empresários e associações patronais, fator hoje ausente da pressão pelo impeachment de Bolsonaro. Segundo pesquisa Datafolha realizada em 20 e 21 de janeiro, 71% dos empresários acham que o Congresso não deveria abrir um processo de impeachment contra o presidente. Por quê?

O empresariado tem cautela, prefere esperar um pouco mais antes de embarcar no pedido. Mas tenho certeza que, materializado o pedido, negociado com parlamentares, suportado por órgãos públicos, como órgãos reguladores da saúde ou órgãos fiscalizadores como o Ministério Público, e [depois que] começarmos a trabalhar as instituições, tenho certeza que o empresariado vai entender.

Afinal, temos um grave risco à nossa frente, que é o Jair Bolsonaro furar o teto, por exemplo. Isso representa um risco enorme. A inflação já vem em uma tocada de alta, e isso vem prejudicando a cadeia produtiva. No momento certo, o empresariado vai entender a gravidade e a necessidade de afastamento.

O eventual estouro do teto de gastos levaria a mais apoio para o impeachment?

Não só o eventual estouro do teto, mas o reforço, a documentação emitida por órgãos públicos, como foi no caso da Dilma com o TCU [Tribunal de Contas da União]. O empresariado, naquela época, estava sofrendo uma crise já existente. Nós estamos caminhando a passos largos para uma crise muito parecida com o que ocorreu na época da Dilma. Há um processo econômico, que é diferente do processo jurídico e do processo político. Cada um tem seu tempo de maturação.

Também segundo o último Datafolha, o percentual dos brasileiros que avaliam o presidente Bolsonaro como ótimo ou bom caiu de 37% para 31%, e os que o avaliam como ruim ou péssimo subiu de 32% para 40%. Não é boa notícia para o presidente, mas está longe de um desastre. Antes do seu impeachment, Dilma chegou a registrar 70% de ruim e péssimo. Além disso, 53% dos brasileiros hoje rejeitam o impeachment de Bolsonaro. Como vocês pretendem levar adiante um impeachment nessas condições de popularidade?

Demonstrando, é comunicação. O país sofre agora o risco de agravamento da crise econômica. Isso tudo ainda está começando a se consolidar, e a população vai precisar de mais informações para que entenda a necessidade de que o vice-presidente, através do processo legal do impeachment, traga maior estabilidade e melhor conduta às pautas públicas. Aos poucos estamos mostrando a gravidade da conduta ruim e desagregadora de Jair Bolsonaro.

Os dois principais candidatos tanto na disputa à presidência da Câmara como pela do Senado não veem condições ou não se comprometeram com a abertura do processo de impeachment. Como avalia essa conjuntura?

Já vi algumas declarações de um dos candidatos à Presidência da Câmara [Baleia Rossi] relatando que analisará os possíveis processos de impeachment. É um momento político agora, e vejo que há uma cautela por parte dos candidatos em não externar o aceite ou a análise. O Eduardo Cunha, na época da Dilma, por diversas vezes também falou que não iria apreciar [o impeachment], e quando a conjuntura, crise, provas, processo, percepção da população se alinharam, ele chegou ao ponto de abrir o processo. Temos certeza que todos analisarão, com maior detalhamento, na hora em que tudo estiver mais robusto e posto à mesa.

O placar do impeachment registra hoje 111 deputados a favor da causa, 231 a menos do que o mínimo necessário, isso enquanto o governo cede espaço e verbas para partidos do Centrão em troca de apoio. Acha possível furar essa base do governo?

Havendo o processo e condições políticas para isso, os deputados que compõem o chamado Centrão irão sim analisar com maior vontade essa questão. Respeito o posicionamento do chamado o Centrão e dos seus integrantes, mas agora eles estão tratando da eleição da Casa. A posteriori, com maior robustez, tenho certeza que vão analisar com outros olhos essa questão.

Não só os deputados do Centrão. Até o DEM, partido do atual presidente da Câmara, Rodrigo Maia, tem migrado para a candidatura de Lira.

Sim. Na política muito é falado de uma forma mas, na hora do voto, muitos mudam de opinião. Ainda mais quando o voto à eleição da Presidência da Casa é secreto. Acredito que os deputados vão, no momento do voto, pensar no bem do país e não em benefícios, cargos ou vantagens.

E como você vê a figura do vice-presidente, general Hamilton Mourão, nesse processo? Ele deu uma entrevista à CNN Brasil nesta semana na qual reclamou da falta de contato com Bolsonaro. Alguns analistas disseram que o episódio lembra a carta enviada em 2015 pelo então vice-presidente Michel Temer a Dilma, na qual ele também reclamava que não era ouvido. 

O Mourão tem tido uma responsabilidade grande quanto às suas falas. Ele tem tido uma atitude correta, de cautela, não promover a discórdia. Hoje [quinta-feira] mesmo foi divulgado que ele vem mandando emissários alinhados a ele falarem com os deputados e senadores. Sinceramente, não vejo como saudável colocar na mão do Mourão a responsabilidade de seguir ou não com o impeachment. Ele é vice-presidente, tem que manter coerência, cautela e um trato político equilibrado.

Mas impeachment sem um mínimo envolvimento do vice é difícil de acontecer.

Vejo que, diante da cautela necessária do cargo, ele tem essa possibilidade.

O Vem Pra Rua considera que ele seria um presidente melhor?

Diante do histórico, da conduta, do comportamento, Mourão já se mostrou ser melhor articulador que Jair Bolsonaro. A conduta de Mourão se mostrou nos últimos dois anos muito mais equilibrada.

Vocês têm conversado com movimentos à esquerda que também defendem o impeachment de Bolsonaro? Vislumbram alguma possibilidade de ação conjunta?

O que seria o movimento de esquerda? Quando se trata de movimento partidário de esquerda, não tem como conversar, sentar na mesma mesa e falar vamos unir as forças, eles têm motivos diferentes da sociedade civil organizada. Mas movimentos com viés mais libertário, não há problema nenhum em conversar. A democracia demanda conversa.

Sinceramente, não acho bom o país continuar levando essa narrativa de esquerda e direita. O país é um só. A sociedade é uma só. Essa narrativa não colabora com a união da população. Conversamos com todos aqueles que não levem bandeiras partidária, mas sim a demanda principal que é cuidar da saúde da população e evitar mais mortes.

Caso o movimento pelo impeachment engrosse e haja mais carreatas ou manifestações, vocês não conversariam com partidos que apoiavam Dilma?

Não conversaríamos com qualquer partido que queira tomar proveito. Na nossa chamada da carreata do dia 24 [de janeiro] está bem claro: apenas a bandeira do Brasil. No ofício para a Polícia Militar e para a CET para a autorização da carreata, pedimos às forças de segurança que afastem da carreata, não é proibir, não é ser agressivo, mas que fosse solicitado o afastamento de bandeiras partidárias. Não se trata só de partidos de esquerda. Trata-se de qualquer partido que tente, em uma manifestação, a promoção política do seu grupo. Não será aceito. Para o Vem Pra Rua, é importante que essa chamada seja da sociedade, e não de um partido ou de um grupo de partidos.



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