Amigo leitor, grande parte dos pacientes que tentam fazer o melhor possível para evitar a contaminação pelo coronavírus, quando procuram o consultório com sinais e sintomas de covid, se mostram espantados. Não sabem dizer onde “pegaram o vírus”. Quando muito acham que se infectaram com alguém com quem convivem que já manifestou a doença, mas não sabem dizer onde o familiar contraiu o vírus. Esta é a grande questão de uma epidemia ou pandemia. O vírus está aqui, ao seu lado, onipresente, onipotente. O vírus não está apenas lá, nas festas ou nas aglomerações. Lá estão as pessoas que por algum motivo negam a existência do vírus ou o mal que ele pode causar e não se incomodam em servir como transporte do vírus para outros lugares, escreve Iran Gonçalves Jr. em sua coluna no Valor, publicada dia 5/1, continua a seguir.
O vírus não pensa, não escolhe vítimas, ele apenas se reproduz quando encontra um hospedeiro. Você pode não esbarrar com o vírus durante o dia de hoje e de amanhã, mas pode esbarrar com ele amanhã à noite no elevador do seu prédio, no abraço do seu filho, no mercado ou no trabalho.
Por isso, tentar saber se está infectado antes de viagens ou trabalho ou por mera curiosidade é falho. Você faz o exame hoje de manhã, que pode vir negativo, se contaminar à tarde e viajar tranquilo, infectado e ainda assintomático daqui a dois dias.
Dado que é impossível ficar trancado em casa por todo o tempo e que só a vacinação em massa pode parar esta pandemia, o que podemos fazer para nos proteger e proteger a todos ao nosso redor? Usar máscaras e manter um distanciamento adequado ainda é o que é possível fazer.
Mesmo quem usa ônibus, metrô, avião ou qualquer transporte deve estar de máscara e o mais distante possível do outro. Óbvio que é tarefa hercúlea, dadas as condições do transporte, e é aqui que empresas e governos deveriam agir, com horários escalonados e vagas mais limitadas nos transportes. Propiciar segurança é dever de quem vende o serviço.
Nos locais de trabalho, vale o mesmo raciocínio: máscara e distanciamento. É necessária uma reengenharia das cadeias e linhas de produção em prol da saúde do trabalhador. Utopia? Fantasia? Não creio. Parar a linha de produção é mais danoso e custoso. Novamente, propiciar segurança no trabalho é dever da empresa.
Em escritórios e escolas, bem como em qualquer outro local de aglomeração, vale sempre a mesma lógica do uso de máscaras e distanciamento.
Veja que entre o compromisso do uso de máscara e distanciamento e a implementação de medidas extremas, como fechamento de lojas e empresas e “lockdowns”, há um continuum onde maior aderência às medidas menos radicais pode significar menor necessidade das medidas mais radicais.
Não acredito que, nesta altura, haja argumento capaz de convencer os incrédulos de que o mundo enfrenta uma guerra de consequências ainda imprevisíveis. Fico imaginando qual discurso Churchill faria se soubesse que tinha um festão no Hyde Park durante um bombardeio. Para nós, os crédulos, seguem alguns lembretes simples sobre como podemos nos proteger melhor.
Mantenha a atenção no que é mais seguro, não apenas no que é permitido. Por exemplo, use máscaras quando for encontrar seus amigos, e no trabalho, quando tiver que falar com alguém. Use máscara dentro de casa se alguém for trabalhar na sua casa. Peça para essa pessoa também usar máscara. Se sua exposição é grande, use máscara em casa se conviver com pessoas do grupo de maior risco. Lembre-se que a expressão “maior risco” se refere à maior possibilidade de apresentar uma doença mais grave e não à maior facilidade para se infectar. Use máscara e mantenha distanciamento mesmo que você confie muito que a pessoa que você vai encontrar está se cuidando e fazendo tudo certo. O risco é igual para as duas.
Quanto menor o local em que você trabalha ou maior o número de pessoas trabalhando juntas, maior a necessidade de boa ventilação ou distanciamento. O vírus é transmitido por gotículas que podem permanecer algum tempo no ar. Locais fechados, mal ventilados, pequenos ou com muitas pessoas aumentam a concentração das unidades virais no ambiente.
Atividades ao ar livre são mais seguras que atividades em locais fechados, mas não há segurança total. É pouco provável contrair o vírus se esbarrar em alguém, mas se o grupo for grande, com muita gente próxima, rindo e falando alto, a chance de transmissão aumenta.
Use a máscara de maneira adequada. Máscaras no queixo, boca, testa e pescoço, pasme você, não protegem... Não toque na superfície da máscara, se tocar use álcool em gel ou lave as mãos. É difícil, eu sei, mas é um treino. Quando colocar, tirar ou tiver que ajeitar a máscara, melhor segurá-la pelas bordas ou pelos cordões que a prendem nas orelhas. Mantenha sua máscara em um saco plástico, não a deixe em cima da mesa ou qualquer outro lugar desprotegido.
Evite falar alto, gritar ou cantar em grupo. Quanto maior o volume de ar que sai dos pulmões, maior a quantidade de vírus expelida e mais longe ele vai. É como um jato de partículas.
Mesmo com as vacinas, eventuais novas variantes do vírus vão exigir estes cuidados por mais tempo. Pode parecer que isso é muito pouco. Que essas medidas não são capazes de alterar os “grandes números”, mas é assim que se faz. Populações de países que fizeram tudo o mais corretamente possível estão mais seguras, com a economia mais forte e com um baixo número de mortos. A Nova Zelândia é o exemplo maior.
Nossa vida mudou muito no ano passado e vai continuar mudada neste ano. Adaptar-se a essas mudanças é a melhor maneira de sairmos ilesos. Dar o exemplo ajuda o próximo e nos ajuda, nos lembra, também, de um senso de coletividade que às vezes parece esquecido. A guerra que a geração de Churchill enfrentou terminou. Esta é a nossa guerra, mais que mundial, planetária.
Iran Gonçalves Jr, médico intensivista, cardiologista do corpo clínico do Hospital Israelita Albert Einstein e responsável pelo PS de Cardiologia do Hospital São Paulo, da Escola Paulista de Medicina, escreve neste espaço mensalmente
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