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Por dentro do Clubhouse, a novidade entre as redes sociais

Esqueça os likes do Facebook, os textos do Twitter e as selfies infinitas do Instagram. Visualize um feed bege-pastel com links infinitos para diversas salas de chamada em grupo, cujos temas variam da neurociência à última fofoca do BBB21. Esqueça também a webcam. Só o uso do áudio é permitido, e as únicas imagens que ilustram a rede são as fotos de perfil dos usuários. Assim funciona a Clubhouse, a rede social do momento — que já ganhou adeptos como o megaempreendedor Elon Musk, o homem mais rico do mundo, e a apresentadora Oprah Winfrey. Nas chamadas, em grupos que podem variar de 2 a 5 mil participantes, os usuários dividem-se entre moderadores, speakers (ou apresentadores) e ouvintes. Não há chat. Quer falar? Basta clicar no ícone de uma mãozinha e esperar sua vez de abrir o microfone — se os moderadores permitirem, escreve Suzana Correa na edição desta semana da revista Época. Continua a seguir.


Após um ano de pandemia e incontáveis reuniões por videochamada, seja no trabalho em home office ou para falar com familiares, era de imaginar que o formato de chamadas em grupo estivesse desgastado. Mas ninguém previu o sucesso do app lançado em março de 2020 na Califórnia. Avaliada em US$ 100 milhões por empresas de venture capital em maio do ano passado, quando somava apenas 1.500 usuários, a Clubhouse tem hoje valor de mercado estimado em US$ 1 bilhão. No Brasil, as buscas pelo aplicativo no Google cresceram 4.850% na primeira semana de fevereiro.

A explicação do sucesso é que as pessoas já se habituaram às conversas digitais coletivas e à etiqueta dessas interações. Transitar entre diversas websalas tornou-se fácil e natural, especialmente se não houver a necessidade de aparecer em vídeo. “Os bate-papos ao vivo criam um clima intimista, e a barreira de entrada nas conversas é baixa, já que você não precisa se produzir para abrir a câmera”, explicou Douglas Nogueira, usuário da nova rede e diretor da Talent Marcel, agência de publicidade que tem entre seus clientes gigantes como a Claro e o Banco Safra. Mas esses não são os principais atrativos da plataforma. “Existe uma euforia, até um pouco exagerada, que tem muito mais a ver com o fato de ser exclusiva para quem for convidado”, disse.

Por enquanto, a plataforma criada pelos empreendedores do Vale do Silício Paul Davison e Rohan Seth está em fase de testes e disponível apenas para o sistema operacional iOS, usado nos iPhones. Cada usuário tem o direito de convidar até dois outros números de telefone para a rede.

Os ares de rede VIP conquistaram de artistas a empreendedores da Avenida Faria Lima, o coração financeiro de São Paulo, que veem na Clubhouse a oportunidade de fazer networking. Numa noite da segunda semana de fevereiro, era possível transitar entre uma sala com presidentes e gestores de empresas de tecnologia de médio porte dispostos a fazer novos contatos, pular para uma discussão sobre tratamentos oncológicos com especialistas da área e professores da Universidade de São Paulo (USP) e terminar ouvindo uma análise política com jornalistas. “É como se a gente estivesse numa mesa de bar, sabe?”, elogiou um usuário na sala intitulada “Gente, o que está rolando?”, voltada para a discussão de amenidades.

Talvez por causa do ineditismo da rede social, muitas conversas descambam para análises da própria Clubhouse. A interface pouco intuitiva e a escassez de opções para proteger a privacidade são pontos negativos levantados por usuários brasileiros.


“Aqui não importa minha aparência, importa o que tenho a dizer”, defendeu uma usuária numa sala destinada a discutir marketing e influência digital. “Eu quero trocar ideia, ver o que a pessoa me agrega. Vai ter muita gente famosa em outras redes que nem vai se meter aqui, porque aqui tem de se garantir no improviso, saber o que está fazendo e falar algo que agrega.” Outro usuário completou: “Parece agressivo, mas vou falar: é uma rede que vai nos ajudar a parar de fazer gente estúpida famosa”. Um marketeiro, mais cético, provocou os colegas de bate-papo: “Mas é aquilo: eu posso agora dizer para vocês uma grande mentira ou que sou filho de um famoso. E quem vai dizer que não?”. Um dos problemas da nova rede é justamente a impossibilidade de verificar a conta.

Problemas à parte, a ascensão do app acompanha a tendência de crescimento de produtos digitais voltados para o áudio. Na correria do dia a dia, eles permitem economizar tempo ouvindo conteúdo enquanto são realizadas outras tarefas, como atividades domésticas, esportivas ou profissionais. Cresceu também a vontade de falar e ser ouvido. Uma pesquisa da Associação Brasileira de Podcasters mostrou que 70,3% dos profissionais que atuam no ramo iniciaram seu podcast a partir de 2018. O detonador do sucesso do aplicativo no Brasil foi José Bonifácio Brasil de Oliveira, o Boninho, diretor do reality show Big Brother Brasil. No dia 7 de fevereiro, ele entrou numa sala e passou a conversar sobre o programa com ávidos telespectadores e jornalistas da área. O papo rendeu publicidade gratuita para a plataforma e pedidos desesperados de convites pelos fãs da atração.

Se em outras redes sociais uma mentira ou acusação pode ser apontada ao menos nos comentários ou no chat, na Clubhouse não há intervenção desautorizada. São os mediadores que dizem quem pode abrir o microfone. Essa falta de censura fez a festa dos críticos do governo na China, que acabou proibindo o app. No Ocidente, as repercussões da Clubhouse para o debate político são desconhecidas. Mas o potencial de uso da plataforma como instrumento de disseminação de fake news e discursos de ódio já preocupa. É verdade que as regras repudiam essas práticas. O problema é impor qualquer coisa em uma plataforma que não registra o que é dito e impede as pessoas de rebater ou desmentir sem a autorização dos mediadores.

Em Brasília, a maioria dos políticos parece estar ainda patinando na nova plataforma. Entre os que aderiram, predominam figuras à esquerda, como Manuela D’Ávila, candidata derrotada do PCdoB à prefeitura de Porto Alegre, que conduz conversas sobre política e feminismo. Na família Bolsonaro, o primeiro a criar uma conta, em 6 de fevereiro, foi Renan Bolsonaro (@bolsonaro_jr), convidado pelo amigo e sargento da reserva do Exército israelense Fernando Larrat — a plataforma exibe, no perfil, quem convidou o usuário para estar ali. Os dois amigos também seguem um ao outro em plataformas como o Instagram. Há contas atribuídas ao deputado Eduardo Bolsonaro (@bolsonarosp) e ao próprio presidente Jair Bolsonaro (@bolsonaro22), mas o Planalto não confirmou à reportagem se os dois foram convidados.



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