Uma semana depois da posse do presidente americano Joe Biden, eleito sob a plataforma de defesa do meio ambiente, a General Motors (GM) anunciou que deixaria de fabricar veículos movidos a gasolina e diesel até 2035, investindo fundamentalmente em motores movidos a energia limpa. O anúncio surpreendeu porque, embora outras montadoras também tenham estabelecido prazos para encerrar as vendas de motores tradicionais, a maioria passará por um período de transição. Antes de partir para um elétrico “puro sangue”, os chamados modelos “plug-in”, que são recarregados na tomada, as montadoras vão adotar a chamada tecnologia híbrida, que combina um motor a gasolina ou diesel de menor porte a um motor elétrico. Nem as duas maiores montadoras de automóveis do mundo, a Toyota e a Volkswagen, fixaram um prazo para eliminar completamente os motores a combustão, mesmo planejando investimentos bilionários para desenvolver novas tecnologias de eletrificação ou de hidrogênio, escreve João Sorima Neto na edição desta semana da revista Época.
O exemplo da GM ilustra o que os especialistas classificam como a maior transformação da história da indústria automobilística desde que, um século atrás, Henry Ford criou nos Estados Unidos a primeira linha de montagem e transformou o automóvel num produto mais barato e acessível às massas. O desafio das montadoras agora tem quase a mesma dimensão do passado: levar à população veículos elétricos menos poluentes, a um preço que caiba no bolso do consumidor, especialmente o brasileiro, que, na média, gasta entre R$ 60 mil e R$ 80 mil para ter um carro zero quilômetro. Hoje, um carro elétrico importado custa entre R$ 200 mil e R$ 300 mil no país. “É um movimento global irreversível causado por pressões sociais, ambientais, tecnológicas e até econômicas. As montadoras terão de se reinventar. O carro do futuro será uma espécie de celular sobre rodas, com conectividade e digitalização, até chegar num modelo autônomo”, afirmou o sócio-diretor da consultoria Roland Berger, Marcus Ayres.
As concorrentes da GM também estão entrando nesse jogo. A japonesa Nissan anunciou neste ano que todos os seus veículos lançados nos Estados Unidos, Japão e China seriam ou elétricos ou híbridos a partir de 2030. A Volvo, controlada pelos chineses da Geely, também pretende vender apenas veículos elétricos a partir de 2030. A Stellantis, que nasceu da fusão entre a Fiat Chrysler Automobiles (FCA) e o PSA Groupe, com 14 marcas, estará posicionada para competir nos mercados globais, com 39 veículos elétricos disponíveis até o fim de 2021.
As montadoras também estão buscando nas empresas do Vale do Silício as tecnologias que precisam para o futuro e seus carros autônomos. A Hyundai deve fechar em breve um acordo com a Apple. A própria GM e a Microsoft já trabalham juntas. E a chinesa Geely se associou com a Baidu e a Tencent, empresas de tecnologia da China, para desenvolver esses produtos. “Não existe alternativa para o setor automotivo que não sejam essas parcerias com empresas de tecnologia para os carros conectados do futuro”, disse Antônio Jorge Martins, coordenador dos cursos automotivos da Fundação Getulio Vargas.
Se esse cenário ainda parece muito distante, sobretudo no Brasil, em que a fatia majoritária do mercado é composta de veículos populares, essa marcha já começou no mundo e vem ganhando tração a cada ano. A consultoria britânica IDTechEx que, entre outros assuntos, analisa as chamadas tecnologias emergentes, estima que os veículos elétricos (considerando os híbridos) serão 20% do mercado global até 2030. E esse percentual sobe para 80% até 2040. A Roland Berger prevê que até 2027, pelo menos um quarto das vendas globais será de veículos elétricos. Hoje, em mercados como Estados Unidos e Europa, estima-se que esse percentual seja de 10% das vendas. A Noruega tornou-se em 2020 o primeiro país do mundo em que os carros elétricos representaram mais de 50% dos novos emplacamentos.
No Brasil, os elétricos representam atualmente cerca de 1% das vendas de um mercado de quase 2 milhões de unidades. Mas a consultoria MegaDealer, especializada no segmento automotivo, vem notando o aumento do interesse dos brasileiros pelos elétricos. Em 2017, foram vendidas 3.296 unidades. No ano passado, mesmo com a pandemia tendo derrubado as vendas de veículos em geral, os brasileiros compraram 19.745 carros elétricos, uma alta de 499% em relação a três anos antes. O modelo mais vendido, com 9.610 unidades, foi o híbrido Toyota Corolla, já produzido no país e que custa cerca de R$ 130 mil. Entre os modelos totalmente elétricos, a Audi comemorou o primeiro lugar com a venda de 183 unidades do E-Tron, que custa a partir de R$ 500 mil. “Se não houvesse a pandemia, o volume de vendas dos elétricos teria sido maior. É um movimento que vem crescendo a cada ano e é irreversível. Apenas entre 2018 e 2019, o salto nas vendas de elétricos foi de quase 200%”, disse Fabio Braga, gerente nacional da MegaDealer.
A lei do mercado diz que os preços tendem a cair quando as empresas ganham escala nas vendas. Ainda não é o caso dos carros elétricos. A Tesla, montadora americana que nasceu em 2003 com o objetivo de produzir esse tipo de veículo, conseguiu fabricar apenas 500 mil unidades no ano passado, com preços que variam de US$ 37 mil (R$ 199 mil) a US$ 55 mil (R$ 297 mil). Trata-se de um valor elevado para o padrão americano e mais ainda para o brasileiro, que terá de esperar as montadoras ganharem volume de produção para terem preços mais acessíveis.
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