A metáfora animal, um anti-herói carismático, o rap como metrônomo: não são poucas as proximidades entre “O Tigre Branco”, de Ramin Bahrani, e “O Lobo de Wall Street” (2013), alucinado retrato de um fraudador da bolsa de valores nova-iorquina realizado por Martin Scorsese. Como o Jordan Belfort de Leonardo DiCaprio no “Lobo”, o jovem Balram vivido pelo igualmente carismático Adarsh Gourav no “Tigre Branco” é um personagem que procura, nas brechas de um sistema fechado e opressivo, um caminho para ascender socialmente, escreve Pedro Butcher em ótima resenha para o Valor, publicada dia 12/2. Continua a seguir.
Assim como Belfort, Balram se comunica diretamente com o público, buscando cumplicidade para sua trajetória e seus dramas. Assim como no “Lobo”, o rap é um dos ritmos que marcam o tempo da narrativa - com uma semelhança especialmente interessante entre Kanye West e seu “Black Skinhead” (parte da trilha do “Lobo”) e “Jungle Mantra”, de Divine (que encerra o “Tigre”).
Os dois filmes ainda guardam em comum o desejo de retratar tempos específicos do capitalismo contemporâneo: a geração “yuppie” de Nova York nos anos 1990 e a geração de jovens empreendedores que surfaram na ascensão da Índia e da China como potências tecnológicas, no caso do “Tigre”.
Mas as semelhanças se encerram por aí. “O Tigre Branco” se passa na Índia e tem como pano de fundo uma sociedade e uma cultura radicalmente diferentes, ainda que filtradas por lentes hollywoodianas.
A metáfora do tigre branco marca o protagonista Balram desde a infância, quando um professor destaca seu talento para a leitura e o compara ao animal, uma criatura rara que “só nasce uma vez a cada geração”. Nascido em um vilarejo pobre, em uma casta “baixa”, numa sociedade em que a mobilidade social é interpelada não só por obstáculos econômicos, mas também culturais, Balram estaria condenado à miséria e à submissão, não fosse o desejo crescente de romper com essa condição, plantado no momento em que ouviu as palavras “tigre branco”.
Ramin Bahrani, americano de origem iraniana, assina o roteiro e a direção deste filme que combina drama, sátira e uma crítica social e política incisiva. Bahrani estreou em longa em 2005 com o forte “Man Push Cart” e desde então vem alternando filmes mais pessoais e outros que parecem encomendas realizadas burocraticamente, como a nova versão de “Fahrenheit 451” (2018).
“O Tigre Branco”, por sorte, é bem melhor - ainda que não almeje o nível alucinatório de seu modelo (o “Lobo”), a estratégia funciona sem que o filme perca um ponto de vista próprio, especialmente feliz no seu desejo de desvendar como um antigo modelo de opressão social/cultural e o mais moderno capitalismo tecnológico podem andar de mãos dadas.
“O Tigre Branco” EUA, 2021. Direção: Ramin Bahrani. Onde: Netflix BBB
AAA Excepcional / AA+ Alta qualidade / BBB Acima da média / BB+ Moderado / CCC Baixa qualidade / C Alto risco
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