O primeiro ano da pandemia provocou uma perda média de 30% nas receitas das agências de publicidade, mas o meio digital conseguiu se manter em território positivo. Neste ano, as plataformas digitais devem abocanhar ainda mais das verbas publicitárias - metade dos investimentos globais, segundo pesquisa da agência Dentsu. A voracidade das plataformas digitais parece, entretanto, estar encontrando seu limite. O monitor de sentimentos sociais do grupo TBWA, alimentado por mais de 300 escritórios espalhados em 97 países, já aponta uma certa intoxicação digital. “Já notamos uma tendência de busca por uma vida mais desconectada, mais bucólica, sem vigilância”, afirma Raquel Messias, chefe de estratégia da Lew’Lara\TBWA. O estudo anual do BackSlash, central de inteligência do grupo, mostra ainda que, mesmo no digital, a procura por aplicativos de espiritualidade ou que promovam conforto mental estão crescendo de maneira extraordinária. A procura pelo Headspace, um aplicativo para meditação, fez com que ele ganhasse até uma série da Netflix, escreve Ricardo Lessa no Valor de sexta-feira, 26/2. Vale a leitura, continua a seguir.
“Nunca a procura por gurus, não só religiosos, foi tão grande no meio digital. Até banhos de natureza já estão sendo oferecidos no mercado. Está provado que meia hora no meio da floresta abaixa a pressão arterial e melhora os sinais vitais”, diz Raquel.
“As pessoas estão sentindo falta de abrir a porta de casa e sentir o cheiro da natureza, cheiro de mato, cheiro da chuva”, afirma Luiz Sanches, chairman da AlmapBBDO.
Novos produtos menos ideais, menos perfeitos, menos alinhados com os parâmetros de beleza estão ganhando espaço. “A empresa Imperfect Foods, sediada em San Francisco, Califórnia, está crescendo exponencialmente, comercializando por preços mais baixos produtos que seriam jogados no lixo, porque não se encaixam nos padrões dos supermercados”, exemplifica Sanches.
Outra tendência observada é a preocupação com a preservação - tanto a própria, do corpo, como do meio ambiente. A empolgação com a tecnologia está cedendo espaço para a desconfiança. A obsessão pela produtividade ganhou um termo novo, “produtividade tóxica”, e dá lugar à busca por mais saúde mental.
Isso já molda campanhas. “Mais do que nunca estamos valorizando conexões e relações”, afirma Márcio Santoro, copresidente e CEO da Agência Africa.
Aprender a saborear as coisas mais simples foi a mensagem que a AlmapBBDO buscou passar numa peça que desenvolveu para o uísque Johnnie Walker. A propaganda encerra com o comentário do astronauta americano John Daniel Olivas, que acumulou 670 horas em cápsulas, estação orbital e caminhadas no espaço. Do que sentiu mais falta, diz ele no vídeo, foram as coisas simples que costumamos não prestar atenção no cotidiano. “Eu sei o que é isolamento, disso eu entendo”, conclui.
Sanches afirma que todos estão aprendendo a sintonizar o tom para se comunicar com as pessoas. “É necessário mais delicadeza”, recomenda. O chairman da AlmapBBDO vê um cenário mais turbulento no segundo semestre, com a aproximação das eleições de 2022 e a economia do país estagnada.
“As pessoas estão com muito pouca tolerância”, diz. “O mundo costumava ter muitas nuances de cinza, de repente ficou tudo preto ou branco, muito extremismo.”
“O ano de 2020 não acabou”, observa Hugo Rodrigues, CEO da WMcCann. “E continuamos batendo cabeça em termos globais e no Brasil. Temos visto mais extremismos que união, mais egoísmo que compaixão.”
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