Publisher da Folha, o empresário e economista Luiz Frias, 57, afirma que o futuro do jornal, que nesta sexta (19) completa 100 anos, continuará apoiado nos pilares de seus princípios editoriais e de independência financeira. “A maior prioridade foi, é e continuará a ser a Redação. Meu pai [Octavio Frias de Oliveira; 1912-2007], meu irmão [Otavio Frias Filho; 1957-2018] e eu sempre acreditamos que antes da independência editorial vem a financeira”, afirma. Jornal de maior circulação no país desde os anos 1980 baseado no pluralismo de opiniões, no apartidarismo e na crítica, a Folha tem como meta futura, segundo Frias, reforçar esses princípios editoriais e priorizar o seu modelo digital, dando mais peso à receita financeira advinda de assinaturas do que da publicidade. , escreve Fernando Canzian na abertura da entrevista com Frias, publicada no dia do centenário da Folha, 19/2. Continua a seguir.
“Num mundo onde falta tempo, a curadoria do que é importante virou fundamental para a formação profissional e intelectual das pessoas. A edição foi alçada a uma nova dimensão de relevância”, diz. Além de publisher da Folha, Frias foi responsável pela criação de novos negócios ao longo dos últimos anos, como o PagSeguro e o PagBank, entre outros, e do UOL (Universo Online), maior empresa de conteúdo, serviços digitais e tecnologia do país.
Frias afirma que a equipe de jornalistas da Folha, frequentemente atacada pelo governo Jair Bolsonaro (sem partido), tem sido colocada à prova nesse período de “extrema polarização”, com um governo de “turno persecutório”.
“Todo governante quer a imprensa de joelhos. O problema é que a imprensa de joelhos só interessa ao governante, não à sociedade.”
Mas, segundo Frias, a Folha também deve exercer a autocrítica a seu trabalho de “forma impiedosa”, cada vez mais rigorosa com a exatidão, a precisão e a profundidade do noticiário. Eventuais erros também devem ser corrigidos, segundo ele, com destaque igual ou ainda maior.
Sobre o futuro do jornal, ele afirma: “Vejo a Folha mantendo sua independência e fiel a seus princípios editoriais. Influência e prestígio são decorrência”.
A Folha chega aos 100 anos líder em assinaturas, mas mudanças estruturais em seu mercado têm colocado publicações de legado em dificuldades. Além da prioridade na produção e publicação de notícias para quem lê a versão online da Folha e na conquista de novos assinantes, quais as principais estratégias para perpetuar o jornal em sua posição de liderança nos anos à frente?
A Folha foi pioneira no Brasil, com o modelo de negócio que está reinventando as companhias que fazem jornalismo profissional no mundo, também chamado de jornalismo de qualidade ou de prestígio.
É o caso do jornal americano The New York Times, que fechou o ano passado com 48% da receita de circulação proveniente do digital. Outros exemplos são o Financial Times e The Economist.
A Folha inaugurou o paywall no Brasil, hoje seguido pelos demais. É um modelo digital que dá maior importância à assinatura e menor à publicidade. Do total de assinaturas vendidas pela Folha em 2020, 80% foi digital. Fechamos o ano de 2020 com os assinantes digitais representando mais de dois terços da carteira e poucos pontos percentuais abaixo dos 40% em receita. Nossa meta é, em dois anos, chegar ao The New York Times, com metade da receita de circulação vinda do digital.
Como continuar a modernizar o Projeto Folha diante das mudanças vertiginosas no consumo de informação?
Primeiro, continuando a fazer um jornalismo crítico, pluralista e apartidário. As redes sociais e as fake news só aumentam nas pessoas a necessidade da informação verdadeira, checada e rechecada, não engajada, que não toma partido e ouve os diferentes lados e que apenas o jornalismo profissional é capaz de oferecer. Não é à toa que batemos todos os recordes de audiência na internet durante a crise sanitária.
Como tudo cabe na internet e chega às pessoas em tempo real, você é esmagado por uma infinidade de informações, com o importante se misturando com o que não é importante. Num mundo onde falta tempo, a curadoria do que é importante virou fundamental para a formação profissional e intelectual das pessoas. A edição foi alçada a uma nova dimensão de relevância. Quero uma Folha ou um The New York Times para me ajudar a discernir o que é importante na cacofonia infinita, e inerente, da internet. Modernizar o Projeto Folha será surfar essa nova necessidade melhor que os outros.
Que futuro o sr. enxerga para o jornal impresso?
Nosso negócio é produzir conteúdo de qualidade e fazer a curadoria do que é importante num mundo em que news e fake news se misturam com a mesma estridência. A plataforma vem depois. Já foi unicamente papel, hoje é principalmente digital.
Um jornal se difere por publicar editoriais diariamente, fruto de posições consolidadas ao longo de décadas e debatidas repetidamente por um corpo de jornalistas. A Folha tem posições estabelecidas nos principais assuntos. Em que campos essa opinião poderá ser discutida, acentuada ou modificada, nas próximas décadas, a seu ver?
Por mais que exista uma jurisprudência em macrotemas, princípios generalistas e abstratos que foram sedimentados ao longo de décadas e sobre os quais paira um razoável consenso, sua aplicação em situações específicas no dia a dia ou em certos períodos determinados, muitas vezes, deixa de ser óbvia e passa a comportar muita controvérsia.
É o caso dos presidentes [Donald] Trump e [Jair] Bolsonaro. Na segunda-feira de 13 de março de 2017, a Folha provocou alvoroço entre jornalistas e aqueles que pensam o jornalismo ao ser a primeira a publicar entrevista de página inteira com o então candidato Jair Bolsonaro. Na ocasião, o capitão reformado já dizia as mesmas aberrações que, justiça seja feita, repete até hoje. A Folha julgou legítimo dar voz a um candidato relativamente desconhecido, mas que já alcançava 9% nas pesquisas de intenção de voto. Não adianta esconder ou censurar. É pior.
A longo prazo, sob o escrutínio da luz do dia, as melhores ideias prevalecem. E nada impediu a Folha de continuar a fazer seu jornalismo crítico. O resto todo mundo sabe. A Folha virou alvo preferencial do presidente, que a ataca diretamente quase toda semana.
Nosso negócio é produzir conteúdo de qualidade e fazer a curadoria do que é importante num mundo em que news e fake news se misturam com a mesma estridência. A plataforma vem depois. Já foi unicamente papel, hoje é principalmente digital
Desde muito jovem e com seu pai, Octavio Frias de Oliveira, e seu irmão mais velho, Otavio Frias Filho, o sr. acompanhou de perto a trajetória da Folha, mas com vocação acentuada para o mundo empresarial, o que levou à diversificação do Grupo Folha e depois do UOL. Agora, também como publisher do jornal, quais suas maiores prioridades?
A maior prioridade foi, é e continuará a ser a Redação. Meu pai, meu irmão e eu sempre acreditamos que antes da independência editorial vem a financeira. Não existe independência editorial sem a financeira.
Este, ao lado do criticismo, do pluralismo e do apartidarismo, é um dos pilares do Projeto Folha —obra do meu irmão Otavio—, longamente discutidos pelos três no início dos anos 1980.
Sua posição como empresário em várias áreas alheias à atividade jornalística da Folha pode se tornar um obstáculo à independência do jornal? O que garante à Redação da Folha seguir independente e fiel somente a seus princípios editoriais?
Meu pai sempre teve outras atividades empresariais além do jornal. O que garante à Redação da Folha seguir independente e fiel somente aos seus princípios editoriais é “Sua Excelência”, como dizia Seu Frias, o leitor. Esta convicção inabalável transformou a Folha no maior jornal em circulação nos meados dos anos 1980, posição que ocupa até hoje.
E só com a preferência do leitor é possível fazer uma empresa jornalística próspera e saudável. Ser independente e manter seus princípios editoriais é viabilizá-la empresarialmente.
O sr. enxergou lacunas na oferta de pagamentos para grandes segmentos da população brasileira. Havia demanda, mas ela não era atendida pelo sistema financeiro tradicional. Dá para fazer um paralelo com o mercado de notícias? Há demandas ainda mal atendidas? Quais?
Temos muito orgulho dos jornalistas que trabalham na Folha. É uma equipe jovem, perto dos 35 anos, aguerrida, altiva e combativa. Tem sido colocada à prova em tempos de extrema polarização, um governo de turno persecutório, para não mencionar a pandemia. Ela tem sofrido ataques, mas sem ceder a provocações. É uma honra trabalhar com esse grupo de colegas.
Mas a Folha aprendeu com meu irmão a exercer a autocrítica de uma forma impiedosa. Sempre achamos que poderíamos ter feito melhor. Não creio que existam demandas a serem magicamente descobertas ou fórmulas mágicas. Mas acho que a edição passou a ter uma nova importância, como mencionei. A diferença estará na execução e forma de como entregar isso para o leitor.
A Folha tem participação minoritária e indireta no UOL, maior empresa brasileira de conteúdo de internet, que na prática compete com a Folha na divulgação de notícias e na busca por assinantes. Há planos de fusão das atividades das duas empresas ou ainda faz sentido mantê-las separadas em função de suas características?
Não há planos no momento. Toda iniciativa que explore informação e comunicação na internet estará atrás ou de assinantes ou de publicidade. São companhias completamente diferentes, com conteúdos, comandos e acionistas distintos.
Mas a relação é profissional e de ganha-ganha: um fornece conteúdo de qualidade para o outro, que, além de receber pelo conteúdo, alcança visibilidade enorme. Essa visibilidade colaborou para que a audiência da Folha na internet tenha sido, em média, 69% maior do que a de seu concorrente direto, no ano passado, segundo dados da Comscore.
O governo Jair Bolsonaro tem sido muito hostil à Folha, que vem revelando aspectos controversos de amigos e familiares do presidente, além de falhas em sua administração. No governo Fernando Collor (1990-1992), a sede do jornal chegou a ser invadida pela Polícia Federal. Outros presidentes também entraram, cada um a seu modo, em confronto com a Folha, mas provavelmente em um tom acima do dispensado a outros veículos. O que isso diz sobre a Folha?
Demonstra que a Folha persegue equilíbrio e isenção com algum êxito, independentemente da coloração do mandatário de turno. Que a Folha é desapaixonada e crítica com todos. Muitas vezes as pessoas reclamam que a Folha é crítica demais. E eu pergunto: você já viu algum governante deixar de lado o autoelogio, parar de se gabar dos seus feitos e fazer uma autocrítica sincera?
Não, não existe e é natural que seja assim. Todo governante quer a imprensa de joelhos. O problema é que a imprensa de joelhos só interessa ao governante, não à sociedade. Uma imprensa de joelhos, subjugada, perde qualquer serventia que possa ter para uma sociedade. Não serve para mais nada.
O governo Bolsonaro assumiu com apoio de parcela importante do empresariado, que apostou em reformas e privatizações. Dois anos depois, o ministro Paulo Guedes pouco entregou. Como avalia o encaminhamento de questões caras ao setor produtivo e o foco do governo nessa área?
Entregou pouco, como você disse. Mas, provavelmente, o tempo dirá, foi na economia que este governo fez menos estrago, pelo menos até o momento. Todo o resto é horroroso.
O sr. é a favor do impeachment do presidente Bolsonaro?
Na democracia, e a brasileira apesar de jovem deve ser uma das melhores do mundo se você considerar o voto direto como o melhor sistema, o impedimento é extremamente traumático e deixa marcas por décadas. É um remédio que deve ser usado com extremo cuidado. Acho problemático pedir impedimento sem que haja uma maioria clara da população defendendo.
Como disse esta Folha em editorial na última quarta (17), embora a reprovação de Bolsonaro tenha subido de já elevados 32%, em dezembro, para 40% em janeiro, segundo o Datafolha, a parcela dos que defendem seu afastamento é de expressivos, mas ainda minoritários, 42%. Adicionalmente, a Folha defende que os 60 pedidos de impeachment sejam avaliados pela Câmara dos Deputados, de forma a dar satisfação à sociedade.
Quais experiências e lições destacaria na trajetória de 100 anos da Folha, dos quais o sr. participou ativamente ao menos dos últimos 40? Objetivamente, como o jornal teria contribuído para a melhora institucional do país?
Não acredito em edições milagrosas, que mudaram o destino do país. E também não sou muito de olhar para trás, prefiro olhar para a frente. Prefiro acreditar no trabalho diário, dia após outro. Mas, em homenagem aos 100 anos e ao Otavio, destacaria a carta aberta que ele escreveu ao Collor.
O que precisa melhorar no jornal?
O jornal pode e deve ser cada vez mais rigoroso com a exatidão, a precisão e a profundidade da notícia. Deve sempre checar antes de publicar. E checar mais uma vez. Infelizmente trabalhamos sobre o imperativo da pressa. O melhor remédio é não somente a correção, mas fazê-lo com destaque igual ou maior do que o erro. Tudo isso parece elementar, mas a diferença está na execução diária. É aí que fica difícil melhorar mais.
Considerando que os tempos correm muito mais velozes hoje do que há um século, como o sr. vê a Folha não em cem anos, mas daqui a uma década?
Vejo a Folha mantendo sua independência e fiel aos seus princípios editoriais. Influência e prestígio são decorrência.
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