O político e militar inglês Winston Churchill (1874-1965) conquistou um lugar na história mesmo que não tivesse se esforçado para construir a reputação e criado todo um folclore pessoal. Tornaram-se célebres os discursos inflamados em que convocava os europeus a resistir ao nazismo, assim como a fala abrupta e passional, a gestualidade pitoresca e o uso ostensivo do charuto. Sua ação decisiva como primeiro-ministro britânico é analisada nos livros sobre as duas guerras mundiais de que participou. Paralelamente, ele se ocupou em pintar o autorretrato heroico. Gênio do marketing e pintor de paisagens por passatempo, também adorava escrever, em especial sobre si próprio. Trabalhou como articulista e correspondente de guerra para jornais londrinos e publicou 33 títulos ao longo da carreira, escreve Luís Antônio Giron no Valor, em ótima resenha publicada sexta, 26/2. Continua a seguir.
O primeiro, de 1898, detalhava sua participação nas Guerras dos Bôeres (1880-1902). A automitologia continuou com “Minha Mocidade” (1930) e se intensificou nas obras lançadas após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), entre elas suas memórias sobre o conflito. Sua produção literária lhe valeu o Prêmio Nobel de Literatura de 1953.
Churchill, enfim, deu os retoques finais na imagem que se estabeleceu postumamente. Mas o que sobrou ou foi eliminado no processo de polimento? Que resta ainda a ser ventilado, já que há dezenas de biografias e estudos sobre ele?
Foi considerando tais perguntas que o jornalista americano Erik Larson se pôs a redigir o livro “O Esplêndido e o Vil”. O autor de 67 anos é famoso pelo seus romances históricos. Em 2001, recém-chegado a Nova York, experimentou o impacto do 11 de Setembro. Então lhe veio a ideia de retratar Churchill.
Ele conta que associou o massacre de milhares de americanos na destruição das Torres Gêmeas ao ataque a Londres pela força aérea alemã entre 7 de setembro de 1940 e 11 de maio de 1941. A capital londrina sofreu 57 noites consecutivas de bombardeio. Ele resultou nas mortes de 29 pessoas e em ferimentos graves em outras 28.556.
No centro do acontecimento estava Churchill. Era o protagonista a explorar. Larson evitou tanto o romance como a história definitiva. Escolheu abordar, como afirma na nota inicial aos leitores, “os piores momentos e a luz, os enredos românticos e as desilusões, as tristezas e as risadas, os pequenos episódios estranhos que revelam como era realmente a vida sob a tempestade de aço de Hitler”.
Pretendeu assim descrever os dias cruciais de Churchill, “o buldogue fumante de charutos que pensamos conhecer, quando ele fez seus maiores discursos e mostrou ao mundo o que era coragem e liderança”.
Curiosamente, o fumante de charutos não os fumava de fato. Serviam apenas como um adereço que compunha sua “persona” pública. Entre os depoimentos, os do inspetor Walter Henry Thompson - que fazia a segurança na residência de campo de Chequers - e o da secretária Elizabeth Layton dão conta do falso hábito do primeiro-ministro. “Ele os mastiga, não os fuma”, disse Thompson. Elizabeth confirmou: “Churchill nunca fumou”.
O charuto compõe um entre os detalhes que revelam a personalidade pirotécnica e teatral de um político capaz de seduzir multidões com suas aparentes manias. Era também afeito a pequenas fraquezas que não revelava em público. Larson dá voz aos amigos e parentes, reservando aos políticos importantes um papel secundário no cotidiano de Churchill.
Ganham relevo a mulher, Clementine; a filha, Mary; e o secretário particular, John Colville. Esses e outros convivas comentam os hábitos e as manias de Churchill. Criticou Clementine quando ela, em um jantar, ralhou com o general Charles De Gaulle porque ele teria deixado a Marinha de seu país cair nas mãos de Hitler. A situação foi resolvida pelo líder francês com um buquê de flores enviado no dia seguinte. Churchill achou graça.
Gostava de dançar sozinho foxtrote, dança fora de moda, dos anos 1920, ao som do gramofone. Muitas vezes irracional, Churchill seguia os instintos sem consultar os assessores quando tomava decisões que poderiam precipitar seu país à ruína. Era descuidado com as finanças, e foi preciso que um secretário o socorresse sem consultá-lo com um depósito quando estava ameaçado de insolvência.
A lista de episódios idiossincráticos é enorme e saborosa. “O Esplêndido e o Vil” apresenta uma versão mais plausível de um grande homem de 1,67 metro de altura que, nas situações mais trágicas, viveu dias de cidadão comum.
O Esplêndido e o Vil. Erik Larson
Trad.: Rogerio W. Galindo e Rosiane Correia de Freitas Intrínseca, 324 págs., R$ 69,90 / AAA
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