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O videogame extrapolou sua função e virou ponto de encontros e bate-papo

A humanidade nunca jogou tanto videogame quanto nos meses que passou fechada em casa, driblando a pandemia. Entre uma construção e outra, um tiroteio e outro, uma espaçonave e outra, os jogadores passaram horas desfrutando uma das únicas formas de entretenimento disponíveis. Dos habituais comentários e dicas sobre os jogos em si, a turma, de tanto se encontrar, começou a ampliar as conversas para o dia a dia, o tédio, a falta dos amigos… e, não mais que de repente, videogame virou espaço de encontro e de convívio social. Um dos mais frequentados tem sido o Animal Crossing: New Horizons, sucesso de crítica e venda, lançado em março do ano passado — justamente no início dos lockdowns em boa parte do Ocidente. Tranquilinho, sem sangue nem explosões, o game leva o jogador para uma ilha paradisíaca, proporcionando escapismo total para quem mora em uma grande metrópole e por um bom tempo não conseguiu pisar fora de casa. No papel de único humano em um espaço repleto de fofos animais que falam e pensam, o jogador tem de criar uma sociedade próspera, com lojas, pontes, jardins e acomodações, escreve Caio Saad na edição desta semana da revista Veja. Continua a seguir.


Nesse ambiente relaxado e sem grandes pressões, um participante, ou melhor, seu avatar, pode tanto receber outro em seus domínios quanto visitá-¬lo nos dele, e a movimentação vem sendo intensa — até formaturas e outras pequenas celebrações da vida real têm sido promovidas nas ilhas de Animal Crossing. Gabriel Lima, de recém-completados 17 anos, usou o jogo para festejar seu aniversário com um amigo, em meados de janeiro, inclusive decorando um cômodo da casa virtual com balões temáticos e mesa de petiscos. “Eu moro no Rio e ele em São Paulo, então sugeri a festa. Ele até me levou presentes”, conta. Como o game não dispõe de comunicação por áudio, os usuários ampliam a experiência unindo-se a plataformas como o Discord, onde conseguem conversar enquanto jogam, cada um em seu console. “Encontrava minha amiga no jogo, para fazer coisas juntas, como caçar insetos e mergulhar. Assim a gente esquecia um pouco a saudade que a quarentena deixou”, diz a recifense Maria de Alencar, de 22 anos. Animal Crossing segue relógio e calendário em tempo real. O jogo muda dia a dia, com novos insetos, novos peixes e surpresas. Os botões são poucos e fáceis, abrindo as portas para jogadores menos experientes e dando uma sensação de controle total, muito bem-vinda nos tempos atuais.

Outro jogo que virou ponto de encontro foi o Among Us, onde usuários são astronautas que devem realizar uma série de atividades em uma nave e descobrir quem entre eles é o impostor. Rápido e divertido, foi jogado por políticos durante campanhas eleitorais, que o converteram em palanque. A deputada americana Alexandria Ocasio-Cortez, estrela em ascensão do Partido Democrata, tornou-se a responsável por uma das lives mais vistas da plataforma Twitch, especializada em streaming de games, ao mostrar suas habilidades e, ao mesmo tempo, emplacar seu discurso eleitoral. Com o mesmo objetivo de dialogar com o público jovem, Guilherme Boulos, candidato (derrotado) à Prefeitura de São Paulo pelo PSOL, se juntou a influenciadores como Felipe Neto e atraiu mais de 500 000 pessoas em uma transmissão do mesmo jogo no YouTube.

Quem não dispensa tiros e mortes passou a fazer amigos e influenciar pessoas em Call of Duty: Warzone. Gratuito para consoles e computador, o game, lançado também em março como parte da franquia de sucesso, atingiu a marca de 6 milhões de jogadores no primeiro dia, chegando a 75 milhões em cinco meses no mercado. No estilo conhecido como battle royale, onde 150 jogadores competem entre si sozinhos, em duplas, trios ou quartetos até o último sobrevivente em um cenário de guerra que lembra uma cidade devastada na antiga União Soviética, a interação entre os usuários se tornou um atrativo extra na pandemia. O brasileiro Rodrigo Cunha, 27 anos, que mora na Holanda com a noiva, vê no jogo uma forma de se reconectar com quem está longe e pôr as novidades em dia, de uma forma mais dinâmica do que por aplicativos de mensagens. “Quando não estamos falando sobre coisas ligadas ao que está acontecendo no jogo, conversamos sobre a vida, como se estivéssemos em um churrasco ou em um bar”, diz Cunha. Além de Warzone, GTA e Fortnite estão entre os preferidos do estudante Kaio Melo, de 17 anos, morador de Barueri, na Grande São Paulo, e seu grupo de parceiros. “Jogo bastante e tenho amigos que me acompanham. Alguns são da vida real, outros eu conheci no mundo virtual, nunca vi pessoalmente”, relata. Quando o normal deixar de ser novo, talvez se volte a debater as horas em excesso à frente do videogame. Mas, por enquanto, não há o que discutir: jogar — e bater papo — é preciso.



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