Pular para o conteúdo principal

Wagner Iglecias: Debate inexistente

O texto abaixo é a análise do professor Wagner Iglecias sobre o debate da Band de ontem. A análise deste blog vem em seguida. Aguardem.

A TV Bandeirantes promoveu ontem, como faz há anos, o início do ciclo de debates entre os candidatos a prefeito de várias capitais brasileiras. A emissora paulista é tradicionalmente aquela que abre, desde a redemocratização do país, o ciclo de debates de presidenciáveis, candidatos a governos e a prefeituras. Apesar da iniciativa auspiciosa o que não se viu, no caso do debate entre os candidatos à prefeitura de São Paulo, foi efetivamente um debate. As regras estabelecidas pela Justiça Eleitoral para este tipo de programa e as estratégias excessivamente defensivas dos candidatos parecem colaborar para que não se veja, neste tipo de programa, o que mais dele a população espera: o embate aberto de idéias e propostas para a resolução dos problemas da cidade.

É bem verdade que se viu trocas de acusações entre Geraldo Alckmin e Gilberto Kassab, bem como críticas de ambos em relação à gestão de Marta Suplicy. Mas para além disso, praticamente mais nada. É impressionante como, na maior parte do tempo, os candidatos escalados para comentar as respostas dos adversários as ignoram solenemente e aproveitam o direito de réplica para falarem de si mesmos. No que são acompanhados pelos argüidos inicialmente, que usam o direito de tréplica para retomarem o que haviam falado na resposta inicial. Ou seja, uma fórmula inócua para esclarecer o eleitorado sobre o que pensam os candidatos a respeito do que quer que seja e de como, caso eleitos, pretendem atender as principais demandas da cidade. Não espanta, neste caso, que um dos poucos momentos em que se discutiu propostas foi aquele protagonizado pelos microcandidatos Ivan Valente (PSOL) e Soninha (PPS) a respeito da expansão das ciclovias na cidade.

Se no mais debate não houve, ao menos foi possível verificar a maior ou menor familiaridade dos candidatos com este tipo de encontro. Paulo Maluf bateu na velhíssima tecla das obras viárias e parece querer convencer o eleitorado de que os problemas da cidade resumem-se a uma questão de engenharia. Marta Suplicy esforçou-se por mostrar-se uma pessoa mudada, menos arrogante aos olhos do eleitor, escaldada pelos próprios erros, apoiada por Lula e humildemente disposta a trabalhar lado a lado de José Serra. Geraldo Alckmin foi firme, desfiou raciocínios claros e pareceu bem a vontade. Bem melhor do que o Alckmin de debates televisivos do passado, quando mostrava-se ao eleitor como um candidato frio e insosso, papel desta vez encarnado por um inexpressivo Gilberto Kassab. Será que este será o tom da corrida eleitoral pelo comando da maior cidade do país? Se for, será muito menos acalorado e propositivo do que inicialmente se imaginava.

Wagner Iglecias é doutor em Sociologia e professor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP.

Comentários

  1. Oi Luís, tudo bem??? rs
    Concordo em gênero, número e grau com o Wagner. O debate de ontem foi uma decepção.

    Comentei sobre isso no meu blog, depois dá uma passadinha lá...
    www.politicosepromessas.blogspot.com

    abraços!

    ResponderExcluir

Postar um comentário

O Entrelinhas não censura comentaristas, mas não publica ofensas pessoais e comentários com uso de expressões chulas. Os comentários serão moderados, mas são sempre muito bem vindos.

Postagens mais visitadas deste blog

Rogério Andrade, o rei do bicho

No dia 23 de novembro do ano passado, o pai de Rodrigo Silva das Neves, cabo da Polícia Militar do Rio de Janeiro, foi ao batalhão da PM de Bangu, na Zona Oeste carioca, fazer um pedido. O homem, um subtenente bombeiro reformado, queria que os policiais do quartel parassem de bater na porta de sua casa à procura do filho — cuja prisão fora decretada na semana anterior, sob a acusação de ser um dos responsáveis pelo assassinato cinematográfico do bicheiro Fernando Iggnácio, executado com tiros de fuzil à luz do dia num heliporto da Barra da Tijuca. Quando soube que estava sendo procurado, o PM fugiu, virou desertor. Como morava numa das maiores favelas da região, a Vila Aliança, o pai de Neves estava preocupado com “ameaças e cobranças” de traficantes que dominam o local por causa da presença frequente de policiais. Antes de sair, no entanto, o bombeiro confidenciou aos agentes do Serviço Reservado do quartel que, “de fato, seu filho trabalhava como segurança do contraventor Rogério And...

Dica da semana: Nine Perfect Strangers, série

Joia no Prime traz drama perturbador que consagra Nicole Kidman  Dizer que o tempo não passou para Nicole Kidman seria tão leviano quanto irresponsável. E isso é bom. No charme (ainda fatal) de seus 54 anos, a australiana mostra que tem muita lenha para queimar e escancara o quanto as décadas de experiência lhe fizeram bem, principalmente para composição de personagens mais complexas e maduras. Nada de gatinhas vulneráveis. Ancorando a nova série Nine Perfect Strangers, disponível na Amazon Prime Video, a eterna suicide blonde de Hollywood – ok, vamos dividir o posto com Sharon Stone – empresta toda sua aura de diva para dar vida à mística Masha, uma espécie de guru dos novos tempos que desenvolveu uma técnica terapêutica polêmica, pouco acessível e para lá de exclusiva. Em um lúdico e misterioso retiro, a “Tranquillum House”, a exotérica propõe uma nova abordagem de tratamento para condições mentais e psicossociais manifestadas de diferentes formas em cada um dos nove estranhos, “...

No pior clube

O livro O Crepúsculo da Democracia, da escritora e jornalista norte-americana Anne Applebaum, começa numa festa de Réveillon. O local: Chobielin, na zona rural da Polônia. A data: a virada de 1999 para o ano 2000. O prato principal: ensopado de carne com beterrabas assadas, preparado por Applebaum e sua sogra. A escritora, que já recebeu o maior prêmio do jornalismo nos Estados Unidos, o Pulitzer, é casada com um político polonês, Radosław Sikorski – na época, ele ocupava o cargo de ministro do Interior em seu país. Os convidados: escritores, jornalistas, diplomatas e políticos. Segundo Applebaum, eles se definiam, em sua maioria, como “liberais” – “pró-Europa, pró-estado de direito, pró-mercado” – oscilando entre a centro-direita e a centro-esquerda. Como costuma ocorrer nas festas de Réveillon, todos estavam meio altos e muito otimistas em relação ao futuro. Todos, é claro, eram defensores da democracia – o regime que, no limiar do século XXI, parecia ser o destino inevitável de toda...