Pular para o conteúdo principal

Tudo depende do império?

A seguir, em primeira mão para os leitores do blog, o artigo do autor destas Entrelinhas para o Correio da Cidadania.


Muita gente boa gostaria de ter uma bola de cristal para saber o que vai acontecer em 2010, ano em que, pelas regras atuais, os brasileiros pela primeira vez desde a redemocratização escolherão um presidente da República sem que o nome de Luiz Inácio Lula da Silva esteja presente na urna eletrônica. Analisando o cenário com os olhos do presente, qualquer estudante do primeiro ano de um curso de ciência política pode concluir que Lula será um fortíssimo eleitor e que seu candidato, seja ele (ou ela) quem for, deverá polarizar a eleição com a aliança PSDB-DEM, que estará mais uma vez unida, provavelmente em torno do governador de São Paulo, José Serra. No mais, a extrema esquerda deve lançar uma candidatura - Heloísa Helena (PSOL) é o nome mais provável, e mais alguns nanicos animarão a disputa.

Bem, de fato, este é o cenário mais provável hoje. Até outubro 2010, porém, há um espaço de 2 anos e dois meses e muita coisa pode mudar. No fundo, é possível estabelecer duas ou três hipóteses básicas de trabalho. A partir delas, é possível, sim, pintar um cenário para a eleição presidencial. No fundo, muito do que vai acontecer no Brasil tem relação direta com o que se passa na economia mundial, especialmente na economia norte-americana.

A primeira hipótese de trabalho é a de agravamento da crise financeira mundial, deflagrada a partir dos problemas com o mercado imobiliário norte-americano. Se a situação internacional realmente piorar, é inevitável que os países emergentes, Brasil incluso, venha a sofrer alguma consequência, talvez não ainda em 2009, mas certamente em 2010. Neste cenário, o presidente Lula certamente não moveria uma palha para mudar a legislação e disputar um eventual terceiro mandato. Torceria para a sua gestão acabar logo e sem que o povão tivesse a percepção de um fracasso no final do mandato. É muito difícil imaginar uma deterioração tão rápida da economia, de forma que ainda que o país entre em uma curva descendente, o ritmo pode sustentar uma candidatura viável no campo das forças que hoje estão no Poder, neste caso com apoio de Lula. De toda maneira, este é o cenário mais favorável à oposição, especialmente se o candidato for mesmo o governador Serra, que poderia se apresentar como um homem experiente e conhecedor dos mecanismos complexos da economia.

Apenas no caso de um agravamento muito rápido e profundo da economia é que se poderia apostar no crescimento seja de uma candidatura à esquerda do PT (Heloísa Helena, naturalmente) ou no surgimento de um "outsider" à direita da aliança PSDB-DEM (Fernando Collor ou um clone do original).

Um segundo cenário que se poderia vislumbrar é o de agravamento da crise externa com o descolamento desta crise nos países emergentes. Neste caso, o presidente Lula e o PT ganhariam um excelente mote de campanha, qual seja o de conseguir manter o Brasil no rumo do crescimento em um ambiente carregado no resto do planeta. Não custa lembrar que o principal argumento de Geraldo Alckmin (PSDB) em 2006 era o de que desejava ser presidente para fazer o país aproveitar melhor a "janela de oportunidades" que a bonança da economia mundial proporcionava. A principal crítica do tucano a Lula era a de que o Brasil "só crescia mais do que o Haiti". Bem, o argumento era falacioso e Alckmin não tinha um projeto alternativo de governo, como se sabe hoje, mas o importante aqui é ressaltar que aquela estratégia, na hipótese que estamos considerando, nem sequer poderia ser utilizada. Provavelmente, a oposição, ainda considerando Serra como candidato, apostaria neste caso em uma campanha semelhante a do tucano para o governo de São Paulo, em que nada se dizia a respeito de coisa alguma, mantendo foco nas supostas qualidades pessoais do candidato. Neste segundo cenário é também difícil vislumbrar as possibilidades de crescimento de uma candidatura alternativa, à esquerda do PT ou à direita do consórcio tucano-democrata.

Por fim, na terceira hipótese de trabalho vamos pressupor que a crise financeira perca força no próximo ano e a economia mundial comece uma nova onda de crescimento, com consequências benéficas ao Brasil. Bem, este talvez seja o único cenário em que o presidente Lula poderia tentar pagar o preço, bastante salgado, de mudar a Constituição e concorrer a um terceiro mandato. Na atual circunstância, Lula seria imbatível - reservadamente até tucanos e democratas dizem isto. Neste cenário, é possível que o próprio governador Serra desistisse do projeto presidencial e tentasse a reeleição em São Paulo, abrindo caminho para uma candidatura de Aécio Neves ou ainda uma "anti-candidatura" do DEM. É claro que não dá para cantar vitória antes da hora, mas dificilmente o presidente Lula deixaria de ser mais uma vez reeleito, ancorado nos bons números de seu governo e na melhoria da condição de vida da população.

Até 2010, portanto, o melhor que um estudante de ciência política que queira dar um bom palpite sobre a eleição pode fazer é ficar de olho nos indicadores da economia mundial, especialmente da norte-americana. É para lá que também está o olhar do presidente Lula, do governador Serra e de todos os protagonistas da disputa política nacional.

Comentários

  1. Heloísa Helena: Planalto acompanha desfecho do julgamento de olho nas pretensões da ex-senadora em 2010

    Na eleição para prefeito de Maceió (AL), a disputa mais importante até agora ocorre em torno de uma candidata a vereador. Explica-se: a candidata em questão é a presidente do PSOL, a ex-senador Heloisa Helena, cuja sorte na eleição pode ter repercussão na sucessão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. HH foi condenada por sonegação fiscal, decisão já transitada em julgado, e pode ser declarada inelegível, segundo o entendimento de adversários e advogados.


    Em Maceió há quem afirme que a ex-senadora desistirá de concorrer à vereança, o que o PSOL desmente categoricamente

    ResponderExcluir

Postar um comentário

O Entrelinhas não censura comentaristas, mas não publica ofensas pessoais e comentários com uso de expressões chulas. Os comentários serão moderados, mas são sempre muito bem vindos.

Postagens mais visitadas deste blog

Um pai

Bruno Covas, prefeito de São Paulo, morreu vivendo. Morreu criando novas lembranças. Morreu não deixando o câncer levar a sua vontade de resistir.  Mesmo em estado grave, mesmo em tratamento oncológico, juntou todas as suas forças para assistir ao jogo do seu time Santos, na final da Libertadores, no Maracanã, ao lado do filho.  Foi aquela loucura por carinho a alguém, superando o desgaste da viagem e o suor frio dos remédios.  Na época, ele acabou criticado nas redes sociais por ter se exposto. Afinal, o que é o futebol perto da morte?  Nada, mas não era somente futebol, mas o amor ao seu adolescente Tomás, de 15 anos, cultivado pela torcida em comum. Não vibravam unicamente pelos jogadores, e sim pela amizade invencível entre eles, escreve Fabrício Carpinejar em texto publicado nas redes sociais. Linda homenagem, vale muito a leitura, continua a seguir.  Nos noventa minutos, Bruno Covas defendia o seu legado, a sua memória antes do adeus definitivo, para que s...

Dica da Semana: Tarso de Castro, 75k de músculos e fúria, livro

Tom Cardoso faz justiça a um grande jornalista  Se vivo estivesse, o gaúcho Tarso de Castro certamente estaria indignado com o que se passa no Brasil e no mundo. Irreverente, gênio, mulherengo, brizolista entusiasmado e sobretudo um libertário, Tarso não suportaria esses tempos de ascensão de valores conservadores. O colunista que assina esta dica decidiu ser jornalista muito cedo, aos 12 anos de idade, justamente pela admiração que nutria por Tarso, então colunista da Folha de S. Paulo. Lia diariamente tudo que ele escrevia, nem sempre entendia algumas tiradas e ironias, mas acompanhou a trajetória até sua morte precoce, em 1991, aos 49 anos, de cirrose hepática, decorrente, claro, do alcoolismo que nunca admitiu tratar. O livro de Tom Cardoso recupera este personagem fundamental na história do jornalismo brasileiro, senão pela obra completa, mas pelo fato de ter fundado, em 1969, o jornal Pasquim, que veio a se transformar no baluarte da resistência à ditadura militar no perío...

Dica da semana: Nine Perfect Strangers, série

Joia no Prime traz drama perturbador que consagra Nicole Kidman  Dizer que o tempo não passou para Nicole Kidman seria tão leviano quanto irresponsável. E isso é bom. No charme (ainda fatal) de seus 54 anos, a australiana mostra que tem muita lenha para queimar e escancara o quanto as décadas de experiência lhe fizeram bem, principalmente para composição de personagens mais complexas e maduras. Nada de gatinhas vulneráveis. Ancorando a nova série Nine Perfect Strangers, disponível na Amazon Prime Video, a eterna suicide blonde de Hollywood – ok, vamos dividir o posto com Sharon Stone – empresta toda sua aura de diva para dar vida à mística Masha, uma espécie de guru dos novos tempos que desenvolveu uma técnica terapêutica polêmica, pouco acessível e para lá de exclusiva. Em um lúdico e misterioso retiro, a “Tranquillum House”, a exotérica propõe uma nova abordagem de tratamento para condições mentais e psicossociais manifestadas de diferentes formas em cada um dos nove estranhos, “...