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Ainda sobre a crise que teima
em não dar as caras no Brasil

Este blog não concorda com tudo que vai abaixo, mas a análise é boa e o analista, qualificado. É um pouco longo, mas vale a pena ler na íntegra. O texto foi originalmente publicado no Terra Magazine. Para quem não quiser ir até o final, o resumo da ópera é simples: até 2009, é muito difícil que a crise iniciada nos Estados Unidos tenha alguma consequência mais grave aqui no Brasil. É ler para crer.


O contexto da crise e o Brasil

Julio Gomes de Almeida

A economia mundial vem tendo fortes oscilações nos últimos tempos, correspondendo a alterações também muito rápidas nas avaliações dos agentes econômicos e dos investidores internacionais a respeito da situação da crise global iniciada precisamente há um ano. Para muita gente nesse período a crise global já estaria solucionada e a economia mundial nesse segundo semestre de 2008 estaria acumulando forças para reiniciar o crescimento em 2009.

O quadro agora parece ser outro, sendo predominante a perspectiva de que a forte desaceleração nos EUA será mais duradoura do que se supunha e que na Europa e no Japão teremos retração da atividade podendo chegar à recessão. Não por acaso o Presidente do FED, Bem Bernanke, declarou na semana passada que "a tempestade financeira ainda não diminuiu, e seus efeitos para o conjunto da economia aparecem na forma de uma desaceleração da atividade econômica e a alta do desemprego". Atualmente é também maior a probabilidade de que países emergentes, liderados pelos BRICs, venham a sofrer mais intensamente uma redução de sua taxa de crescimento econômico.

Esses fatores, aliados ao fato de que as políticas monetária, fiscal e de intervenções dos bancos centrais nos mercados financeiros parecem ter chegado a um limite de utilização para fins de reativação da economia e controle da crise financeira, foram responsáveis por fortes quedas nos dois principais mercados de valores que ainda alimentavam ganhos para os mega investidores internacionais.

De fato, pela primeira vez nesse ano os mercados de ações e de commodities sofreram perdas muito significativas, de modo que no momento atual pode-se dizer que há uma desvalorização generalizada da riqueza a nível global, combinando perdas acentuadas nos mercados imobiliários, acionários e de commodities.

Em seu presente estágio, a situação acima descrita pode estar beneficiando mais do que prejudicando algumas economias dentre elas a economia brasileira porque reduz o perigo de inflação. No entanto o benefício de hoje ameaça se transformar em grave problema mais à frente. Pela primeira vez nesse ano as chamadas commodities (petróleo, soja, trigo, etc) tiveram seus preços reduzidos nos mercados internacionais. A depreciação de valores foi de magnitude apreciável e se prolonga por dois meses ou mais dependendo do caso, não configurando, assim, um simples movimento ocasional.

Esses menores preços resultam de avaliações que agora mais do que no passado recente se revelam mais pessimistas sobre o quadro de crescimento da economia mundial e da situação financeira de grandes empresas e bancos, especialmente dos EUA. A dúvida fez reverter a última das "bolhas" especulativas que tiveram lugar no último ciclo econômico.

A "bolha de commodities" vinha se formando nos últimos anos movida pelo intenso crescimento da demanda provocado pelo dinamismo da economia mundial, em particular da China. Porém, ganharia um enorme impulso em função da redução da taxa de juros nos EUA e da conseqüente valorização do dólar, daí as pressões inflacionárias que ocorreriam no Brasil e, de forma ainda mais grave, em vários outros países.

No cenário que se apresenta atualmente como mais provável, há uma trégua em curso na inflação de commodities, o que abre uma perspectiva muito favorável para que a recente redução do ritmo da inflação brasileira seja renovada e permita índices mais baixos de aumento de preços nesse e no próximo ano.

Como se sabe, em julho o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo, que mede oficialmente a inflação no Brasil) foi menor (0,53%) do que em junho (0,74%), em função de menores elevações dos preços de alimentos. Mais importante, os índices parciais para inflação em agosto mostram que o recuo segue firme.

O índice de preços ao consumidor da FIPE-USP aumentou 0,38% na primeira quadrissemana de agosto e 0,34% na segunda quadrissemana, novamente em função de um ritmo mais brando para o item alimentação. Já o IGP-M, um índice calculado pela Fundação Getúlio Vargas, que em sua primeira prévia do mês de agosto registrara variação praticamente nula (0,01%), na segunda prévia anotou deflação de 0,12%.

Cabe notar que na segunda prévia de julho o índice havia sido de 1,79%, o que mostra a forte reversão recente do quadro inflacionário. Finalmente, a inflação pelo IPCA na primeira metade de agosto registrou uma intensa desaceleração. Foi de 0,35% no mês, contra 0,63% no mesmo período de julho, mais uma vez, devido a uma abrupta desaceleração dos preços dos alimentos.

É claro que diante da continuidade da trajetória acima fica muito melhor o horizonte projetado para economia brasileira em 2009 já que a elevação de juros poderá ser abreviada, com menores impactos sobre as contas públicas, o custo do crédito e as decisões de investir. Dois comentários adicionais se fazem necessários.

O primeiro é que o rendimento médio das pessoas ocupadas nas principais regiões urbanas do país, segundo divulgou na semana passada o IBGE, acusou significativo aumento real no mês de julho (3,0%) com relação ao mesmo mês do ano passado, o maior índice de crescimento desde janeiro. A pesquisa mostrou também que a massa real de rendimentos cresceu 7,2% nesse mês. Como cabe notar, a massa de rendimentos constitui a base do mercado interno consumidor.

Isso mostra que se daqui para frente a inflação de fato ceder, o rendimento real das pessoas e o poder de compra global da população brasileira sairão relativamente preservados da onda de majorações de preços que teve lugar no primeiro semestre do ano. Sofrerá pouco, em outras palavras, o poder de consumo da população.

O outro ponto é que não se deve subjugar os efeitos negativos que essa mesma conjuntura internacional pode gerar para a economia brasileira. Sendo aprofundado, o recuo dos preços das commodities irá ampliar os déficits no setor externo brasileiro que já sofre com um menor saldo comercial e com as altas remessas de lucros para o exterior. O Brasil também vem aceitando muito passivamente o rótulo de ser uma economia eminentemente produtora de commodities, o que pode lhe ser prejudicial por afastar investidores e gerar expectativas adversas sobre o seu crescimento.

Júlio Gomes de Almeida é professor da Unicamp e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda.

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