Pular para o conteúdo principal

Wagner Iglécias: Viva a oposição!

Em mais uma colaboração para o blog, o professor Wagner Iglecias analisa a atual conjuntura política pós-absolvição do presidente do Senado, Renan Calheiros. Está muito interessante o artigo, vale a pena ler na íntegra. Tão interessante que fez o autor destas Entrelinhas lembrar de um canto que os sãopaulinos têm entoado no Morumbi, em tom jocoso, sobre o arqui-rival Sport Club Corinthians Paulista, a saber: "Corinthians... Corinthians sem estádio, Corinthians sem história, freguês do tricolor". Basta ler o texto de Iglécias para perceber que a oposição está para o presidente Lula assim como o Corinthians está para o tricampeão mundial...

O episódio da não-cassação do mandato do senador Renan Calheiros é mais um round no embate que oposição e governo travam desde, pelo menos, meados de 2005. Foi naquela época que surgiram as primeiras denúncias sobre o suposto esquema do mensalão e também ali que tucanos e demistas (então pefelistas) vislubraram com mais clareza a possibilidade de voltar a ocupar o Palácio do Planalto.

A história das coroadas cabeças
petistas que rolaram, dos depoimentos trôpegos nas tantas CPIs que se seguiram e das vacilações oposicionistas diante do sentimento das ruas em relação a Lula já são amplamente conhecidas. Veio a eleição de 2006 e Lula foi reconduzido à presidência da república com ampla maioria dos votos.

A guerra entre oposição e governo, apesar da enormidade de votos que Lula obteve em novembro do ano passado, não acabou, como era de se esperar. Há pouco a oposição capitalizou como vitória a aceitação, pelo Supremo Tribunal Federal, da denúncia apresentada pelo Ministério Público Federal contra quarenta pessoas acusadas de envolvimento com o mensalão.

Duas semanas depois PSDB e DEM saem derrotados com o desfecho
do caso Renan. Afinal, a cassação do presidente do Congresso, um dos fiadores da aliança entre PT e PMDB, sustentáculo da base de apoio do governo no Legislativo, causaria grandes dores de cabeça para o Planalto. Independentemente dos sucessos e revezes que governo e oposição têm colhido nesta luta renhida outros episódios deverão surgir no futuro e outros rounds serão travados até que se chegue a 2010, quando o país irá às urnas escolher o sucessor de Lula.

E aí a pergunta
que surge é a seguinte: PSDB e DEM chegarão a 2010 com um projeto alternativo de governo, capaz de conquistar a maioria da sociedade e derrotar o candidato situacionista? Ou daqui até lá apostarão mais na estratégia de provocar desgastes aqui e ali em Lula e nos seus, como tem ocorrido desde que veio a tona o escândalo do mensalão?

O regime democrático tem muitos pressupostos. Um deles, óbvio, é a alternância de poder. Outro é a existência de uma oposição forte, que não apenas tenha capacidade de fiscalizar as ações de quem está no governo e de cobrar suas promessas, mas também de ter um projeto alternativo de gestão da coisa pública a apresentar para a sociedade.

Neste momento turbulento da política brasileira não parece muito claro o que a oposição teria a oferecer como alternativa ao que aí está. Goste-se ou não de Lula, é fato que ele surfa em altas ondas de popularidade, vitaminado pelos bons números da economia e por uma política social que de fato tem melhorado a vida dos mais pobres.

Posto
isto, cabe questionar se a estratégia tucano-demista para retomar o Palácio do Planalto continuará resumida, daqui até 2010, ao discurso moralizante contra as denúncias de corrupção envolvendo o governo que são publicadas na imprensa. Será que a sociedade realmente se sensibiliza com isto? Ou será que o eleitorado não associa denúncias de mau uso do dinheiro público a todo o espectro político, oposição ai incluida?

Continua a não ser claro, como já não era claro no pleito de
2006, o projeto de governo que PSDB e DEM poderiam oferecer ao país. O que manteriam e o que fariam diferente de Lula se estivessem no poder? Insistiriam na atual política econômica ou promoveriam alterações, sobretudo nas áreas monetária e cambial? Patrocinariam um choque fiscal na máquina pública e buscariam aprovar uma reforma tributária digna deste nome? Retomariam o programa de privatizações interrompido desde que Lula tornou-se presidente? Manteriam as atuais políticas assistenciais? Ampliariam o número de beneficiários do Bolsa Familia? Apostariam num alinhamento mais estreito com os EUA no plano externo, ou manteriam a atual política de diversificação de parceiros comerciais levada a cabo por Lula?

Ninguém sabe muito bem. O petismo, nos muitos
anos em que foi oposição, ao menos bradava o discurso da ética na política e de um socialismo meio difuso com o qual prometia resgatar nossa abissal e secular dívida social. Discurso que mostrou-se bastante frágil quando o partido foi ao poder, diga-se de passagem. Mas era um discurso. Tucanos e democratas nem isto têm hoje. Terão em 2010?


Wagner Iglecias é doutor em sociologia e professor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Abaixo o cancelamento

A internet virou o novo tribunal da inquisição — e isso é péssimo Só se fala na rapper Karol Conká, que saiu do BBB, da Rede Globo, com a maior votação da história do programa. Rejeição de 99,17% não é pouca coisa. A questão de seu comportamento ter sido odioso aos olhos do público não é o principal para mim. Sou o primeiro a reconhecer que errei muitas vezes. Tive atitudes pavorosas com amigos e relacionamentos, das quais me arrependo até hoje. Se alguma das vezes em que derrapei como ser humano tivesse ido parar na internet, o que aconteceria? Talvez tivesse de aprender russo ou mandarim para recomeçar a carreira em paragens distantes. Todos nós já fizemos algo de que não nos orgulhamos, falamos bobagem, brincadeiras de mau gosto etc… Recentemente, o ator Armie Hammer, de Me Chame pelo Seu Nome, sofreu acusações de abuso contra mulheres. Finalmente, através do print de uma conversa, acabou sendo responsabilizado também por canibalismo. Pavoroso. Tudo isso foi parar na internet. Ergue

Rogério Andrade, o rei do bicho

No dia 23 de novembro do ano passado, o pai de Rodrigo Silva das Neves, cabo da Polícia Militar do Rio de Janeiro, foi ao batalhão da PM de Bangu, na Zona Oeste carioca, fazer um pedido. O homem, um subtenente bombeiro reformado, queria que os policiais do quartel parassem de bater na porta de sua casa à procura do filho — cuja prisão fora decretada na semana anterior, sob a acusação de ser um dos responsáveis pelo assassinato cinematográfico do bicheiro Fernando Iggnácio, executado com tiros de fuzil à luz do dia num heliporto da Barra da Tijuca. Quando soube que estava sendo procurado, o PM fugiu, virou desertor. Como morava numa das maiores favelas da região, a Vila Aliança, o pai de Neves estava preocupado com “ameaças e cobranças” de traficantes que dominam o local por causa da presença frequente de policiais. Antes de sair, no entanto, o bombeiro confidenciou aos agentes do Serviço Reservado do quartel que, “de fato, seu filho trabalhava como segurança do contraventor Rogério And

OCDE e o erro do governo na gestão das expectativas

O assunto do dia nas redes é a tal negativa dos Estados Unidos para a entrada do Brasil na OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Enquanto os oposicionistas aproveitam para tripudiar, os governistas tentam colocar panos quentes na questão, alegando que não houve propriamente um veto à presença do Brasil no clube dos grandes, a Série A das nações. Quem trabalha com comunicação corporativa frequentemente escuta a frase "é preciso gerenciar a expectativa dos clientes". O problema todo é que o governo do presidente Bolsonaro vendeu como grande vitória a entrada com apoio de Trump - que não era líquida e certa - do país na OCDE. Ou seja, gerenciou mal a expectativa do cliente, no caso, a opinião pública brasileira. Não deixa de ser irônico que a Argentina esteja entrando na frente, logo o país vizinho cujo próximo governo provavelmente não será dos mais alinhados a Trump. A questão toda é que o Brasil não "perdeu", como o pobre Fla-Flu que impe