Ontem, Marco Aurélio voltou a jogar pó de mico no salão. Sua interpretação da proibição de reajustes salariais 180 dias antes da eleição foi mais ampla do que a legislação vigente, como é possível entender na reportagem da Folha de S. Paulo: "Ao anunciar a decisão, anteontem, ele (Marco Aurélio) disse que estavam proibidos todos os aumentos salariais que excedessem a reposição da inflação, ainda que concedido a apenas algumas categorias. A legislação, porém, só veda a "revisão geral" acima da inflação. Marco Aurélio chegou a dizer que o governante que tivesse autorizado aumento real de salário após 4 de abril estaria sujeito à cassação da candidatura ou do mandato, se eleito."
Os jornais ouviram muita gente, mas não conseguiram revelar se a interpretação está realmente valendo nem quais são os próximos capítulos desta novela. Algumas perguntas que não foram respondidas:
Os reajustes concedidos após 4 de abril estão valendo ou terão que ser revistos? Neste caso, os funcionários que já receberam o aumento terão que devolver a diferença?
Se a interpretação de Mello está valendo, o PSDB e o PFL entrarão com pedido para tornar o presidente Lula inelegível?
O Supremo Tribunal Federal poderá ser consultado a respeito desta interpretação? Há alguma possibilidade do próprio TSE rever o tema, como ocorreu na regra da verticalização?
A melhor matéria sobre o barraco armado por Marco Aurélio está reproduzida abaixo e saiu no jornal O Globo, que teve coragem, na primeira página, de chamar a coisa toda pelo nome que merece: "TSE agora cria confusão com reajuste salarial".
Um novo impasse pré-eleitoral
Demétrio Weber e Isabel BragaO presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Marco Aurélio de Mello, abriu ontem nova polêmica no meio jurídico e no Executivo ao dar uma interpretação da lei eleitoral que levanta suspeitas de ilegalidade nos reajustes salariais concedidos pelo governo a servidores. Marco Aurélio disse que a lei proíbe reajustes acima da inflação a menos de 180 dias da eleição, mesmo que o aumento seja específico para uma categoria ou decorra da reestruturação de carreiras. As declarações fizeram o governo suspender a edição de uma medida provisória, que seria assinada ontem, dando aumento para servidores.
Apesar de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva demonstrar tranqüilidade quanto à interpretação, o Planalto suspendeu temporariamente a edição de outras cinco medidas provisórias que pretendem concluir o plano de carreira de mais de 1,3 milhão de funcionários. A que seria assinada ontem beneficia 256 mil servidores de INSS, Inmetro, Fiocruz e IBGE. As outras atendem militares, Polícia Federal e Receita, entre outras carreiras.
A nova confusão suscitada pelo presidente do TSE teve origem em decisão tomada anteontem à noite pelo tribunal. Ao responder a consulta do deputado Átila Lins (PMDB-MA), o plenário do TSE entendeu que nenhum governo pode dar aos servidores aumento de salários acima da inflação nos 180 dias antes da eleição e até a posse dos eleitos. A dúvida era se o prazo seria de 180 ou 90 dias.
Segundo colegas de Marco Aurélio ouvidos pelo GLOBO, a consulta tratava especificamente do prazo de revisões gerais, deixando de fora aumentos para categorias específicas ou decorrentes de reestruturações de carreira. Para Marco Aurélio, porém, a regra vale para todo reajuste:
— Mais importante que o aspecto formal é o conteúdo. O que a lei veda é a possibilidade de se cooptarem eleitores mediante bondades. E essas bondades só são lembradas em época de eleições — afirmou o ministro, antes da posse da nova ministra do Supremo Tribunal Federal, Carmen Lúcia Antunes Rocha.
Ministros discordam da interpretação
Para um ministro do TSE que pediu para não ser identificado, a decisão tratava exclusivamente do prazo para reajustes gerais e reafirmava que aumentos para categorias específicas ou mediante alteração no plano de cargos são proibidos apenas 90 dias antes da eleição (30 de junho).
O ministro José Gerardo Grossi, do TSE, teve o mesmo entendimento. Informado sobre o teor das declarações de Marco Aurélio, Grossi afirmou:
— Não é o que está escrito na lei.
É com base nessa resolução que o governo e o PT sustentam a legalidade da medida provisória de 31 de maio. O advogado do PT no TSE, Márcio Silva, alegou que a resolução 21.054, de abril de 2002, que diferencia os dois tipos de aumento, garante a ação do governo.
O ex-ministro do TSE José Eduardo Alckmin destaca que, na decisão de anteontem, o tribunal tratou apenas de datas.
— Não houve manifestação dos ministros sobre o significado do que seja a revisão geral das remuneração. Já há decisão antiga do TSE de que é possível conceder aumentos para uma categoria específica, de passivos que não foram pagos, por exemplo (no período eleitoral) — disse Alckmin.
Os advogados do PFL estão analisando se a concessão dos aumentos setoriais pode ser, na verdade, uma maneira que o governo encontrou de burlar a legislação eleitoral.
Fazer para uma carreira específica é uma coisa, mas o governo está dando aumento a várias categorias — disse o advogado do PFL, Admar Gonzaga.
No PSDB, os advogados também apontam a possibilidade de entrar com representação jurídica contra o aumento, mas alguns temem um efeito político negativo na campanha.
Comentários
Postar um comentário
O Entrelinhas não censura comentaristas, mas não publica ofensas pessoais e comentários com uso de expressões chulas. Os comentários serão moderados, mas são sempre muito bem vindos.