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Pancadaria contra o mínimo já começou

Nem demorou tanto. Conforme este blog antecipou, já foi aberta a temporada de críticas ao aumento do salário mínimo. Na Folha de S. Paulo de hoje, além das matérias a respeito do assunto, editadas de forma a levar os leitores a acreditar na "irresponsabilidade fiscal" do presidente Lula, há um editorial e um artigo do economista tucano Luiz Carlos Mendonça de Barros, ambos reproduzidos abaixo.

A leitura dos dois textos ajuda a entender a cabeça da elite que felizmente não governa mais o país: para eles, os R$ 5 a mais na conta dos pobres representam um verdadeiro acinte. A chave para entender a argumentação da Folha e dos tucanos está no trecho a seguir, do editorial do jornal: "com gastos estéreis, 12% das escassas verbas que deveriam estimular a economia com obras de infra-estrutura, recuperação da capacidade gerencial do Estado e fomento à geração de tecnologia". Não importa que o governo vá procurar cortar em outras áreas para buscar a devida compensação para o aumento e nem importa que o acordo com as centrais tenha a inédita vigência de 4 anos: para a Folha e para os tucanos, o aumento do mínimo não passa de "gasto estéril". Na conta do lápis, os R$ 30 a mais que o presidente Lula está concedendo aos mais pobres representam R$ 390 a mais por ano, considerando os 13 salários anuais. Para um Frias ou um Mendonção, é provavelmente menos do que se gasta em um bom jantar a dois. Talvez resida aí a a incapacidade dessa gente em compreender o significado deste dinheiro para quem vive na corda bamba.


Editorial - Mínimo irracional

O ASPECTO menos importante da decisão de elevar o salário mínimo a R$ 380 tende a comandar máxima atenção numa cena política viciada em falsas questões: se a chamada equipe econômica foi ou não desautorizada pelo presidente da República.
Passa despercebido, assim, o sintoma mais visível no aumento do mínimo -uma renovada deterioração da racionalidade no segundo governo Lula, antes mesmo de inaugurado. A majoração em si nem remotamente se afigura como obstáculo central na economia, mas sinaliza a reiteração de opções preocupantes.
O recém-reeleito presidente chancelou acordo que seu ministro do Trabalho celebrara com antigos companheiros de militância. Em lugar dos R$ 367 defendidos na Fazenda e no Planejamento, ou dos R$ 375 dados como certos, abraçou os R$ 380 e os aplausos fáceis.
Ninguém nega a necessidade e a urgência de redistribuir renda no Brasil. Daí não decorre que um governante esteja obrigado a pautar cada uma de suas decisões apenas e tão-somente por tal critério, sem ponderar a miríade de efeitos não-pretendidos que a máquina complexa da macroeconomia pode desencadear. Uma nesga de visão estratégica lhe permitiria enxergar que novos e sólidos avanços distributivos dependerão de recompor a capacidade de investimento do país, não da perpetuação de donativos sem lastro orçamentário.
A política de recuperação do salário mínimo vem de longe. De abril de 1995 a abril deste ano, registrou aumento real de 44%. O valor nominal progrediu de R$ 100 para R$ 350 nesse período. Paralelamente à elevação dessa e de outras despesas, veio definhando o investimento do setor público, uma das poucas variáveis passíveis de compressão.
Os R$ 13 ora acrescidos pela prodigalidade lulista geram uma despesa de mais de R$ 2 bilhões, em conseqüência da indexação ao mínimo de aposentadorias rurais e urbanas, de benefícios por deficiência ou invalidez, ou ainda de dispêndios com seguro-desemprego e abonos do PIS. Pode parecer pouco, num orçamento nominal de R$ 1,5 trilhão (no qual se embute, contudo, toda a dívida federal). Longe disso: ralos R$ 18 bilhões estão previstos para investimento em 2007, sem garantia de que venham a ser executados.
Em outras cifras, trata-se de comprometer antecipadamente, com gastos estéreis, 12% das escassas verbas que deveriam estimular a economia com obras de infra-estrutura, recuperação da capacidade gerencial do Estado e fomento à geração de tecnologia.
Ilude-se quem acreditar que os dispêndios com o aumento do mínimo poderão ser compensados com reduções na taxa de juros. São contas estanques, e novas despesas sempre terminarão por erodir a ínfima parcela orçamentária reservada para investimentos, uma vez que não se vislumbram condições de extorquir mais tributos da população.
Lula quer ver o país crescer 5% anuais, a qualquer custo, mas persiste no vício de solapar diuturnamente os planos que nem mesmo consegue pôr de pé.


LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS: O reajuste do salário mínimo

A dura realidade de um populismo irracional tomou conta dos que esperavam um Lula reformista no 2º mandato

MINHA CARREIRA profissional levou-me a desenvolver, por necessidade e não por gosto, uma metodologia própria para entender a complexa interação entre o político e o econômico em nosso país macunaímico. A presença do governo na economia brasileira, seja ela direta nos mercados via estatais ou por meio de decisões administrativas, é desproporcional à de outros países. Com isso, sua influência na dinâmica dos negócios é ainda determinante.
Como sobrevivi por mais de três décadas nesse competitivo universo das finanças, acredito nos princípios que fui construindo ao longo desse período. Um dos mais importantes deles é o de não acreditar em Papai Noel. É preciso perder tempo na construção de uma análise fundamentalista dos valores e da forma de agir das lideranças no governo de plantão. Ao longo de cada ciclo de poder, são esses princípios que vão forjar a política econômica oficial e definir seus efeitos nos mercados.
As promessas desconectadas desses fundamentos não devem ser levadas a sério. Por isso, durante os últimos quatro anos, com meu irmão José Roberto, organizamos um grupo que se reúne semanalmente para entender esse complexo e contraditório governo Lula. Hoje, temos uma leitura clara de sua dinâmica administrativa e de seus valores políticos. Lula pode enganar muitos de meus colegas de profissão com seu discurso vazio e cheio de contradições, mas não a esse grupo de analistas ao qual pertenço.
Gostaria de dividir com meu leitor algumas de nossas conclusões. A primeira e a principal é que temos em Brasília um governo populista do modelo clássico. E o que isso representa para nosso processo de análise? A identificação de pelo menos dois princípios básicos: Lula governa para satisfazer os desejos de curto prazo daqueles que o apóiam e não tem nenhum compromisso com o futuro da nossa sociedade como um todo.
Por isso, não acredito no Lula reformista do capitalismo brasileiro, pois sabemos que a grande maioria das reformas necessárias para colocar nossa economia em rota de crescimento sustentado provoca o que chamamos de curva J, isto é, no, início, geram perdas em certos segmentos da sociedade, para apenas depois de certo tempo trazer benefícios generalizados. Tomemos o exemplo da Previdência Social e seus déficits crescentes.
Os gastos do governo com aposentados, medidos em relação ao nosso PIB, são desproporcionais em relação a outras sociedades com situações demográficas muito piores que a nossa. Já estamos longe de qualquer parâmetro internacional, e o déficit da Previdência continua a crescer algo como 0,30% do PIB anualmente. Para financiar esse desequilíbrio, o governo retira parcela crescente da renda da sociedade. Isso significa punir os que são produtivos por meio de seu trabalho ou investimento e canalizar tais recursos para aqueles que já terminaram sua vida econômica útil. Os idosos passaram a ser arrimos de família, principalmente em regiões mais pobres, o que demonstra cabalmente o estado desesperador em que nos encontramos. Basta analisar os dados para ver que a renda do trabalho cresce menos -e cai em algumas faixas salariais- do que as aposentadorias. O resultado desse processo é uma redução crescente da eficiência de nossa economia e da sua capacidade de gerar empregos e riquezas no futuro.
Mas o governo continua a não enfrentar o problema por medo do desgaste político e da perda de apoio de milhões de brasileiros que dependem de aposentadoria e pensões. Pior ainda, tem tomado decisões que amplificam esse problema para o futuro. É o que vai acontecer com o aumento do salário mínimo decidido de forma isolada pelo presidente Lula e seu ministro do Trabalho. Os impactos negativos na Previdência virão não só do reajuste decidido para 2007 mas, também, da definição de uma regra de longo prazo que garante ao salário mínimo um aumento igual ao crescimento do PIB nominal.
Ora, uma das formas para corrigir o desequilíbrio já existente seria o de reduzir o peso das aposentadorias por meio do crescimento da renda dos brasileiros que realmente, por meio de seu trabalho produtivo, contribuem para a expansão econômica. Com essa decisão, o peso das aposentadorias no PIB estará consolidado no curto prazo e aumentará com a entrada de novos beneficiários no sistema da Previdência. Essa decisão trouxe à dura realidade vários analistas que esperavam um Lula reformista e racional do ponto de vista econômico no seu segundo mandato. Mas o Papai Noel esperado neste final de ano sumiu, e a dura realidade de um populismo irracional tomou conta desses entusiastas de um presidente que não existe.
LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS, 64, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).

Comentários

  1. Se o Governo desse menos, os editoriais estariam falando que o aumento é muito pequeno etc e tal.

    Ai do Governo que tenta agradar essa turma.

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