Na semana passada, este blog comentou duas das três manchetes que o ombudsman da Folha de S. Paulo, Marcelo Beraba, analisa em sua coluna semanal deste domingo (3/12). Beraba condenou o jornal em dois casos e absolveu no terceiro, conforme o leitor poderá ler abaixo, onde está reproduzida a íntegra do artigo.
A manchete sobre a "TV do filho de Lula" mereceu um comentário longo neste blog (clique aqui para ler o texto) e é ponto de concordância do ombudsman com o que foi escrito nessas Entrelinhas. No caso da chamada para as doações dos bancos à campanha do presidente, Beraba absolve a Folha, mas não deixa de relatar o argumento que foi levantado aqui para criticar o jornal: se os valores doados para Lula e Alckmin foram os mesmos, por que razão a Folha mencionou apenas o primeiro? Segundo Beraba, porque Lula venceu e Alckmin perdeu.
Pode ser um critério, mas infelizmente a redação da Folha não se manifestou sobre nenhuma das críticas do ombudsman (a outra foi a "barriga" do domingo passado, em que o jornal "garantiu" que a Polícia Federal acusaria Ricardo Berzoini como mandante no caso do Dossiê Vedoin). É um fato raro e estranho a redação não se manifestar sobre as posições do ombudsman. Em tese, isto significa que não havia muito o que explicar — a redação realmente errou ou agiu de má fé.
A seguir, o texto de Marcelo Beraba.
Manchetes e manchetes
TRÊS MANCHETES publicadas pela Folha ao longo da semana provocaram reações contrárias de leitores. Duas delas, na minha opinião, têm problemas -e vou analisá-los-, e uma está correta.
O dossiê
A manchete de domingo passado trouxe uma informação exclusiva sobre o caso do dossiê que Luiz Antonio Vedoin, acusado de comandar a máfia que atuava no Ministério da Saúde, tentou vender para petistas com acusações contra o PSDB. O título e o texto que o sustentava foram categóricos: "Para PF, Berzoini mandou comprar dossiê -
Após dois meses de investigação, a Polícia Federal e o Ministério Público concluíram [grifo meu] que a decisão de compra do dossiê contra tucanos partiu de Ricardo Berzoini, então presidente do PT e coordenador-geral da campanha à reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva".
O jornal tentava antecipar, com esta informação, o relatório anunciado pela PF para ser divulgado no início da semana. A reportagem não tinha fonte identificada, o que significa dizer que o jornal estava seguro da informação que publicava, mas não podia revelar a sua origem.
O texto interno não usou o verbo concluir, como na capa, mas uma formulação dúbia: "Após dois meses de investigação, a Polícia Federal e o Ministério Público Federal firmaram a convicção de que a decisão de compra do dossiê contra tucanos partiu de Ricardo Berzoini, então presidente do PT e coordenador-geral da campanha à reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva".
Na segunda-feira saiu o tal relatório da PF, mas não citava Berzoini. É um documento parcial, e a polícia pedia mais 30 dias para concluir as investigações. Na terça-feira, o jornal saiu pela tangente ao noticiar o anúncio: "A PF não descartou ontem o possível envolvimento do presidente licenciado do PT, Ricardo Berzoini, na trama do dossiê, mas, segundo o superintendente da PF em MT, a polícia "não trabalha com esta hipótese neste momento'".
Na minha opinião, o jornal se precipitou ao dar a informação, ainda mais como manchete. Concluir significa, num caso como este, ter provas para indiciar; firmar convicção não quer dizer nada. É possível que Berzoini seja citado como mandante no relatório final? É possível. Mas, ao que parece, a PF ainda não tem elementos para isso.
Acho que o jornal foi imprudente neste caso e correu um risco desnecessário. A Redação preferiu não responder aos meus questionamentos.
A televisão
A manchete de terça-feira -"Publicidade oficial ajuda a bancar TV de filho de Lula"- contém um erro. Até prova em contrário, o filho de Lula não tem uma emissora de TV, como dão a entender a manchete e o título interno - "Verbas de estatais ajudam a bancar TV de filho de Lula".
A notícia, como está na Primeira Página, não sustenta a manchete: "A Gamecorp, de Fábio Luiz Lula da Silva, filho do presidente Lula, divide com o Grupo Bandeirantes o faturamento obtido com verbas federais em anúncios na Play TV (ex-Rede 21). É o que prevê o contrato assinado entre a Rede 21, da Bandeirantes, e a Gamecorp, que produz programas transmitidos pela Play TV".
Há uma ação na Justiça do grupo Bandeirantes, proprietária da Play TV, contra a Editora Abril. Entre vários pontos que cabe à Justiça esclarecer está o da acusação, feita pela Abril, de que a emissora teria sido arrendada pela Gamecorp, o que constitui uma ilegalidade. Segundo a Bandeirantes, o que há é uma venda de espaço.
O "Painel do Leitor" publicou, no dia seguinte, duas cartas contestando aspectos da reportagem, uma delas do Grupo Bandeirantes. Um das reclamações dizia respeito à manchete: "Diferentemente do que informa a manchete, o filho do presidente Luiz Inácio Lula da Silva não é sequer acionista da Rede 21". A resposta da Folha foge do questionamento: "... a manchete se referia ao espaço controlado pela Game TV (ex-Gamecorp) na programação da PlayTV (antiga Rede 21). A Game TV tem entre os sócios Fábio Luiz da Silva. Em nenhum momento a reportagem afirmou que ele era acionista da Rede 21". A reportagem, não; mas a manchete, sim.
É importante que o jornal continue interessado em esclarecer este assunto. Envolve uma emissora de TV (concessão pública), uma empresa de telefonia (concessão pública), publicidade oficial (dinheiro público) e uma empresa que tem como sócio o filho do presidente da República. É um assunto de interesse público. Mas há um erro de informação na manchete e o jornal deveria corrigi-lo. Também sobre este assunto a Redação não quis se pronunciar.
As doações
A terceira manchete polêmica -"Bancos lideram doações a Lula"- está correta. A objeção levantada por alguns leitores foi a de que o candidato derrotado, Geraldo Alckmin (PSDB), recebeu igual quantia dos bancos, conforme o próprio jornal noticiou na Primeira Página.
Um leitor sugeriu que o título deveria ter sido algo como "Bancos lideram doações a Lula e Alckmin". Poderia ser. Mas a manchete da Folha não está errada, na minha opinião, e por uma simples razão: Lula ganhou a eleição, e Alckmin perdeu.
O principal foco da imprensa tem de estar em Lula, que terá a responsabilidade de presidir o país por mais quatro anos. As doações revelam os grupos de interesse que cobrarão do próximo governo, e não do candidato derrotado, as doações concedidas durante a campanha eleitoral, no papel a mais cara de todos os tempos. É do presidente que se deverá exigir transparência, impessoalidade e correção nas relações que envolvam os interesses desses doadores.
O jornal divulgou bem, ao longo da semana, as informações fornecidas pelo TSE sobre os financiamentos e custos das campanhas. São informações que, embora de interesse público, eram negadas à população. Mas aponto duas falhas no trabalho da Folha:
1 - O jornal não divulgou como deveria os dados relativos à campanha de Alckmin. A prestação de contas do comitê tucano foi entregue tarde, na terça, bem depois do de Lula, e o jornal só pôde publicar as informações completas sobre as duas campanhas, com infográficos, na Edição SP. Os leitores da Edição Nacional (52%) tomaram conhecimento apenas dos dados detalhados dos doadores de Lula. Era de se esperar, portanto, que o jornal publicasse na quinta-feira os dados de Alckmin na Edição Nacional. Isso não ocorreu, mas ontem o jornal sanou parcialmente a falha ao revelar as empresas que têm contratos com o governo de São Paulo e fizeram doações ao tucano.
2 - O jornal aproveitou bem as informações sobre as empresas que fizeram doações para os eleitos para o Congresso. Esqueceu, porém, de cruzar os dados que dispõe a respeito dos deputados estaduais de São Paulo (sede do jornal) e da bancada federal do Estado. Que grupos econômicos, sindicais, corporativos ajudaram a eleger os deputados estaduais? E os federais? Quais serão as bancadas formadas em torno de interesses específicos que atuarão acima dos partidos? Com que compromissos esses parlamentares chegam ao Legislativo? Essas são informações disponíveis na Justiça Eleitoral ainda em estado bruto e que deveriam ter uma atenção especial do jornal porque constituem uma prestação de serviço aos leitores.
Mesmo a prestação de contas de José Serra (PSDB), o novo governador de São Paulo, foi pouco explorada pelo jornal ("Em SP, custo das principais campanhas aumenta 83%", em 3 de novembro) e deveria ser objeto de novo levantamento para uma análise mais detalhada, como se fez acertadamente com Lula.
A manchete sobre a "TV do filho de Lula" mereceu um comentário longo neste blog (clique aqui para ler o texto) e é ponto de concordância do ombudsman com o que foi escrito nessas Entrelinhas. No caso da chamada para as doações dos bancos à campanha do presidente, Beraba absolve a Folha, mas não deixa de relatar o argumento que foi levantado aqui para criticar o jornal: se os valores doados para Lula e Alckmin foram os mesmos, por que razão a Folha mencionou apenas o primeiro? Segundo Beraba, porque Lula venceu e Alckmin perdeu.
Pode ser um critério, mas infelizmente a redação da Folha não se manifestou sobre nenhuma das críticas do ombudsman (a outra foi a "barriga" do domingo passado, em que o jornal "garantiu" que a Polícia Federal acusaria Ricardo Berzoini como mandante no caso do Dossiê Vedoin). É um fato raro e estranho a redação não se manifestar sobre as posições do ombudsman. Em tese, isto significa que não havia muito o que explicar — a redação realmente errou ou agiu de má fé.
A seguir, o texto de Marcelo Beraba.
Manchetes e manchetes
TRÊS MANCHETES publicadas pela Folha ao longo da semana provocaram reações contrárias de leitores. Duas delas, na minha opinião, têm problemas -e vou analisá-los-, e uma está correta.
O dossiê
A manchete de domingo passado trouxe uma informação exclusiva sobre o caso do dossiê que Luiz Antonio Vedoin, acusado de comandar a máfia que atuava no Ministério da Saúde, tentou vender para petistas com acusações contra o PSDB. O título e o texto que o sustentava foram categóricos: "Para PF, Berzoini mandou comprar dossiê -
Após dois meses de investigação, a Polícia Federal e o Ministério Público concluíram [grifo meu] que a decisão de compra do dossiê contra tucanos partiu de Ricardo Berzoini, então presidente do PT e coordenador-geral da campanha à reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva".
O jornal tentava antecipar, com esta informação, o relatório anunciado pela PF para ser divulgado no início da semana. A reportagem não tinha fonte identificada, o que significa dizer que o jornal estava seguro da informação que publicava, mas não podia revelar a sua origem.
O texto interno não usou o verbo concluir, como na capa, mas uma formulação dúbia: "Após dois meses de investigação, a Polícia Federal e o Ministério Público Federal firmaram a convicção de que a decisão de compra do dossiê contra tucanos partiu de Ricardo Berzoini, então presidente do PT e coordenador-geral da campanha à reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva".
Na segunda-feira saiu o tal relatório da PF, mas não citava Berzoini. É um documento parcial, e a polícia pedia mais 30 dias para concluir as investigações. Na terça-feira, o jornal saiu pela tangente ao noticiar o anúncio: "A PF não descartou ontem o possível envolvimento do presidente licenciado do PT, Ricardo Berzoini, na trama do dossiê, mas, segundo o superintendente da PF em MT, a polícia "não trabalha com esta hipótese neste momento'".
Na minha opinião, o jornal se precipitou ao dar a informação, ainda mais como manchete. Concluir significa, num caso como este, ter provas para indiciar; firmar convicção não quer dizer nada. É possível que Berzoini seja citado como mandante no relatório final? É possível. Mas, ao que parece, a PF ainda não tem elementos para isso.
Acho que o jornal foi imprudente neste caso e correu um risco desnecessário. A Redação preferiu não responder aos meus questionamentos.
A televisão
A manchete de terça-feira -"Publicidade oficial ajuda a bancar TV de filho de Lula"- contém um erro. Até prova em contrário, o filho de Lula não tem uma emissora de TV, como dão a entender a manchete e o título interno - "Verbas de estatais ajudam a bancar TV de filho de Lula".
A notícia, como está na Primeira Página, não sustenta a manchete: "A Gamecorp, de Fábio Luiz Lula da Silva, filho do presidente Lula, divide com o Grupo Bandeirantes o faturamento obtido com verbas federais em anúncios na Play TV (ex-Rede 21). É o que prevê o contrato assinado entre a Rede 21, da Bandeirantes, e a Gamecorp, que produz programas transmitidos pela Play TV".
Há uma ação na Justiça do grupo Bandeirantes, proprietária da Play TV, contra a Editora Abril. Entre vários pontos que cabe à Justiça esclarecer está o da acusação, feita pela Abril, de que a emissora teria sido arrendada pela Gamecorp, o que constitui uma ilegalidade. Segundo a Bandeirantes, o que há é uma venda de espaço.
O "Painel do Leitor" publicou, no dia seguinte, duas cartas contestando aspectos da reportagem, uma delas do Grupo Bandeirantes. Um das reclamações dizia respeito à manchete: "Diferentemente do que informa a manchete, o filho do presidente Luiz Inácio Lula da Silva não é sequer acionista da Rede 21". A resposta da Folha foge do questionamento: "... a manchete se referia ao espaço controlado pela Game TV (ex-Gamecorp) na programação da PlayTV (antiga Rede 21). A Game TV tem entre os sócios Fábio Luiz da Silva. Em nenhum momento a reportagem afirmou que ele era acionista da Rede 21". A reportagem, não; mas a manchete, sim.
É importante que o jornal continue interessado em esclarecer este assunto. Envolve uma emissora de TV (concessão pública), uma empresa de telefonia (concessão pública), publicidade oficial (dinheiro público) e uma empresa que tem como sócio o filho do presidente da República. É um assunto de interesse público. Mas há um erro de informação na manchete e o jornal deveria corrigi-lo. Também sobre este assunto a Redação não quis se pronunciar.
As doações
A terceira manchete polêmica -"Bancos lideram doações a Lula"- está correta. A objeção levantada por alguns leitores foi a de que o candidato derrotado, Geraldo Alckmin (PSDB), recebeu igual quantia dos bancos, conforme o próprio jornal noticiou na Primeira Página.
Um leitor sugeriu que o título deveria ter sido algo como "Bancos lideram doações a Lula e Alckmin". Poderia ser. Mas a manchete da Folha não está errada, na minha opinião, e por uma simples razão: Lula ganhou a eleição, e Alckmin perdeu.
O principal foco da imprensa tem de estar em Lula, que terá a responsabilidade de presidir o país por mais quatro anos. As doações revelam os grupos de interesse que cobrarão do próximo governo, e não do candidato derrotado, as doações concedidas durante a campanha eleitoral, no papel a mais cara de todos os tempos. É do presidente que se deverá exigir transparência, impessoalidade e correção nas relações que envolvam os interesses desses doadores.
O jornal divulgou bem, ao longo da semana, as informações fornecidas pelo TSE sobre os financiamentos e custos das campanhas. São informações que, embora de interesse público, eram negadas à população. Mas aponto duas falhas no trabalho da Folha:
1 - O jornal não divulgou como deveria os dados relativos à campanha de Alckmin. A prestação de contas do comitê tucano foi entregue tarde, na terça, bem depois do de Lula, e o jornal só pôde publicar as informações completas sobre as duas campanhas, com infográficos, na Edição SP. Os leitores da Edição Nacional (52%) tomaram conhecimento apenas dos dados detalhados dos doadores de Lula. Era de se esperar, portanto, que o jornal publicasse na quinta-feira os dados de Alckmin na Edição Nacional. Isso não ocorreu, mas ontem o jornal sanou parcialmente a falha ao revelar as empresas que têm contratos com o governo de São Paulo e fizeram doações ao tucano.
2 - O jornal aproveitou bem as informações sobre as empresas que fizeram doações para os eleitos para o Congresso. Esqueceu, porém, de cruzar os dados que dispõe a respeito dos deputados estaduais de São Paulo (sede do jornal) e da bancada federal do Estado. Que grupos econômicos, sindicais, corporativos ajudaram a eleger os deputados estaduais? E os federais? Quais serão as bancadas formadas em torno de interesses específicos que atuarão acima dos partidos? Com que compromissos esses parlamentares chegam ao Legislativo? Essas são informações disponíveis na Justiça Eleitoral ainda em estado bruto e que deveriam ter uma atenção especial do jornal porque constituem uma prestação de serviço aos leitores.
Mesmo a prestação de contas de José Serra (PSDB), o novo governador de São Paulo, foi pouco explorada pelo jornal ("Em SP, custo das principais campanhas aumenta 83%", em 3 de novembro) e deveria ser objeto de novo levantamento para uma análise mais detalhada, como se fez acertadamente com Lula.
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